Brasil

Governo Federal devolve protagonismo às empresas estatais no saneamento

OPINIÃO | Enfrentar os mesmos problemas com as mesmas soluções costuma gerar os mesmos resultados: 50% da população continua sem esgotamento sanitário

 O ministro da Casa Civil, Rui Costa, presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vice presidente Geraldo Alckmin e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante reunião de apresentação e assinatura dos decretos que autorizam a regulamentação do Marco Legal do Saneamento (Joédson Alves/Agência Brasil)

O ministro da Casa Civil, Rui Costa, presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vice presidente Geraldo Alckmin e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante reunião de apresentação e assinatura dos decretos que autorizam a regulamentação do Marco Legal do Saneamento (Joédson Alves/Agência Brasil)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 7 de abril de 2023 às 13h29.

Última atualização em 7 de abril de 2023 às 13h31.

Em 5.4.2023, o Governo Federal alterou dois decretos que regulamentam o Novo Marco Legal do Saneamento (Lei 14.026 de 2020) abrindo espaço para que as empresas estatais continuem a ser protagonistas no setor.

Desde a década de 1970, as empresas públicas são responsáveis por atender (ou não) 70% de toda a população brasileira com serviços de saneamento. Dado os altos índices de perdas (40% da água produzida no Brasil é desperdiçada) e baixos níveis de cobertura de esgoto (50% da população não tem acesso a esgoto), o Novo Marco pretendia induzir um processo de privatização.

Microrregiões de saneamento

A primeira estratégia para tanto era proibir que empresas públicas pudessem assumir concessões de água e esgoto sem licitação. Ao competir com empresas privadas, as estatais - por serem mais ineficientes - não teriam condições de vencer concorrências públicas.

Porém, aqueles que entendiam que o Público deveria permanecer preponderante no setor já vinham (mesmo antes do novo Marco) formulando um antídoto: a criação de regiões metropolitanas, microrregiões ou aglomerados urbanos.

E esse antídoto foi agora fortalecido por um dos recém editados decretos.

Regiões metropolitanas, aglomerados urbanos ou microrregiões são agrupamentos de Municípios criadas por lei estadual. No saneamento, o STF já decidiu, em 2013, que nesses agrupamentos, Estado e Municípios devem tomar as decisões sobre como planejar e prestar os serviços de maneira conjunta. Além disso, órgãos ou empresas controladas pelos Municípios ou pelo Estado podem prestar os serviços de saneamento diretamente, sem licitação.

O entendimento é que esses órgãos seriam os próprios donos dos serviços e, portanto, não precisariam passar por um processo de escolha para atuar no território desses agrupamentos. Sequer precisariam de contratos para formalizar sua atuação.

Se excluída a Região Metropolitana do Rio de Janeiro (que já está provida de serviços prestados pela iniciativa privada desde a concessão realizada em 2021), as 9 maiores regiões metropolitanas do Brasil agregam mais de 20% da população brasileira. Em São Paulo, 75% da população vive em alguma região metropolitana.

Em Estados com menores conurbações urbanas, como Bahia, o Governo Estadual – com o intuito de garantir mercado cativo para sua empresa pública – propôs e aprovou lei estadual de criação de microrregiões. Foram 7 microrregiões, além da região metropolitana de Salvador. Na Paraíba, a empresa pública de saneamento (CAGEPA) assumiu a prestação dos serviços nos municípios agrupados em microrregiões. E o que chamou a atenção foi que isso foi feito depois do Novo Marco e antes dos decretos publicados agora pelo Governo Federal.

Com a criação de tais agrupamentos de municípios, o Novo Marco Legal tende a ter pouco ou nenhum efeito, porque não se aplica para situações em que o titular do serviço (nesses casos o Estado em conjunto com os Municípios) presta os serviços diretamente à população.

Condições econômico-financeiras

Os decretos federais desmontaram também uma segunda estratégia do Novo Marco Legal que era exigir que as empresas estatais comprovassem condições econômico-financeiras de continuar prestando os serviços. Se assim não fizessem, deveriam ser substituídas por empresas privadas. Na prática, os novos decretos abriram brechas para estatais que não comprovem sua capacidade de operar os sistemas possam continuar prestando serviços e venham a fazer essa comprovação até 2024 (esse prazo pode ser estendido no futuro).

Ainda que a opção pela solução estatal tenha ficado clara, os decretos precisam ser aperfeiçoados para manter incentivos para pelo menos o privado atuar em espaços em que o público não consegue agir, como é o caso do esgotamento sanitário e da redução de perdas. Enfrentar os mesmos problemas com as mesmas soluções costuma gerar os mesmos resultados: 50% da população continua sem esgotamento sanitário.

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*Isadora Cohen é sócia na ICO Consultoria. Foi secretária executiva de transportes metropolitanos do Estado de São Paulo. Foi secretaria do programa de desestatização e responsável pela Unidade de parcerias público-privadas do Estado de São Paulo. Foi presidente do Infra Women Brazil. É Pesquisadora da FIPE (fundação instituto de pesquisas econômicas da Universidade de São Paulo). Integra o corpo docente do MBA PPP da FESP e London School of Economics

*Fernando Marcato foi secretário de infraestrutura de Minas Gerais. Foi secretário de novos negócios da SABESP. Professor da FGV Direito São Paulo. Co-fundador e apresentador do Infracast. Mestre em direito comparado pela Universidade Paris I Pantheon-Sorbonne.

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