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Governo teme que atos de rua cresçam e se tornem pró-impeachment

Levantamento da empresa AP Exata mostra que há nas redes sociais uma tendência de crescimento das manifestações anti-Bolsonaro

Jair Bolsonaro: "Não podemos deixar que o Brasil se transforme no que foi há pouco tempo o Chile" (Marcos Corrêa/PR/Flickr)

Jair Bolsonaro: "Não podemos deixar que o Brasil se transforme no que foi há pouco tempo o Chile" (Marcos Corrêa/PR/Flickr)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 4 de junho de 2020 às 12h54.

Última atualização em 4 de junho de 2020 às 12h56.

O Palácio do Planalto teme que manifestações de rua em defesa da democracia e contra o governo federal cresçam e se tornem atos pró-impeachment do presidente Jair Bolsonaro.

Após a escalada de tensão dos últimos dias, Bolsonaro deu nesta quarta-feira uma espécie de ordem unida e chamou manifestantes contrários a seu governo de "marginais" e "terroristas". O gesto refletiu a preocupação expressada por aliados do governo nas redes sociais.

Bolsonaro usou termos duros para se referir a integrantes de grupos - autointitulados antifascistas - que passaram a promover atos contra o governo. Na mesma linha, o vice-presidente Hamilton Mourão também classificou os participantes desses protestos como "baderneiros", em artigo publicado nesta quarta-feira no Estadão.

Novos atos estão sendo chamados para o fim de semana por grupos ligados a torcidas de futebol, agora engrossados pela Frente Povo sem Medo, organização que reúne movimentos sociais, centrais sindicais e partidos de esquerda.

Em São Paulo as manifestações estão agendadas para o início da tarde de domingo na Avenida Paulista. O governo estadual proibiu atos rivais (contra e a favor de Bolsonaro) simultâneos na capital. Há manifestações agendadas no Rio, Salvador, Belo Horizonte e outras cidades.

Na prática, a principal pauta dos bolsonaristas, hoje, é a criminalização dos protestos de rua. Além disso, há na cúpula do governo a avaliação de que os fatos recentes que desgastam o Planalto - principalmente os relacionados a inquéritos que tramitam no Supremo Tribunal Federal - podem reforçar a defesa do afastamento do presidente.

As manifestações antirracistas nos Estados Unidos após o assassinato de George Floyd, segurança negro asfixiado por um policial branco, também causam apreensão no Planalto. Foi ao se referir aos protestos, na noite de anteontem, que Bolsonaro defendeu uma "retaguarda jurídica" para a atuação da polícia nas manifestações no Brasil.

"Começou aqui com os antifas (movimento antifacista) em campo. O motivo, no meu entender, político, é diferente. São marginais, no meu entender, terroristas", afirmou Bolsonaro. "Têm ameaçado, (no próximo) domingo, fazer movimentos pelo Brasil (...). Lá (nos EUA) o racismo é um pouco diferente do Brasil. Está mais na pele. Então, houve um negro lá que perdeu a vida. Vendo a cena, a gente lamenta. (...) Agora, o povo americano tem que entender que, quando se erra, se paga. Agora, o que está se fazendo lá é uma coisa que não gostaria que acontecesse no Brasil."

Levantamento da empresa AP Exata mostra que há nas redes sociais uma tendência de crescimento das manifestações anti-Bolsonaro, com argumentos de defesa da democracia. De acordo com a pesquisa recentes mensagens postadas por seguidores do presidente indicam que a mídia e a esquerda buscam estimular os protestos para derrubar o presidente. Os próximos atos de rua também devem incorporar a pauta antirracista.

Na segunda-feira, Bolsonaro pediu a apoiadores que evitem ir às ruas no domingo para não haver confronto com a oposição.

"Não tenho influência, não tenho nenhum grupo e nunca convoquei ninguém para ir às ruas. (...) Nós precisamos de uma retaguarda jurídica para que nosso policial possa bem trabalhar, em se apresentando esse tipo de movimento, que não tem nada a ver com democracia."

O presidente citou depredações ocorridas em Curitiba e disse ainda que é preciso impedir o alastramento de movimentos assim. "Não podemos deixar que o Brasil se transforme no que foi há pouco tempo o Chile", insistiu Bolsonaro, numa referência aos protestos do país vizinho.

Um adolescente foi apreendido ontem em Curitiba, suspeito de atear fogo na bandeira nacional hasteada em frente ao Palácio Iguaçu, sede do Executivo estadual. Ele participou de um "ato antirracista" na segunda-feira, que reuniu cerca de mil pessoas na região central da capital paranaense.

Ele foi o oitavo manifestante detido pela polícia. Outras sete pessoas foram encaminhadas à delegacia no dia do ato, que ocorreu de forma pacífica. Segundo as investigações, os atos de vandalismo e depredação foram registrados na dispersão. Os movimentos sociais que organizaram ou aderiram à manifestação atribuíram os atos de vandalismo e depredação a infiltrados.

Mais tarde, no Twitter, Bolsonaro bateu na mesma tecla, demonstrando preocupação com o confronto. "Quem promove o caos, queima bandeira nacional e usa da violência como uma forma de 'protestar' é terrorista sim! Manifestante, contra ou a favor do governo, é outra coisa."

Mourão adotou o mesmo tom. "Aonde querem chegar? A incendiar as ruas do País, como em 2013? A ensanguentá-las, como aconteceu em outros países? Isso pode servir para muita coisa, jamais para defender a democracia. E o País já aprendeu quanto custa esse erro."

Crítica

Líderes de movimentos classificaram as reações de Bolsonaro e Mourão de autoritárias. "As declarações são próprias de figuras políticas que não sabem viver com o contraditório", disse o presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão. "Manifestações em defesa da democracia seguem um direito constitucional.

Terrorista deveria ser considerado quem faz manifestação em defesa do AI-5 e da tortura. As declarações mostram mais um face de um governo autoritário", afirmou Josué Rocha, da coordenação nacional da Frente Povo Sem Medo.

Um dos líderes do movimento Somos Democracia, Danilo Pássaro criticou o artigo de Mourão. "Ao contrário do que diz o vice, são os apoiadores do governo que expõem seus revólveres e armas." / .

Gandra Martins

O jurista Ives Gandra da Silva Martins afirmou ao Estadão que sua interpretação sobre o artigo 142 da Constituição está sendo distorcida pelos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro e também pelos adversários do governo. Segundo ele, seu entendimento é o de que "não há, no artigo, qualquer brecha para fechamento de Poderes".

"Quem fala que permite golpe é ignorante em Direito. Tanto da situação quanto da oposição. As Forças Armadas não têm condição de dar golpe. Se têm, estão violando a Constituição e elas não farão nunca isso", afirmou o jurista, que atuou como consultor jurídico dos deputados que escreveram a Constituição de 1988.

A interpretação de Ives Gandra ao artigo da Constituição é, contudo, mais flexível do que a de outros juristas, para os quais a Carta Magna não permite que as Forças sejam acionadas sequer como poder moderador.

Ao detalhar sua interpretação, Gandra Martins afirmou que o artigo foi inserido pelos deputados constituintes "para nunca ser utilizado". Mesmo assim, citou exemplos hipotéticos nos quais as Forças Armadas poderiam ser invocadas para moderar conflitos.

Um deles, por exemplo, seria na hipótese de o Supremo Tribunal Federal (STF) mandar prender o presidente do Senado caso este não quisesse cumprir uma lei criada pelos magistrados por considerá-la inconstitucional.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) não considera correta essa interpretação. "A intervenção militar não é possível, sequer pontualmente", afirmou o presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, Marcus Vinícius Furtado Coêlho. "Nos exemplos citados, as questões não seriam resolvidas com intervenção militar."

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