MBL: nova onda de liberalismo no país surge junto com o desgaste das esquerdas e busca marcar espaço na direita brasileira (Facebook/MBL/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 25 de novembro de 2019 às 08h34.
"Sou liberal e não sabia." É a esta conclusão que grupos que se definem como liberais no Brasil querem que seus interlocutores cheguem quando o assunto é política. A nova onda de liberalismo no país, formada por grupos como Livres, Movimento Brasil Livre (MBL) e Students for Liberty Brasil (SFLB), surge junto com o desgaste das esquerdas e busca marcar espaço na direita brasileira, tendo como estratégia principal se diferenciar do governo de Jair Bolsonaro.
A razão para isso é se afastar de qualquer associação a um radicalismo à direita, que é como esses grupos entendem o pensamento conservador nos costumes. Essa agenda é encampada pelo governo, seus aliados e apoiadores, que, depois da crise no PSL, agora apostam na criação do partido Aliança pelo Brasil, com a defesa de Deus e de armas, para sedimentar o bolsonarismo no País. A ressalva fica na área econômica, já que, em geral, os grupos concordam com pautas como as reformas da Previdência e a tributária.
"Tem gente que é pró-mercado, a favor de um Estado que interfere menos na vida das pessoas, a favor do casamento gay e da descriminalização de drogas e que não sabia que isso tinha um nome. Defender a liberdade por completo é possível", afirmou o presidente do Livres, Paulo Gontijo.
Diretor executivo do Students for Liberty Brasil, André Freo vai na mesma linha. "Muitos associam o liberalismo exclusivamente à economia, mas vamos além. Defendemos a liberdade econômica com a liberdade individual."
Um exemplo de como esses liberais vêm tentando marcar posição para além das questões econômicas ocorreu no município de Juara, em Mato Grosso. Com o apoio do Livres, que faz campanha contra a obrigatoriedade do alistamento militar, o jovem Emerqui Aguiar, de 20 anos, foi dispensado em outubro após alegar "imperativo de consciência".
A medida é prevista na Constituição e atribui "prestação de serviço alternativo" a alistados que alegarem política, crença religiosa ou que são filosoficamente contrários à atividade. Segundo Aguiar, no caso dele, foi necessário apresentar uma carta do Livres - inclusive para o serviço alternativo - e a liberação do alistamento saiu após cinco meses de trâmite. "Ninguém na Junta sabia desse direito constitucional", afirmou o jovem.
Já o MBL e o Students for Liberty Brasil apostaram recentemente em debates com a presença de liberais, de conservadores e até de pessoas da esquerda. Em seu 5º Congresso Nacional, o MBL, que tem líderes como o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP) e o vereador paulistano Fernando Holiday (DEM), fez duras críticas ao governo Jair Bolsonaro e falou da importância do debate para fortalecer o pensamento liberal.
O grupo também agrega conservadores e fez campanha contra o adversário de Bolsonaro no segundo turno da eleição presidencial do ano passado, Fernando Haddad, para "não deixar o PT voltar".
O Students for Liberty Brasil promoveu a LibertyCon, que discutiu em painéis temas como os impasses do liberalismo no momento atual. Apesar de não se posicionar a respeito de governos, o grupo não se identifica com pautas conservadoras ligadas a costumes.
Gontijo, presidente do Livres, vê o atual momento como um desafio. "As diferenças no movimento liberal e na centro-direita estão aparecendo com mais clareza. A esquerda estava sempre dividida, mas, na hora da eleição, via qual era a melhor opção. Esse é um dos desafios dos diferentes movimentos liberais hoje", afirmou.
Para o cientista político Kleber Carrilho, da USP, a divisão da direita liberal hoje é similar ao que aconteceu com a esquerda nos governos petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Ele disse ver o atual cenário como uma consequência da polarização e do personalismo na política nacional - a direita associada a Bolsonaro e a esquerda, a Lula.
"Hoje no Brasil é muito mais fácil entender o que é bolsonarismo e lulismo do que conceitos como conservadorismo, liberalismo ou socialismo, que se perdem nesta colcha de retalhos ligadas mais a pessoas do que a ideias", afirmou Carrilho.
Os movimentos liberais apostam na influência de representantes no Legislativo para marcar suas posições. Em quase um ano, o Livres, que integrava o PSL até a entrada do então presidenciável Jair Bolsonaro no partido, no início do ano passado, ampliou sua "bancada" no Congresso de três eleitos no ano passado (o senador Rodrigo Cunha, do PSDB-AL, e os deputados Marcelo Calero, do Cidadania-RJ, e Tiago Mitraud, do Novo-MG) para sete parlamentares. Agora, também são do Livres os deputados Daniel Coelho (Cidadania-PE), Franco Cartafina (PP-MG) Gilson Marques (Novo-SC) e Pedro Cunha Lima (PSDB-PB).
Para o deputado do Cidadania Daniel Coelho, extremismos estão fazendo liberais e social-democratas se unirem em torno de um projeto que ele entende como liberal clássico. "É repensar o papel do Estado reconhecendo desigualdades", disse Coelho. "De um lado, uma esquerda que tem um 'terraplanismo econômico' e, do outro, uma direita de uma pauta conservadora. Isso fez unir os social-democratas e os liberais", afirmou o deputado.
Para Kim Kataguiri (DEM-SP), um dos três deputados federais do Movimento Brasil Livre (MBL) eleitos em 2018 (além dele, foram eleitos Jerônimo Goergen, do PP-RS, e Paulo Eduardo Martins, do PSC-PR), marcar posição passa por promover o diálogo dentro da própria direita. "(Tentamos nos diferenciar) na promoção de um diálogo democrático dentro da direita, num momento em que o Palácio do Planalto tenta sufocar todas as lideranças e ter uma certa hegemonia dentro desse campo ideológico."
Procurado pela reportagem, o Planalto não quis se manifestar sobre o assunto.
Apesar das divisões, o momento é considerado por representantes desses grupos como oportuno para o debate sobre o que é ser liberal no País hoje. "O liberalismo está sendo discutido e isso é ótimo. E as pessoas estão atentas. Essa coisa de liberal conservador não existe", disse a economista Elena Landau, que é integrante do grupo Livres e também participou da LibertyCon.
"Os liberais não podem achar que estão cobertos de razão e que não precisam debater. Não adianta escrever em caps lock nas redes sociais e só responder para quem concorda com a gente. Vamos avançar nas pautas de liberdades individuais debatendo", afirmou o diretor executivo do Students for Liberty Brasil, André Freo.