Demétrio Magnoli, sociólogo e pesquisador da Universidade de São Paulo (Flávio Santana / Biofoto/Exame)
Rikardy Tooge
Publicado em 15 de abril de 2019 às 11h02.
Última atualização em 15 de abril de 2019 às 15h30.
O episódio da suspensão do aumento de 5,37% no preço do óleo diesel vendido pela Petrobras, protagonizado pelo governo na semana passada, é a prova inequívoca da absoluta inviabilidade do “casamento” – metáfora frequente do presidente Jair Bolsonaro – entre ele e o superministro da Economia, Paulo Guedes. A avaliação foi feita pelo sociólogo Demétrio Magnoli nesta segunda-feira, 15, durante sua participação no Fórum VEJA EXAME 100 dias de governo, em São Paulo.
Para Magnoli, não é possível que liberais, como Guedes, unam-se a nacional-populistas, como ele classifica Bolsonaro, em função da narrativa da “guerra cultural” adotada pela ala “ideológica” do governo – o próprio presidente e seus filhos incluídos – que denuncia a união entre “globalistas” e comunistas conspiram em escala mundial.
O sociólogo classifica a aliança como um “pacto profano” e um “Frankenstein”. “É inviável, é óleo e água, a doutrina liberal não se mistura com a nacional-populista. Esse governo é marcado, já marcado, nos 100 dias, por crises permanentes entre nacional-populistas, promotores da guerra cultural, e os liberais”, disse o sociólogo. “O discurso da guerra cultural não é um discurso que cerca o presidente, que se aproxima do presidente, é um discurso do próprio presidente e seu clã familiar”, afirmou.
Magnoli descreveu a tal “guerra cultural” como movimento contrário à ordem mundial instituída após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945, que pressupõe, entre outros, fortalecimento de instituições internacionais multilaterais, economias abertas e interligadas e oscilação entre partidos de centro-esquerda e centro-direita em regimes democráticos. A ruptura da cooperação entre moderados, impulsionada por um cenário favorável a Bolsonaro, foi, na avaliação do sociólogo, um dos aspectos do ideário desta cruzada que mais se associa à aliança entre liberais e nacional-populistas que levou o capitão da reserva a se tornar presidente.
“A aliança é tão inviável que, para que ela se formasse, foi necessária a destruição do sistema político da Nova República. Foi só com isso, uma combinação extraordinária de depressão econômica, Lava Jato, desmoralização dos dois grandes partidos da Nova Republica, PT e PSDB, que permitiu que surgisse esse Frankenstein, a aliança entre liberais e nacional-populistas”, declarou Magnoli, que prevê uma intensificação do conflito entre liberais e nacional-populistas para os próximos cem dias de governo. Ele classifica como “ilusão” imaginar que um “globalista” como Guedes sobreviva ao governo Bolsonaro.
Para o sociólogo, o episódio do diesel deve ter feito o ministro da Economia perceber que está em um governo à la Dilma Rousseff, com sua política econômica intervencionista, e indicar a ele que ou deixa o governo ou troca suas convicções econômicas pela permanência no cargo. Demétrio Magnoli entende que a segunda hipótese, que faria do liberal um “mero agente da política dos nacional-populistas”, é a mais provável.
Em sua participação no Fórum VEJA EXAME, Demétrio Magnoli também comentou a influência do ex-astrólogo e autoproclamado filósofo Olavo de Carvalho sobre o governo Bolsonaro. “Diria que ele é a figura mais influente do atual governo, o Rasputin do atual governo”, comparou o sociólogo, citando o monge de origem humilde que se tornou o conselheiro-mor da família do czar Nicolau II.
Magnoli, no entanto, classifica os pensamentos disseminados por Carvalho como “plágio” e “paráfrases malfeitas de pensadores românticos do final do século XIX e do início do XX”, como o historiador e filósofo alemão Oswald Spengler, autor de O Declínio do Ocidente.
“O que Olavo faz são paráfrases dizendo que o ocidente está em declínio por causa dessas bactérias iluministas [citadas por Spengler], isso é plágio, plágio malfeito, não é filosofia original. Se ele tem alguma coisa de original é juntar o individualismo do colono armado americano, do faroeste, a essa base romântica europeia de Stangler. Isso é coisa não de filósofo, mas de um mecânico que junta peças”, ironizou.
Citando a influência de Olavo de Carvalho nas nomeações dos ministros da Educação, Abraham Weintraub, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, Magnoli observou o papel moderador dos ministros militares no governo. “Militares se empenham em fazer o Frankenstein dar certo, eles temem que se o Frankenstein der errado, os militares serão responsabilizados pelo fracasso do governo, que a imagem deles seja mais uma vez enlameada. Militares gostam de missões impossíveis”, declarou o sociólogo.