Rio de Janeiro/imagem de arquivo: protesto da população após morte pela polícia no RJ (Pilar Olivares/Reuters)
Clara Cerioni
Publicado em 13 de novembro de 2019 às 11h05.
Última atualização em 13 de novembro de 2019 às 11h24.
Rio de Janeiro — A população negra tem 2,7 mais chances de ser vítima de assassinato do que os brancos. É o que revela o informativo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, divulgado nesta quarta-feira (13), no Rio de Janeiro, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Segundo a analista de indicadores sociais do IBGE Luanda Botelho, enquanto a violência contra pessoas brancas se mantém estável, a taxa de homicídio de pretos e pardos aumentou em todas as faixas etárias.
“Na série de 2012 a 2017, que foi o período que a gente analisou neste estudo, houve aumento da taxa de homicídios por 100 mil habitantes da população preta e parda, passando de 37,2 para 43,4. Enquanto para a população branca esse indicador se manteve constante no tempo, em torno de 16” disse.
De acordo com dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, foram registradas 255 mil mortes de pessoas negras por assassinato nos seis anos analisados.
Entre os jovens brancos de 15 a 29 anos, a taxa era de 34 mortes para cada 100 mil habitantes em 2017, último ano com dados de mortes disponíveis no DataSus.
Entre os pretos e pardos, eram 98,5 assassinatos a cada 100 mil habitantes. Fazendo o recorte apenas dos homens negros nessa faixa etária, a taxa de homicídio sobe para 185. Para as mulheres jovens, a taxa é de 5,2 entre as brancas e 10,1 para as pretas e pardas.
As desigualdades raciais persistentes no país também se refletem nas condições de moradia dos brasileiros. O Brasil tem quase três vezes mais negros do que brancos vivendo com ao menos uma restrição de acesso ao saneamento básico.
Na população que habitava em moradias com alguma deficiência no saneamento em 2018, 69,404 milhões eram pretos ou pardos, outros 25,015 milhões eram brancos.
No ano passado, era maior proporção da população preta ou parda residindo em domicílios sem coleta de lixo (12,5%, contra uma fatia de 6% da população branca), sem abastecimento de água por rede geral (17,9%, contra 11,5% da população branca), e sem esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial (42,8%, contra 26,5% da população branca).
O resultado significa que os pretos e pardos estão em maior condição de vulnerabilidade e exposição a vetores de doenças, lembrou o IBGE.
Os negros também têm menos acesso aos bens duráveis do que os brancos. Em 2018, 44,8% da população preta ou parda residia em domicílios sem máquina de lavar roupa, o dobro da fatia da população branca nessa mesma condição (21%).
Embora correspondam a mais da metade dos habitantes do país, os brasileiros negros permanecem sub-representados no Poder Legislativo. Os pretos e pardos eram 55,9% da população, mas são apenas 24,4% dos deputados federais e 28,9% dos deputados estaduais eleitos em 2018.
Dos vereadores eleitos em 2016, 42,1% eram pretos e pardos, segundo o IBGE. O porcentual de candidaturas de pessoas pretas ou pardas, no entanto, chegou a 41,8% para cargos de deputado federal, a 49,6% nas eleições para deputado estadual e a 48,7% para vereador.
"Assim, não é possível atribuir a sub-representação desse grupo populacional unicamente a uma ausência de candidaturas, pelo menos no que tange às eleições legislativas proporcionais de 2014 a 2018", ressaltou o IBGE, em nota.
O estudo mostrou ainda a discrepância entre a receita das candidaturas de pessoas brancas e a de pessoas pretas ou pardas. Enquanto 9,7% das candidaturas de pessoas brancas a deputado federal tiveram receita igual ou superior a R$ 1 milhão, entre as candidaturas de pessoas pretas ou pardas, apenas 2,7% contaram com pelo menos esse valor.
"As candidaturas de pretos ou pardos são menos representativas entre candidaturas com mais recursos", aponta Luanda Botelho, analista da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE.
Considerando todas as candidaturas que dispuseram de receita igual ou superior a R$ 1 milhão, apenas 16,2% eram de pessoas pretas ou pardas.
Segundo o IBGE, estudos sobre eleições no Brasil já mostraram que a escassez de recursos financeiros é um dos fatores que diminuem as chances de sucesso eleitoral de uma candidatura.
"Outro elemento determinante para o sucesso seria o candidato já possuir cargo parlamentar, o que constitui, portanto, mais uma dificuldade para um grupo sub-representado reverter esse quadro" afirmou o IBGE.
Para os pesquisadores do IBGE, as desigualdades étnico-raciais têm origens históricas e são persistentes, levando a população preta ou parda a sofrer "severas desvantagens" em relação à branca em indicadores do mercado de trabalho, distribuição de renda, condições de moradia, educação, violência e representação política.
"Os ciclos econômicos do país ao longo de 300 anos tiveram pilar no trabalho escravo. Formalmente, a liberdade tem 130 anos. E esse desenvolvimento econômico ao longo da sua história construiu uma estrutura social que os indicadores estão mostrando, esses números não estão soltos", justificou Claudio Crespo, analista da Coordenação de População e Indicadores Sociais do IBGE.
"Tem indicadores de transformação, mas a distância social ainda é bastante relevante, tem uma raiz histórica. A posse da terra, a valorização cultural, a estigmatização que ao longo dos anos os pretos e pardos são submetidos", completou.