Greta e Bolsonaro (Getty Images/Reuters/Montagem/Exame)
João Pedro Caleiro
Publicado em 22 de setembro de 2019 às 08h00.
Última atualização em 23 de setembro de 2019 às 16h00.
São Paulo - De um lado, Greta Thunberg, a ativista sueca de 16 anos que se tornou um símbolo global do movimento de combate às mudanças climáticas. Do outro, Jair Bolsonaro, o presidente brasileiro, questionado pela alta das queimadas e do desmatamento ilegal na Amazônia.
Ambos estarão em Nova York, nos Estados Unidos, no início desta semana para participar de eventos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Na segunda-feira (23), Greta fala na Cúpula da Ação Climática, uma iniciativa do secretário geral da ONU, António Guterres. Um dia depois, na terça-feira (24), Bolsonaro abre a sessão anual da Assembleia-Geral, espaço sempre reservado ao presidente do Brasil.
A presença dos dois ilustra o momento particular em que passa a questão do combate às mudanças climáticas enquanto cientistas alertam que a janela está se fechando para evitar um futuro catastrófico.
Nos Estados Unidos, maior emissor de gases estufa tanto em termos per capita quanto em termos históricos, Donald Trump saiu do Acordo de Paris e segue bloqueando proteções ambientais - até mesmo aquelas feitas de forma voluntária por estados como a Califórnia.
No Brasil, o seu aliado Bolsonaro decidiu não sediar a COP 25, evento da ONU sobre o clima, mandou representantes para uma conferência de negacionistas e tem em seu governo vários membros que questionam a ação humana nas mudanças climáticas, um consenso na comunidade científica.
Questionado por EXAME, o Itamaraty escreve que o debate deve ser feito de forma "serena e franca" e com base em evidências científicas e não via "demonização dos cientistas que apontam a escassez de evidências sobre o impacto da atividade humana nas mudanças climáticas ou que questionam a narrativa de uma dimensão catastrófica dessas mudanças."
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, fez um discurso recente em um dos principais “think tanks” conservadores de Washington, a Heritage Foundation, em que afirmou que “o ponto do climatismo é acabar com o debate democrático” e negou que exista uma crise climática.
O Itamaraty escreve que a expressão se refere a um suposto "alarmismo" com o qual o tema seria tratado internacionalmente "sem embasamento científico suficiente, e frequentemente encobrindo objetivos políticos e comerciais."
"Quando o Acordo de Paris saiu em 2015, parecia haver um consenso global no sentido de mitigar as mudanças climáticas. Com Trump e outros negacionistas eleitos, isso perde a força, mas em compensação, há um momento de grande engajamento popular; nunca vi o clima tão mainstream", diz João Henrique Alves Cerqueira, ativista da organização ambiental Engajamundo.
Greta é a face mais visível dessa nova mobilização. No ano passado, ela começou a protestar de forma solitária do lado de fora do Parlamento sueco, gesto que se transformou no Fridays for The Future e foi replicado ao redor do mundo.
Na última sexta-feira (20), o movimento culminou nas maiores manifestações da história sobre mudanças climáticas, envolvendo mais de 4 milhões de pessoas em 163 países.
No Brasil, as manifestações sobre as mudanças climáticas se somam a protestos anteriores diante da aceleração na destruição da Amazônia. Eles são associados por críticos à retórica do presidente, à redução de multas e ao desmonte de órgãos de fiscalização.
A primeira reação do presidente foi negar os dados oficiais, o que culminou na exoneração de Ricardo Galvão, diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, órgão responsável pelo monitoramento via satélite.
Posteriormente, ele baixou o tom diante da forte reação nacional e internacional e do risco de perdas econômicas, mas o estrago estava feito.
"Quem diria que o primeiro panelaço do governo Bolsonaro seria em função da Amazônia?", diz Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, em referência a manifestações ouvidas em cidades brasileiras durante pronunciamento do presidente sobre o tema, em rede nacional, no dia 23 de agosto.
Ian Coelho, ativista do Jovens pelo Clima em Brasília, nota que enquanto a mobilização lá fora acaba voltada para formas de reduzir a emissões de gases estufa, aqui a questão da preservação é mais forte devido à grande extensão do território ainda tomada por florestas.
Na última semana, 230 fundos de investimento que juntos administram US$ 16 trilhões (R$ 65 trilhões), incluindo gigantes como Aberdeen e Macquarie Asset Management, assinaram um manifesto pedindo para que o Brasil adote medidas eficazes contra o desmatamento e as queimadas devido ao risco de impacto financeiro e acesso a mercados de empresas nas quais eles investem.
Já o Parlamento da Áustria citou a crise na Amazônia como razão para a aprovação de uma resolução vinculante recomendando a não aprovação do acordo entre Mercosul e União Europeia, assinado em junho mas que ainda precisa ser aprovado por todos os países para entrar em vigor.
O acordo já vinha sendo questionado diante de embates públicos de Bolsonaro com o presidente francês, Emmanuel Macron, que tem a questão ambiental como uma de suas bandeiras.
"O Brasil vem para a ONU com o rabo entre as pernas. Dentro da discussão climática, não tem mais credibilidade nenhuma", diz João Henrique, do Engajamundo.
Em e-mail para EXAME, o Ministério do Meio Ambiente escreve que "tem participado dos esforços para mitigar e principalmente atuar na adaptação dos efeitos das mudanças climáticas, juntamente com outros ministérios e entes federativos."
Enquanto isso, seguem as mobilizações nacionais e internacionais sobre o tema, que vão muito além de Greta como símbolo e de Bolsonaro como alvo.
"Eu tenho como inspiração ativistas brasileiros. A gente tem várias Gretas aqui lutando pelo clima de diversas maneiras; são os indígenas defendendo seus territórios e as pessoas que quando chove, tentam evitar deslizamentos", diz Nayara Almeida, uma das organizadoras do Fridays for the Future no Brasil.