Raquel Dodge: procuradora fez um cumprimento protocolar ao antecessor, Rodrigo Janot, que não participou da cerimônia (Twitter/MP Federal/Reprodução)
Reuters
Publicado em 18 de setembro de 2017 às 08h59.
Última atualização em 18 de setembro de 2017 às 11h05.
Brasília - A nova procuradora-geral da República, Raquel Dodge, afirmou nesta segunda-feira, ao tomar posse no cargo, que o devido processo legal é um direito de todos os cidadãos e que a harmonia entre os Poderes é requisito para a estabilidade do Brasil.
"O país passa por um momento de depuração. Os órgãos do sistema de administração de Justiça têm no respeito e harmonia entre as instituições a pedra angular que equilibra a relação necessária para se fazer justiça em cada caso concreto", disse.
Dodge afirmou ainda, em cerimônia que contou com a presença do presidente Michel Temer, que é dever do Ministério Público defender a Justiça e garantir que ninguém esteja acima da lei, mas que também ninguém esteja abaixo da lei.
Dodge: "O Ministério Público deve assegurar voz a quem não a tem e garantir que ninguém esteja acima da lei e ninguém esteja abaixo da lei" pic.twitter.com/DHsk4VOozX
— ANPR (@ANPR_Brasil) September 18, 2017
A procuradora fez um cumprimento protocolar ao antecessor, Rodrigo Janot, adversário dela dentro da instituição e que não participou da cerimônia, pelos seus "serviços à nação".
Antes de deixar o cargo, Janot apresentou na semana passada uma segunda denúncia contra o presidente Michel Temer, que esteve na posse de Dodge.
Em um breve discurso, o presidente afirmou que a autoridade suprema não está nas autoridades constituídas, mas na lei, e que toda vez que se ultrapassa os limites da Constituição há um abuso de autoridade. [nE5N1JI00M]
A nova chefe do Ministério Público Federal não falou da operação Lava Jato e citou duas vezes a palavra corrupção em seu discurso. Em uma delas, disse que o povo brasileiro "não tolera corrupção".
"O povo mantém a esperança em um país melhor, interessa-se pelo destino da nação, acompanha investigações e julgamentos, não tolera a corrupção e não só espera, mas também cobra resultados", afirmou.
Leia a íntegra do discurso de posse:
"Agradeço que tenham vindo à casa do Ministério Público brasileiro, que está a serviço da nação, para testemunhar esta posse.
Dirijo-me ao povo brasileiro, de quem emana todo o poder, e a todos os presentes, para dizer que estou ciente da enorme tarefa que está diante de nós e da legitima expectativa de que seja cumprida com equilíbrio, firmeza e coragem, com fundamento na Constituição e nas leis.
Recebo com humildade o precioso legado de serviço à pátria, forjado pelos procuradores-gerais da República que me antecederam, certa de que o Ministério Público deve promover justiça, defender a democracia, zelar pelo bem comum e pelo meio ambiente, assegurar voz a quem não a tem e garantir que ninguém esteja acima da lei e ninguém esteja abaixo da lei.
Cumprimento o procurador-geral Rodrigo Janot por seu serviço à nação.
Quarenta e um brasileiros assumiram este cargo, alguns em ambiente de paz e muitos sob intensa tempestade. A nenhum faltou a certeza de que o Brasil seguirá em frente porque o povo mantém a esperança em um país melhor, interessa-se pelo destino da nação, acompanha investigações e julgamentos, não tolera a corrupção e não só espera, mas também cobra resultados.
Os brasileiros aprenderam o caminho que conduz ao Ministério Público. Há trinta anos, quando tomei posse, poucos sabiam o que faz o procurador da República e, no entanto, nosso protomártir, o procurador Pedro Jorge de Mello e Silva, já havia sido assassinado por investigar um grande escândalo de corrupção.
Para honrar sua memória e dar efetividade ao nosso trabalho, reivindicamos as garantias que o constituinte nos deu em 1988.
No entanto, foi por causa da desigualdade persistente, da ausência de liberdades e do sofrimento cotidiano das pessoas, que reivindicamos também outras atribuições constitucionais, como a defesa da democracia, da sociedade e do meio ambiente e de zelar pelo respeito dos poderes públicos aos direitos assegurados na Constituição.
Estas novas atribuições constitucionais somaram-se ao papel clássico do Ministério Público, que é o de processar criminosos.
É preciso desempenhar bem todas estas funções, porque todas ainda são realmente necessárias, para muitos brasileiros a situação continua difícil, pois estão expostos à violência e à insegurança pública, recebem serviços públicos precários, pagam impostos elevados, encontram obstáculos no acesso à Justiça, sofrem os efeitos da corrupção, têm dificuldade de se auto-organizar, mas ainda almejam um futuro de prosperidade e paz social.
O Ministério Público, instituído pela Constituição de 1988 tem, portanto, a obrigação de exercer com igual ênfase a função criminal e a de defesa de direitos humanos, deve priorizar a atuação de seus membros na medida adequada a resolver problemas graves que inibem o bom desenvolvimento humano, como as elevadas taxas de homicídio a violência urbana e rural, as falhas na qualidade da escola — e sabemos que a educação de qualidade emancipa a pessoa e rompe o círculo da pobreza e a de serviços básicos de saúde onde são necessários.
Os desafios são muitos não é possível dizer que será fácil, mas confirmo que os problemas serão encarados com seriedade, com fundamento na Constituição e nas leis, porque cada membro do Ministério Público brasileiro está pronto e motivado, como sempre esteve, para exercer todas as suas atribuições constitucionais. Estarei com eles e ao lado deles.
Não nos têm faltado os meios orçamentários, nem os instrumentos jurídicos necessários para fazer cumprir a Constituição. Estou certa de que o Ministério Público continuará a receber do Poder Executivo e do Congresso Nacional o apoio indispensável ao aprimoramento das leis e das instituições republicanas e para o exercício de nossas atribuições.
O Supremo Tribunal Federal tem distinguido o Ministério Público com sua atuação fundamentada, respeitosa e republicana em tudo condizente com a harmonia que interessa aos cidadãos, ao entregar de modo célere a prestação jurisdicional que lhe é reclamada como guardam da Constituição.
Em todos os lugares do Brasil e em temas diferentes, há muito trabalho para o Ministério Público. A Constituição nos incumbiu de zelar pela higidez do sistema eleitoral, de coibir a violência doméstica, os crimes no transito que ceifam tantas vidas, os homicídios e os crimes de corrupção.
No Ministério Público, temos o dever de cobrar dos que gerenciam o gasto público que o façam de modo honesto, eficiente e probo, ao ponto de restabelecer a confiança das pessoas nas instituições de governança.
O Papa Francisco nos ensina que “a corrupção não é um ato, mas uma condição, um estado pessoal e social, no qual a pessoa se habitua a viver. O corrupto está tão fechado e satisfeito em a sua autossuficiência que não se deixa questionar por nada nem por ninguém. Construiu autoestima que se baseia em atitudes fraudulentas, passa a vida buscando os atalhos do oportunismo, ao preço de sua própria dignidade e da dignidade dos outros. A corrupção faz perder o pudor que protege a verdade, a bondade e a beleza” (em o nome de Deus é misericórdia, ed. planeta, 2016, p. 120)
Zelar pelo bem comum é uma tarefa grandiosa para o Ministério Público, que é coadjuvada pelo papel que cada cidadão pode fazer por si mesmo e pela integridade do país.
É uma tarefa necessária, que exige de nós coragem, o país passa por um momento de depuração, os órgãos do sistema de administração de justiça têm no respeito e harmonia entre as instituições a pedra angular que equilibra a relação necessária para se fazer justiça em cada caso concreto.
Temos de cuidar da dignidade da pessoa humana, a Constituição não a estabelece apenas como ideal, mas exige concretude em relação a cada indivíduo, pautada pela observância da lei e dos direitos individuais. O Ministério Público, como fiscal da Constituição e das leis, deve zelar pela dignidade de cada pessoa, pois a dignidade humana é essencial para assegurar um futuro de paz no país e entre as nações.
O Ministério Público é guardião do legado civilizatório contido na Constituição. Princípios e normas que asseguram a liberdade do indivíduo também expandem a condição humana para a vida pacífica em sociedade sustentam nosso estilo de vida, preservam nossas tradições e nossos costumes e constituem o devido processo legal.
Fomos moldados por diversas línguas e culturas e convivemos bem com as diferenças. Esta herança multirracial caracteriza o Brasil e nossa humanidade, o Ministério Público zela pelo respeito a estas características, pelos direitos de índios e minorias, pela liberdade de religião e de credo.
A cada dois anos, na data da posse, nos reunimos nesta casa e reafirmamos nossa esperança de dias melhores para o Brasil. E o nosso compromisso como membros do Ministério Público, de agirmos com unidade de propósito para fazer a nossa parte, que consiste em cumprir o nosso dever constitucional. É a esperança que renovo agora, como procuradora-geral da República e presidente do Conselho Nacional do Ministério Público. E para cujo alcance sei que conto com a firmeza de cada procurador da república e de cada promotor de justiça do país, eu seus mais diferentes ofícios.
Sob a Constituição de 1988, a nação brasileira tem escolhido construir sua história valorizando a liberdade de expressão e de reunião, apreciando a democracia, repudiando a corrupção e pedindo o reconhecimento de seus direitos. O Ministério Público, como defensor constitucional do interesse público, posta-se ao lado dos cidadãos para cumprir o que lhe incumbe claramente a Constituição de modo a assegurar que todos são iguais e todos são livres, que o devido processo legal é um direito e que a harmonia entre os poderes é um requisito para a estabilidade da nação.
No oficio que ora assumo, o trabalho será cotidiano e extenuante, precisaremos da ajuda de todos os membros e servidores do Ministério Público, pois a grandeza desta nação tem sido construída de modo árduo, e aprendemos que o caminho que leva à liberdade e à integridade tem obstáculos que só podem ser superados com resiliência e coragem.
Há novos desafios jurídicos pela frente. Os valores que defenderemos e que definirão nossas ações estão na Constituição: muito trabalho, honestidade, respeito à lei e as instituições, observância do devido processo legal e responsabilidade. São os atributos da cidadania.
Neste início de mandato, peço a proteção de Deus para que nos momentos em que eu for colocada à prova, não hesite em proteger as liberdades, em cumprir o meu dever com responsabilidade, em fazer aplicar a Constituição e as leis, para entregar adiante com segurança o legado que recebo agora, e que eu então possa dizer, parafraseando a grande poetisa cora coralina, de meu amado estado de goiás, que contribuí para que haja "mais esperança nos nossos passos do que tristeza em nossos ombros."
Muito obrigada".