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Governo tentou esconder epidemia de meningite em 1974

Debate sobre a falta de transparência nos números de coronavírus remete a outra epidemia que parou o Brasil, durante a ditadura militar

Geisel: durante seu governo, epidemia de meningite se espalhou pelo Brasil (Getty Images/Getty Images)

Geisel: durante seu governo, epidemia de meningite se espalhou pelo Brasil (Getty Images/Getty Images)

Felipe Giacomelli

Felipe Giacomelli

Publicado em 8 de junho de 2020 às 14h59.

Última atualização em 8 de junho de 2020 às 19h21.

O debate nacional sobre a transparência na divulgação de dados do coronavírus relembra outro momento pouco nobre da história estatística nacional. Desde sábado estão circulando nas redes sociais informações sobre a epidemia de meningite que se alastrou pelo país nos anos 1970 e que a ditadura de Emílio Médici e Ernesto Geisel tentou esconder.

A meningite é o processo inflamatório das meninges, as membranas que envolvem o cérebro e a medula. Pode ser causada por vírus ou bactéria e afeta sobretudo crianças. Entre os sintomas principais estão dor de cabeça, febre e rigidez na nuca.

O surto de meningites tipos A e C durou de 1971 a 1975, e teve números muito mais modestos do que os atuais da covid-19. Matou, em 1975, 411 pessoas — ou menos de 1,5 por dia. Ainda assim, o avanço foi consistente — o número de casos registrados em janeiro de 1975 foi seis vezes maior que em janeiro de 1974, segundo dados do Conselho Regional de Medicina de São Paulo. No auge, o número de contagiados chegou a 200 por 100.000 habitantes — o Brasil teve até hoje 345 casos de coronavírus por 100.000 habitantes, como comparação. Epicentro da doença, São Paulo chegou a ter 40.000 casos em 1974.

Os números, e a velocidade de expansão da doença, demoravam a vir à tona por falta de transparência do governo e por censuras a reportagens. Em outubro de 1972, a revista Veja fez uma reportagem de capa sobre a meningite, com a chamada O surto da desinformação. Na Folha, uma reportagem com o título A Epemida do Silêncio, foi censurada. Em 2020, a imprensa tem tido mais uma vez papel primordial na divulgação de informações sobre a pandemia do coronavírus.

Nesta segunda-feira, um consórcio formado por Globo, Extra, G1, Estadão, Folha e Uol vai começar a divulgar números de casos e mortes por coronavírus coletados diretamente nas secretarias estaduais de saúde. Ontem, após anunciar restrições nas informações sobre a covid-19, o governo divulgou dois números contraditórios sobre a doença — primeiro de 1.382 mortos e, depois, de 525.

Assim como acontece com o coronavírus, as regiões mais pobres da capital paulista foram as mais afetadas pela meningite — a cidade já tinha, na época, mais de 500 favelas. E, assim como acontece agora, havia um desconhecimento sobre que tratamento era o mais efetivo. Os americanos começaram em 1971 a testar vacinas em militares no Vietnã. Também relembrando tempos atuais, o governo criticou jornais por reportagens e negou a gravidade da pandemia.

Reportagem da BBC Brasil de março relembra que o Brasil já havia tido dois surtos de meningite, em 1923 e em 1945. E que, depois de negar a existência da emergência de Saúde, o governo suspendeu aulas e eventos esportivos em 1975 e até cancelou a realização dos Jogos Pan-Americanos previstos para São Paulo — os jogos foram para a Cidade do México.

Também em 1975 o governo montou às pressas um plano de vacinar 10 milhões de pessoas em quatro dias, em abril. Cerca de 93% da população da cidade de São Paulo foi vacinada, segundo o IBGE. Com a campanha, o número de casos começou a cair e voltou ao normal dois anos depois, em 1977.

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