Brasil

O que é Censo e por que ele é importante para o futuro do Brasil?

Retrato do Brasil chega com quase três anos de atraso após pandemia e problemas orçamentários do governo federal

Censo: dados podem revelar mudanças na população brasileira (LightRocket/Getty Images)

Censo: dados podem revelar mudanças na população brasileira (LightRocket/Getty Images)

André Martins
André Martins

Repórter de Brasil e Economia

Publicado em 27 de junho de 2023 às 21h52.

Última atualização em 29 de junho de 2023 às 11h43.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) começou a divulgar nesta quarta-feira, 28, às 10h, os dados do Censo 2022. Os resultados de População e Domicílios foram os primeiros apresentados. Finalmente, será possível saber o número de brasileiros residentes no país e em quantos domicílios.

O retrato do Brasil chega com quase três anos de atraso. A pesquisa deveria ter acontecido em 2020, mas a pandemia de covid-19 e problemas orçamentários do governo federal impediram a realização da coleta. O último Censo aconteceu em 2010. Desde então, apenas projeções buscam apontar quantos, quem são e onde vivem os brasileiros.

ATUALIZAÇÃO: Após 13 anos sem Censo, Brasil tem 203 milhões de habitantes, revela IBGE

A gestão pública aguarda ansiosamente a divulgação do Censo para ter respostas sobre como está a população brasileira após uma década de mudanças econômicas e sociais drásticas. São esperados dados que confirmem o crescimento da população em relação ao Censo de 2010 e mostrem um país mais desigual e envelhecido.

"A tendência é que o Censo revele um Brasil um pouco mais urbano, mais envelhecido, mais escolarizado e mais negro, se comparado ao Censo demográfico de 2010", afirma Jimmy Medeiros, mestre em estudos populacionais e pesquisas sociais e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas (FGV). 

Para Márcia Castro, professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública da Universidade Harvard, é esperado que a coleta esclareça questões relacionadas à mortalidade causada pela pandemia, a possível migração entre as regiões ou até para fora do país e por que a população envelhece mais em algumas regiões em comparação com outras. "[O Brasil] Mudou e mudou muito", diz. "É exatamente essa mudança que a gente precisa entender."

O que é o Censo?

O Censo é uma pesquisa realizada pelo IBGE a cada dez anos para fazer uma ampla coleta de dados em todos os municípios brasileiros. Ele tem como objetivo calcular os habitantes do território nacional, identificar suas características e revelar como vivem os brasileiros.

"O IBGE tem outras pesquisas, mas nenhuma retrata a realidade brasileira com tantos detalhes e em todos os setores censitários de todo o território nacional", afirma Medeiros, da FGV.

"Por isso, o Censo é relevante para planejar políticas educacionais, de saúde, previdenciárias e definir valores transferidos para o Fundos de Participação dos Municípios, dos estados e da educação básica, por exemplo."

A coleta acontece por meio de uma pesquisa quantitativa dividida em dois questionários. O questionário básico inclui 26 perguntas sobre a quantidade de pessoas que moram no domicílio, características do morador, renda mensal, identificação étnico-racial e grau de escolaridade. A existência de abastecimento de água, saneamento básico, energia elétrica também são questionadas pelo recenseador.

O outro questionário tem 77 perguntas e mergulha no perfil do morador. As perguntas vão desde a quantidade de computadores com acesso à internet até qual é o tempo de deslocamento da pessoa da casa ao trabalho.

"O Censo fornece dados de sexo, idade e unidade geográficas de forma detalhada e atualizada, para ser possível ter políticas locais que respondam às mudanças da composição demográfica", explica Castro, de Harvard.

O último Censo, realizado em 2010, contou com 191 mil recenseadores e contabilizou 190,7 milhões de pessoas morando em 5.565 municípios brasileiros. A coleta de dados durou quatro meses e indicou um aumento da concentração da população urbana de 81% em 2000 para 84% dez anos depois.

Por que o Censo é importante? Qual é sua utilidade para definição de políticas públicas?

A coleta do Censo produz informações para a definição de políticas públicas e tomada de decisão de investimento en qualquer nível de governo ou da iniciativa privada.

Os dados são utilizados para definir os repasses da União para estados e municípios, uma vez que o valor considera os números populacionais.

As informações detalhadas fornecidas pelo Censo sobre o perfil da população em determinadas áreas ajudam prefeitos, governadores e o presidente da República a definir prioridades em relação à saúde, educação, assistência social, transportes e cultura, entre outros.

"O Censo é absolutamente fundamental para qualquer país, porque vai guiar a locação de recursos e o desenho de políticas públicas. Ele vai responder se o país precisa construir mais creches ou construir mais asilo, por exemplo", explica Castro, de Harvard. 

Desigualdade e pós-pandemia podem ser desafios revelados pelo Censo

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, aponta que o desafio previdenciário com o envelhecimento da população já está posto, mesmo sem os dados atualizados do Censo.

O que pode chamar a atenção do mercado é a percepção sobre a piora da renda do brasileiro. "O que se pode ter um pouco de percepção [do mercado], em relação ao último Censo, é piora na renda e desigualdade ao longo desse período", afirma. 

O economista destacou a importância da pesquisa para a definição de políticas públicas eficientes e para a economia.

Para ele, fortalecer o IBGE, tendo em vista todas as dificuldades e atrasos da pesquisa atual, é desafio de primeira hora. "Sem informação, o governo transita às cegas e precisamos do IBGE fortalecido para conseguirmos ter boas informações", finalizou. 

Márcia Castro, de Harvard, aponta que um Censo após o choque de mortalidade causado pela pandemia será extremamente importante para a área da saúde.

A chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard afirma que os dados coletados irão complementar o sistema do Ministério da Saúde e permitirá que planos de ação nesse pós-pandemia sejam implementados. "O Censo irá empoderar os dados do ministério. Eles poderão calcular taxas, corrigir e ter uma série história de projeção populacional correta", diz.

Dificuldades na realização do Censo 2022

Inicialmente previsto para 2020, o recenseamento foi adiado devido à pandemia. Com a resistência do governo Bolsonaro em realizar a pesquisa, em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) obrigou o governo a realizar o Censo em 2022.

Na época, o Ministério da Economia autorizou R$ 2,3 bilhões para a pesquisa. O orçamento era o mesmo de 2019 e desconsiderava a inflação acumulada em 2 anos.

O recurso escasso revelou dificuldades para a contratação, o pagamento e a manutenção de recenseadores. Com isso, o Censo iniciado em agosto, e com fim previsto para outubro, foi adiado para fevereiro deste ano. O governo Lula decidiu realizou uma suplementação orçamentária de R$ 259 milhões ao IBGE.

Um novo adiamento foi realizado para seguir a recomendação do Conselho Consultivo do IBGE, formado por ex-presidentes do órgão, demógrafos e acadêmicos, a fim de garantir a qualidade da pesquisa. A coleta foi encerrada no final de maio.

Além da falta de dinheiro, a pesquisa teve como desafios a insegurança em algumas regiões do país e a recusa de muitas pessoas em responder às perguntas.

Notícias falsas a respeito de benefícios sociais cancelados de quem respondesse o Censo também prejudicou o processo. 

Para finalizar o censo, o Ministério do Planejamento e o IBGE realizaram mutirões principalmente nos locais em que a coleta de dados não avançava. A operação foi realizada em favelas, condomínios de luxo e em terras Yanomami, que nunca haviam sido recenseadas.

O mutirão também conseguiu atualizar a população indígena no Brasil, estimada em mais de 1,6 milhão de pessoas, segundo balanço parcial apresentado em abril.

Acompanhe tudo sobre:Censo 2020IBGEMinistério do PlanejamentoCenso 2022

Mais de Brasil

Primeiras ondas de frio chegam ao Brasil em abril — mas calor ainda deve predominar

Anvisa emite alerta sobre cremes dentais com fluoreto de estanho após relatos de lesões orais

Lula diz que Brasil prioriza negociações com governo Trump antes de aplicar reciprocidade em tarifas