Bolsonaro durante apresentação do programa Renda Cidadã nesta segunda, dia 28 (Alan Santos/PR/Divulgação)
Carla Aranha
Publicado em 28 de setembro de 2020 às 18h52.
Última atualização em 28 de setembro de 2020 às 21h58.
Após o anúncio do governo sobre o programa Renda Cidadã, a forma de financiamento do novo programa social despertou preocupações entre os economistas e provocou estragos no mercado. Segundo o governo, até 2% dos recursos da receita líquida corrente serão utilizados para pagar precatórios, equivalentes a 55 bilhões de reais, o que é considerado um valor alto.
“Pegar uma parte dos recursos direcionados para a quitação das obrigações financeiras federais para qualquer outra coisa é uma temeridade, porque a dívida terá de ser paga em algum momento”, diz a economista Elena Landau. “Estão só adiando esse pagamento, o que traz insegurança jurídica, fragilidade institucional e uma maior probabilidade de aumento da dívida pública”.
Bruno Dantas, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) disse que o uso de precatórios parece "um truque para esconder a fuga do tetos de gastos, já que a dívida é rolada para o ano seguinte".
Os precatórios são requisições de pagamento de dívidas do governo contraídas junto aos consumidores, referentes a questões como benefício previdenciário, indenizações por morte ou invalidez e pensões.
Segundo fontes do mercado, a proposta do governo representa “quase um calote”, o que pode trazer impactos como o aumento dos juros futuros e da dívida pública, além de um maior risco fiscal. Também fala-se nas temidas pedaladas fiscais, que o Brasil já vivenciou.
"Essa contabilidade 'criativa' parece ser algo muito semelhante do que foi feito durante o governo de Dilma Roussef", diz o economista Marcos Lisboa, presidente do Insper. "É triste que isso esteja acontecendo novamente".
Nesta segunda-feira, dia 28, a bolsa brasileira fechou em forte queda, em 94.666 pontos.
Segundo o economista, o governo criou um malabarismo que não se sustenta nem do ponto de vista matemático nem fiscal para conseguir dar uma “boa notícia” à população. “A conta terá de ser paga de qualquer jeito, só que será com juros, lá na frente. É praticamente um calote”, diz. “Esse deverá ser um dos componentes do aumento da dívida pública”.
Começam também os questionamentos sobre a constitucionalidade da medida. A Lei de Responsabilidade Fiscal preconiza que os precatórios devem ser pagos na data estabelecida. O adiamento da quitação tem o efeito de provocar um aumento de juros da dívida cobrada por meio dos precatórios, o que pode ferir os certames da Lei de Responsabilidade Fiscal.
“A discussão atual deveria ser em torno da redução das despesas do governo e não do aumento delas, mesmo que isso ocorra por meio de um truque, como parecer ser o caso agora”, diz Lisboa.
A ideia de retirar até 5% dos recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) também despertou exclamações de incredulidade entre os especialistas. O Fundeb, criado de forma temporária em 2007 para prover recursos da creche ao ensino médio, foi incorporado à Constituição em agosto desde ano, após votação no Senado.
“Mexer em um fundo relativo à educação é algo fora de propósito, e corre o risco de não ser aprovado no Congresso”, diz Landau.
Como o fundo acabou de ser aprovado, discute-se no Congresso se a mudança proposta pelo governo teria possiblidades de seguir adiante. Os deputados e senadores devem se reunir nos próximos dias para discutir a retirada de parte das verbas do fundo. Também deverá analisada a constitucionalidade da proposta.