Brasil

Histeria racial deve parar, diz secretário sobre Taís Araújo

Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo por e-mail, Cesar Benjamin reafirma posições que causaram polêmica no Dia da Consciência Negra

 (TEDx Talks/YouTube/Reprodução)

(TEDx Talks/YouTube/Reprodução)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 23 de novembro de 2017 às 12h00.

Rio de Janeiro - O secretário municipal de Educação do Rio de Janeiro, Cesar Benjamin, causou grande polêmica nas redes sociais com expoentes do movimento negro por causa de um post que fez no Dia da Consciência Negra, na última segunda-feira, 20. Na publicação, o secretário citou uma palestra sobre o racismo no Brasil, proferida pela atriz Taís Araújo.

"Continuo detestando a racialização do Brasil, uma criação - eu vi - do Departamento de Estado dos Estados Unidos. Nossa maior conquista - o conceito de povo brasileiro - desapareceu entre os bem-pensantes. Qualquer idiotice racial prospera. A última delas é uma linda e cheirosa atriz global dizer que as pessoas mudam de calçada quando enxergam o filho dela, que também deve ser lindo e cheiroso." E concluiu: "Quero que as raças se fodam."

Em entrevista concedida ao jornal O Estado de S. Paulo por e-mail, o secretário reafirma suas posições. "Dizer que os brasileiros mudam de calçada quando veem uma criança negra na rua é uma ofensa ao nosso País. Essa histeria tem que parar. Alguém tem que dizer que é mentira."

O senhor causou grande polêmica junto ao movimento negro por causa da sua última postagem. O senhor esperava toda essa repercussão?

Faço esse tipo de alerta sobre os perigos da racialização da nossa sociedade desde a década de 1990. Desde então sou patrulhado. O problema só se agravou. Hoje leio nos jornais, rotineiramente, expressões como "o escritor branco Fulano de Tal", "o cineasta negro Beltrano", "o professor Cicrano, branco".

Naturalizamos a divisão racial dos brasileiros. Ninguém mais reage. Dizer que os brasileiros mudam de calçada quando veem uma criança negra na rua é uma ofensa ao nosso País. Essa histeria tem que parar. Alguém tem que dizer que é mentira.

O que, exatamente, o senhor quis dizer quando afirmou que a "racialização do Brasil foi uma criação do Departamento de Estado dos Estados Unidos"?

Na década de 1990, amigos gaúchos pediram-me que os recebesse no Rio de Janeiro e os acompanhasse em uma reunião que teriam na sede da Fundação Ford, que ficava na Praia do Flamengo.

Queriam verificar a possibilidade de obter algum financiamento para projetos de educação em áreas rurais. Fiquei chocado com o que vi.

Os funcionários da fundação disseram abertamente que só financiariam projetos que destacassem a questão racial no Brasil. Exigiram que eles mudassem todo o projeto que levaram.

Estabeleci ali uma conversa tensa sobre isso. Um deles disse, para todos ouvirmos: "Temos 15 milhões de dólares e vamos provar que o Brasil é racista." Entendi perfeitamente a mensagem.

Pensemos num computador. Ele tem um hardware, que são seus componentes físicos, mas para funcionar precisa de um software, um programa que lhe dá as instruções sobre o que fazer. Uma sociedade também tem componentes físicos, que são a sua infraestrutura, e componentes ideológicos, que organizam o comportamento das pessoas.

A Fundação Ford, que é um braço do Departamento de Estado, mirou no coração do nosso software, o conceito de povo brasileiro. Acertou em cheio. Se não há povo brasileiro, o Brasil não vale a pena. Isso é parte importante da grande crise civilizatória que se abateu sobre nós e nos paralisa.

O senhor acha que o Brasil é um país racista? Ou o senhor acha que vivemos uma democracia racial?

Há racismo no Brasil, assim como há em praticamente todo o mundo. Nunca usei e não conheço quem tenha usado a expressão democracia racial.

Mas, ao contrário do que ocorre em vários outros países, o sistema de valores que a sociedade brasileira escolheu não legitima o racismo.

Isso é muito importante. Um sistema de valores não descreve fielmente o que existe, mas aponta os caminhos que desejamos seguir. Sinaliza uma trajetória desejada.

Os americanos transformaram essa nossa grande virtude em hipocrisia. Adestraram uma geração de militantes que detesta o Brasil.

Muitos argumentam que, em sua palestra, a atriz Taís Araújo, ao dizer que as pessoas mudam de calçada quando veem seu filho, estaria falando de forma simbólica, metafórica, sobre o racismo no Brasil. O senhor não viu desta forma?

Eu não vi a palestra da atriz, por quem tenho grande afeto. O que me chamou a atenção não foi a palestra em si. Foi a quantidade de gente que replicou essa barbaridade nas redes sociais de forma completamente acrítica, como se fosse verdade literal: os brasileiros atravessam a rua quando veem uma criança negra. Francamente...

As estatísticas mostram que a discriminação racial é um fato no País. Os negros são os mais pobres, os que mais morrem, os que mais são vítimas da polícia, a maior parte da população carcerária. O senhor discorda disso?

Uma grande mentira só prospera se tiver alguma aderência à realidade. Há verdade em tudo o que você diz, embora essas estatísticas sejam, em geral, de péssima qualidade.

Mas são verdades seletivas, que acabam servindo a uma grande mentira: o Brasil é o País mais racista do mundo...

A maior parte da população negra foi escrava até quase o final do século 19, há poucas gerações, e nossa mobilidade social não tem sido suficientemente grande para alterar posições historicamente constituídas.

É um problema gravíssimo. Dedico minha vida a lutar contra ele. Mas a racialização não nos ajuda em nada. Só traz mais um problema. Impede-nos de ter uma aproximação amorosa em relação ao nosso próprio país.

O que o senhor quis dizer com "Quero que as raças se fodam"?

O conceito de raças humanas, além de cientificamente inepto, é pérfido, é do mal. Foi criado para justificar o colonialismo e desde então só separa, destrói, discrimina, justifica desastres humanitários de grandes proporções. Eu não quero que o Brasil seja um País de "escritores brancos ou negros" e "cineastas negros ou brancos". Quero que seja um País de escritores e cineastas.

Como secretário de Educação, que tipo de ação o senhor tem tomado para evitar a discriminação nas escolas?

Pelo visto você foi capturada pela histeria racial, pois sua pergunta pressupõe que há discriminação em nossa rede, que você sequer conhece. Afinal, o Brasil é assim, não é? Lamento decepcioná-la, mas não conheço nenhum caso que possa confirmar isso.

Nossa rede é um microcosmo do Brasil, profundamente miscigenada. Se aparecer racismo, ele será tratado como deve, como uma burrice e um crime. O racista é, antes de tudo, um burro. Achar, no século 21, que as pessoas devem ser julgadas pela cor da pele é o fim da picada.

Outro Lado

Em nota, o diretor da Fundação Ford no Brasil, Átila Roque, disse lamentar a "ignorância histórica" do secretário. Segundo ele, Benjamin tenta atribuir a uma "entidade privada independente e sem fins lucrativos, a responsabilidade pela promoção da luta contra o racismo no País, desconhecendo toda a trajetória de resistência dos negros e negras brasileiros que antecedem em muito a própria existência da fundação". Destacou ainda que a Fundação Ford tem o compromisso de apoiar projetos que reduzam as desigualdades.

Acompanhe tudo sobre:NegrosRacismoRio de Janeiro

Mais de Brasil

Enem 2024: prazo para pedir reaplicação de provas termina hoje

Qual é a multa por excesso de velocidade?

Política industrial tem de elevar produtividade e alterar potencial energético, diz Cagnin, do Iedi