José Eduardo Cardozo não encara manutenção de direitos políticos de Dilma como meia vitória. "O resultado foi profundamente injusto. Só se diminuiu um pouquinho a dimensão da injustiça" (Adriano Machado / Reuters)
Marcelo Ribeiro
Publicado em 6 de setembro de 2016 às 06h00.
Brasília — Em entrevista exclusiva para EXAME.com, o ex-ministro José Eduardo Cardozo, advogado de defesa da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) no processo de impeachment, afirma que o governo de Michel Temer (PMDB) teve como único objetivo destruir a carreira política da petista.
Para ele, a ausência de motivações técnicas para o afastamento de Dilma é cada vez mais evidente.
“Eu não entendi porque os partidos governistas estão questionando. Se eles querem manter a primeira decisão, não poderiam entrar com o mandado de segurança para tentar cancelar a decisão de manter os direitos políticos de Dilma. Eles querem efetivamente não só a morte política de Dilma, mas também o esquartejamento político dela”, disse sem perder o bom humor.
Alvo de elogios até de opositores, o ex-ministro da Justiça do governo Dilma nega que o bom desempenho no processo poderia lhe alçar a novos voos na vida política — como concorrer ao governo de São Paulo.
“Já fui secretário municipal por 4 anos, vereador por 8, deputado por 8 e ministro por 5 anos em duas pastas diferentes. Foi muito importante para mim, para meu enriquecimento pessoal. Quero me voltar a advocacia e a área acadêmica”.
Veja os principais trechos da entrevista exclusiva de Cardozo a EXAME.com:
EXAME.com: De que maneira Dilma está encarando os primeiros dias após a aprovação do impeachment no Senado?
José Eduardo Cardozo: A presidenta é muito forte, muito vigorosa. Em nenhum momento, ela esmoreceu ou resolveu abandonar a disputa. Ela permanece firme, decidida a lutar pelo seu mandato, pela democracia do Brasil em todas as instâncias possíveis e imagináveis. Além disso, ela tem deixado claro que vai fazer uma oposição ao governo de Michel Temer, porque é um governo que sai fora daquilo que efetivamente foi o resultado das urnas.
O senhor acredita que o resultado da segunda votação, que manteve os direitos políticos da ex-presidente, fortalece a tese de golpe e pode determinar o cancelamento do processo?
Independentemente do resultado da segunda votação, a própria nota que a OEA (Organização dos Estados Americanos) soltou afirmando que vê com preocupação a destituição da presidenta mostra que o mundo inteiro percebe que existem situações que estão foram do usual, do constitucional, do legal, do stado de direito desse processo. Isso tem irritado muito o novo governo, que quer se livrar de qualquer jeito da pecha de golpista. É impossível em um processo como esse se livrar desse rótulo.
A iniciativa da base governista de entrar com diversos recursos para tentar derrubar apenas a segunda votação é viável?
Existe uma posição muito clara do próprio STF. A própria Corte tem um precedente no caso do ex-presidente Collor, que diz que são duas penas autônomas. Diante desse contexto, me parece muito claro que a posição do STF está definida pelo menos historicamente. De certa forma, pode ser um tiro no pé, porque se tiverem que anular alguma coisa, vão ter que anular a decisão toda.
Mas isso é possível?
Se eu anulo a segunda, não posso manter a primeira. Eu não entendi porque os partidos governistas estão questionando isso, porque se eles querem manter a primeira decisão, não poderiam entrar com o mandado de segurança para tentar cancelar a decisão de manter os direitos políticos de Dilma. Eu acho que não haverá anulação apenas da segunda votação. É impossível.
Quem propôs fatiar a votação em duas partes? Quem articulou para que isso acontecesse?
Partiu de parlamentares e de advogados que nos levaram. Eu analisei e achei que a tese era absolutamente correta, considerando o precedente do caso do Collor. Me parece muito claro que era uma tese jurídica respaldada. Os senadores conversaram entre si e decidimos tomar essa decisão, que acabou determinando uma irritação desmedida da base governista. É um absurdo. Eles querem efetivamente não só a morte política de Dilma, mas também o esquartejamento político dela.
O senhor acredita que o resultado da votação representa uma meia vitória para Dilma?
Não, eu não acho que é meia vitória. O resultado foi profundamente injusto. Só se diminuiu um pouquinho a dimensão da injustiça. A visão correta seria não condená-la a nada. Apenas não se agravou a injustiça. Mas ela permanece. A injustiça e a violência democrática permanecem.
Depois que Dilma manteve seus direitos políticos, muito se falou que Eduardo Cunha adotaria a mesma estratégia em seu processo de cassação. Ele pode ter sucesso com essa iniciativa?
A situação é absolutamente diferente. Ele pode até querer fazer a mesma coisa, mas a base legal é completamente distinta. As regras que regem a situação de Cunha não são as mesmas que regem a situação que vivenciamos no Senado. A lei é outra, o dispositivo constitucional também.
O ex-senador Delcídio do Amaral também está tentando reaver seus direitos políticos meses após a cassação.
Me parece absolutamente extemporâneo. Também é uma situação diferente de Dilma. Se seus advogados achassem que poderiam adotar tal estratégia, deveriam ter feito na hora. Meses depois, não tem o menor cabimento. Nós fizemos o destaque, houve a decisão favorável ao destaque. O advogado dele deveria ter feito isso no momento em que a cassação estava sendo votada.
Como o senhor enxerga o argumento da base aliada de Temer de que fatiar a votação foi um verdadeiro desrespeito à Constituição?
Se pensarmos isso, quem começou a rasgar a Constituição foi o STF durante o processo de impeachment de Collor. Tem vários autores que sustentam essa tese. É uma postura bastante curiosa. É de quem deseja privar Dilma Rousseff. Por que eles tem tanto medo da presidenta? Por que eles querem impedi-la de se candidatar novamente no futuro? Eles tem medo que cada vez mais fique claro que foi um golpe? Quem não tem medo não age como eles estão agindo.
Depois do resultado, Dilma já demonstrou intenção de voltar a vida política?
Ela não tomou nenhuma decisão a respeito. A grande questão que se colocava é a limitação absurda que se estabeleceria a ela em uma situação que ela não teve absolutamente dolo nenhum, configuração delituosa nenhuma. É um absurdo.
Seria uma desproporcionalidade tirar os direitos políticos de Dilma por 8 anos.Tirar o mandato já é um absurdo. É injusto aplicar a Dilma uma pena que seria estabelecida para pessoas que desviam dinheiro público e enriquecem ilicitamente. É uma desproporção completa, uma irrazoabilidade.
Me parece evidente que quando fizemos a proposta de fatiar a votação tenha a ver com projetos imediatos de concorrer a cargos públicos. É uma questão de justiça. Ou melhor, buscar diminuir um pouco a injustiça da pena que foi decretada contra ela.
Vamos falar um pouco do senhor. Considerado a única unanimidade do processo de impeachment, recebeu elogio de todos os lados. Qual a autoavaliação que o senhor faz e a que atribui elogios até mesmo dos opositores?
Eu fico muito lisonjeado com os elogios. Te digo que procurei dar tudo de mim, me dediquei ao máximo por acreditar muito na causa. Eu sei que várias pessoas da base governista elogiaram meu desempenho. Isso me deixa muito feliz, embora preferisse ter ganho a causa e não ter recebido tantos elogios.
O senhor não parece cansado após uma maratona exaustiva. Quantas horas trabalhava em média ao longos dos últimos meses?
Entre 12 e 16 horas por dia.
Por que se emocionou tanto nos últimos dias do processo?
Porque vi uma injustiça se desenhando mesmo com a ausência de provas que comprovassem a culpabilidade da presidenta.
Os recursos ainda serão avaliados. Diante de tantos elogios recebidos, o senhor já sabe o que fará no futuro?
Eu não posso advogar até 12 de novembro, por causa da quarentena. Até lá, vou me dedicar ao meu doutorado. Depois disso, vou me dedicar a advocacia, seja na minha função original na prefeitura de São Paulo, seja através da advocacia privada que eu posso exercer. Vou me associar ao escritório do Marco Aurélio Carvalho, em São Paulo. Também terei um escritório aqui em Brasília para atuar junto aos tribunais superiores.
O senhor não tem interesse em voltar a vida pública?
Sinceramente não pretendo. Já fui secretário municipal por 4 anos, vereador por 8, deputado por 8 e ministro por 5 anos em duas pastas diferentes. Foi muito importante para mim, para meu enriquecimento pessoal. Quero me voltar a advocacia e a área acadêmica.
Continuarei sendo o advogado de Dilma no caso do impeachment até o desfecho. Mas não posso defendê-la em nenhuma outra causa antes de 12 de novembro. Se ela fosse despejada, eu não poderia defendê-la.