Dilma recebe ajuda da filha Paula Rousseff após colocar a faixa presidencial. (REUTERS/Ueslei Marcelino)
Raphael Martins
Publicado em 18 de agosto de 2016 às 06h00.
Última atualização em 1 de agosto de 2017 às 11h35.
São Paulo – Como exigência para aderir à base aliada de Michel Temer (PMDB) após o afastamento de Dilma Rousseff (PT), em maio, o PSDB enviou carta pública ao interino pedindo que considerasse a implementação do parlamentarismo no Brasil.
O parlamentarismo é um modelo em que o Congresso é o responsável pelas decisões políticas do país, em vez do presidente, que se torna apenas chefe de Estado (com controle das Forças Armadas e diplomacia, por exemplo), cabendo ao primeiro-ministro a chefia de governo.
Está previsto, portanto, a deposição mais ágil do primeiro-ministro que não atenda aos ensejos do Legislativo e até a dissolução de todo o Congresso e novas eleições em casos mais graves.
Para defensores da proposta, a instituição dessa mudança é uma solução razoável e rápida para crises institucionais e desgastes semelhantes ao processo de impeachment que está prestes a terminar, depois de quase 9 meses. O assunto voltou à pauta por representar uma redução dos poderes do Executivo e que, teoricamente, dá reação mais rápida à opinião pública.
Escolhido novo líder do governo no Senado, Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP) já colocou em tramitação a Proposta de Emenda à Constituição 9/2016, que estabelece o sistema parlamentar no país. Para ser aprovado e dar fim ao período de presidencialismo, seria necessário maioria de 3/5 de ambas as casas do Congresso e um plebiscito para legitimação.
Seria essa, no entanto, a resposta para a melhoria na forma de governar o Brasil? EXAME.com consultou especialistas para dar o panorama geral das vantagens e desvantagens de tal troca.
Entre os grandes nomes da academia que defendem a mudança está o jurista Ives Gandra Martins. Como membro do conselho de reformas políticas da OAB de São Paulo e da Fecomércio, o professor emérito da Universidade Presbiteriana Mackenzie é o organizador de um livro com 24 autores que examinam as vantagens da instauração do parlamentarismo, a ser lançado em 19 de setembro.
Para Gandra Martins, do ponto de vista do retrato histórico, o presidencialismo é um fracasso em toda a América Latina. “Torna-se um governo de um homem só, em que o presidente é o dono do poder. O partido não existe. Temos legendas, com pessoas se unindo e mudando de partido de acordo com interesses”, diz o jurista.
No parlamentarismo, segundo ele, políticos só têm vida “dentro do partido”. Gandra Martins cita as políticas econômicas tomadas pela presidente Dilma Rousseff em relação à Petrobras e setor energético como “impossíveis” em tal regime, já que seu partido não teria o poder de barganha das coalizões feitas para aprová-las no Congresso.
“As práticas são efetivamente decididas de acordo com o interesse nacional”, diz. “A Margaret Thatcher [primeira-ministra do Reino Unido de 1979 a 1990, famosa por reformas liberais] era obrigada a dar explicações quase diariamente ao Congresso”. O modelo de referência britânico é defendido pelo jurista e proposto pelo senador Aloysio Nunes em sua PEC — excetuando-se apenas o título monárquico ao chefe de Estado.
Para Gandra Martins, o parlamentarismo evita também as uniões questionáveis de coligações de partidos e políticos sem qualquer intimidade. O esquema de alianças, comuns no sistema atual, são motivação para votações guiadas no Legislativo pelo interesse em cargos no alto escalão do poder.
Em busca de tempo de TV durante a campanha, por exemplo, o jurista cita a curiosa aliança de Marta Suplicy (PMDB-SP) e Andrea Matarazzo (PSD-SP) em chapa única para a Prefeitura de São Paulo nas eleições de 2016. Quando prefeita da cidade, a antiga petista Marta enfrentou ampla oposição do então tucano Matarazzo. “Hoje, ninguém se compromete com partidos”, diz Gandra Martins.
Assim como as decisões políticas são mais dependentes de aprovação de toda a base de governo, os erros também ganham linhas mais coletivas. O parlamentarismo aproveita os sistemas de destituição mais simplificados para tirar do poder o político que não esteja atendendo aos interesses da maioria.
Para defensores do sistema parlamentarista, essa é uma forma mais eficaz de botar o país no rumo desejado sem o desgaste de um processo de impeachment.
“Nas investigações da Operação Lava Jato, em que todo o governo foi contaminado, haveria base para levar ao parlamento o pedido de escolha de um novo governante e até uma dissolução do Congresso e novas eleições”, diz Gandra Martins.
Na mesma Lava Jato, porém, a recorrente troca de governantes pode gerar sensação de instabilidade política. É o que acontece na Espanha, em que, mesmo com dissolução do Legislativo e eleições, ainda há dificuldade de formar maioria no parlamento e tomar as decisões que tirem o país da crise.
Gandra Martins concorda que a instabilidade é possível no Brasil, mas “em menor grau que no presidencialismo” e “não é o que vem acontecendo no mundo em geral”. Em virtude de novas denúncias de corrupção aparecendo o tempo todo nos últimos dois anos, esse é o ponto mais sensível que carece de estudo para aplicação.
O Brasil viveu dois momentos de parlamentarismo na história, ambos em momentos de democracia frágil.
O primeiro, ainda no período de Império, ficou conhecido como “parlamentarismo às avessas”, já que ministros eram nomeados por D. Pedro II e, então, aprovados pela Câmara — o modelo tradicional prega o contrário. Quando insatisfeito pela decisão do Legislativo, o imperador tinha o poder de dissolver a Casa, fazendo com que ganhassem apenas os políticos simpáticos à monarquia.
O segundo, em 1961, foi alternativa à renúncia de Jânio Quadros. O então vice-presidente João Goulart só foi efetivado na presidência ao abrir mão de poderes no Executivo, com previsão de plebiscito para decidir a manutenção do sistema em 1965.
No período, não houve estabilidade e primeiros-ministros foram trocados. Jango conseguiu articular uma antecipação e o presidencialismo retornou em 1963. Suas propostas para a crise econômica da época geraram articulações para o golpe militar de 1964, que o tirou do poder.
Sem grande sucesso com experiências passadas, o parlamentarismo não teve força para ser implantado mesmo depois da redemocratização. Tanto que, em 1993, o brasileiro decidiu em novo plebiscito pela República presidencialista, vigente desde então.
Considerando esses fatores e somado ao fato de que uma mudança brusca de sistema é mais custosa em termos de aprovação, há quem defenda reformas graduais do presidencialismo.
Sérgio Abranches, cientista político e autor de famoso artigo sobre o tema que trouxe à tona o termo “presidencialismo de coalizão”, diz que, quando feitos devidos ajustes ao sistema vigente, é possível reverter as crises políticas e de governabilidade.
Para o especialista, a principal chaga do sistema é a flexibilização da legislação para criação de partidos políticos. O atual ambiente tem, de acordo com ele, uma quantidade de interesses a serem atendidos pelo presidente que ultrapassa o administrável, fazendo com que concessões cada vez maiores sejam feitas para manter unida a base.
“Soma-se a isso a conivência com a corrupção e se cria um ambiente de clientelismo que gera desesperança na política e afasta o surgimento de novas lideranças”, diz Abranches. “É uma situação de barganha constante, sem que os interesses da sociedade sejam atendidos”.
Segundo o cientista político, o primeiro passo para melhoria está dado conforme se forma consenso com relação a proibição das coligações para eleições proporcionais. Essas coligações somadas ao coeficiente eleitoral gera muita sobra para eleição de deputados e vereadores com pouquíssimos votos.
“Pode juntar com a cláusula de barreira [norma que impede ou restringe o funcionamento do partido que não alcançar mínimo percentual de votos] com raiz na Constituição, mas só essa proibição já diminui a quantidade de partidos com representação no Legislativo”, afirma. “Essas mudanças poderiam derrubar de 28 para cerca de 8 partidos na Câmara, por exemplo”.
Para Abranches, o problema a ser resolvido a seguir seria a formação de um sistema federativo entre os estados brasileiros. Hoje, a formação sociocultural de cada um torna-se impasse nas negociações, pois cada região do país tem carências muito particulares e cada deputado ou senador precisa puxar para si a destinação das maiores verbas.
“Tem que ser uma mistura entre Estados Unidos e União Europeia, em que há capacidade de atuação da União na redução de desequilíbrios entre os estados”, diz Abranches. “Deve ter a autonomia estadual que os EUA têm, com restrição de uso de recursos para financiar o básico dos estados e municípios. O dinheiro federal seria para projetos específicos e dentro de um projeto de equalização social dos estados”.
Segundo o especialista, itens como saúde, educação e segurança devem ser responsabilidade do estado, não da União. Hoje, é o governo federal que repassa verba recebida por impostos para os estados. No novo modelo, o dinheiro iria direto para a administração estadual e cada uma priorizaria suas necessidades mais urgentes, evitando mais permutas políticas.
“Sem considerar esses fatores, em um sistema parlamentarista, podemos ter trocas de governo o tempo todo, já que as baixas econômicas tendem a ser mais frequentes por causa da instabilidade global”, diz.
O cientista político lembra que o processo de impeachment de Dilma está sendo traumático porque ainda tem ampla resistência de setores políticos. “No caso Collor, foi rápido e indolor”.