Glenn Greenwald: "Obviamente grande parte do movimento de Bolsonaro quer voltar à época da ditadura" (Lia de Paula/Agência Senado)
EFE
Publicado em 24 de janeiro de 2020 às 07h28.
Última atualização em 24 de janeiro de 2020 às 07h31.
Rio de Janeiro — O jornalista americano Glenn Greenwald, fundador e editor do site "The Intercept", disse nesta quinta-feira que a denúncia feita pelo Ministério Público por divulgar conversas comprometedoras sobre a Operação Lava Jato não passa de uma tentativa de intimidar a imprensa e garantiu que continuará publicando as matérias que estão abalando o mundo político e judiciário no Brasil.
"Estamos trabalhando agora com mais revelações e seguiremos publicando todas as reportagens que já estávamos preparando. Obviamente não vamos parar por essa tentativa de intimidação. Vamos seguir com nosso trabalho jornalístico até o fim", disse Greenwald em entrevista à Agência Efe.
A versão brasileira do "The Intercept", com apoio de outros veículos de comunicação do país, vem publicando desde 2018 comprometedoras conversas entre os promotores responsáveis pela Lava Jato, escândalo batizado pelo site de "Vaza Jato".
Os diálogos, que segundo a Polícia Federal foram roubados por hackers que invadiram o Telegram de várias autoridades, colocaram em xeque a imparcialidade do então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça e da Segurança Pública, em especial nos processos que levaram à condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
"Essa denúncia é uma tentativa óbvia de atacar a imprensa livre em represália pelas revelações que relatamos sobre o ministro Moro e o governo (de Jair) Bolsonaro", afirmou o jornalista.
Greenwald foi denunciado apesar de não ser investigado e indiciado pela Polícia Federal, que não viu qualquer crime na conduta do jornalista nas conversas com os hackers. Além disso, a ação do Ministério Público contraria decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que proibiu que o jornalista fosse investigado pelo exercício de sua profissão.
Para o fundador do "The Intercept", a denúncia do Ministério Público não só atenta contra a liberdade de imprensa no Brasil, mas também faz parte de um plano do governo de extrema direita de Bolsonaro de levar o país novamente a um regime ditatorial.
"A acusação não foi algo isolado. Na semana passada foi divulgado um relatório segundo o qual 54% dos ataques contra os jornalistas no Brasil foram feitos por Bolsonaro. Além disso, outro promotor tentou criminalizar as críticas ao Sergio Moro", afirmou.
"Bolsonaro está atacando e ameaçando os jornalistas a todo o tempo. Então, obviamente é um plano, um objetivo deste governo de trazer a repressão de volta ao Brasil", completou Greenwald.
O jornalista americano ainda afirmou que, nos 30 anos que passou pelo Congresso, Bolsonaro deu diversas declarações que indicam que ele não acredita na democracia ou na imprensa livre.
"Obviamente grande parte do movimento de Bolsonaro quer voltar à época da ditadura. Hoje sou muito explícito sobre isso e sobre essa tentativa de criminalizar o jornalismo, de atacar a imprensa, de intimidar qualquer um que esteja contra o governo, de criar um clima de medo", disse.
Na avaliação de Greenwald, a decisão do Ministério Público configura um "claro abuso de poder" já que a Polícia Federal já tinha analisado todo o material e concluído que ele não cometeu nenhum crime. Pelo contrário, teria exercido "jornalismo de forma muito responsável e cuidadosa".
"É uma violação da liberdade de imprensa promovida pelo mesmo promotor que tentou criminalizar as críticas contra Sergio Moro feitas por Felipe Santa Cruz (presidente da Ordem dos Advogados do Brasil). Essa denúncia (contra Santa Cruz) foi rejeitada pela Justiça", destacou.
Com base nesses argumentos, os advogados de Greenwald apresentaram um recurso para que a denúncia contra o jornalista seja rejeitada e arquivada ainda em primeira instância.
"A Polícia Federal analisou esse mesmo áudio (que baseou a denúncia do Ministério Público) e concluiu que não havia nenhuma evidência de crime. Segundo a polícia, essa conversa mostrou que eu disse exatamente ao contrário, porque eu disse (ao hacker) que não podia dar conselhos a uma fonte sobre apagar ou não as conversas", argumentou.
"Mas inclusive se ele tivesse feito (apagar a conversa), o jornalista tem o direito, a obrigação ética, de proteger suas fontes. Por isso, dar um conselho para tentar ajudar a fonte a não ser presa não é um crime. É algo que jornalistas fazem todos os dias", acrescentou.
Greenwald afirmou que punir uma conversa entre um jornalista e sua fonte significa criminalizar toda a imprensa e que por esse motivo recebeu apoio de diferentes organizações de defesa de direitos humanos e da liberdade jornalística em todo o mundo, que condenaram a decisão do Ministério Público.
Entre as organizações que saíram em defesa de Greenwald destacam-se a Anistia Internacional e a Human Rights Watch. Ele também recebeu o apoio do relator especial da ONU sobre Liberdade e Expressão, David Kaye, e do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia.