Sede da Fifa: o escândalo dos contratos de Neymar no Barcelona, portanto, é apenas a ponta de iceberg (Harold Cunningham/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 28 de janeiro de 2014 às 09h29.
Genebra - Um movimento de cerca de US$ 2 bilhões (R$ 4,8 bilhões) por ano jamais aparece nas contas oficiais do clubes, nos contratos dos jogadores nem são revelados aos fiscos do países.
Informações coletadas pela Fifa e obtidas com exclusividade pela reportagem apontam que 40% de todo o movimento de dinheiro nas transferências de jogadores de futebol jamais são declaradas, transformando o mercado mundial de craques em um dos maiores canais de fluxo ilegal de dinheiro no mundo.
O escândalo dos contratos de Neymar no Barcelona, portanto, é apenas a ponta de iceberg. Fontes revelaram que outros contratos envolvendo brasileiro no clube catalão também tinham cláusulas sigilosas, mesmo com outros presidentes do time.
Apenas em 2011, a Fifa registrou mais de 5 mil vendas e compras de jogadores, com uma movimentação de US$ 2,3 bilhões. Mas isso, segundo a entidade, seria apenas parte da história e quatro de cada 10 dólares negociados nunca aparecem nas contas oficiais.
A entidade vem se lançando em um esforço para registrar eletronicamente todos os contratos de venda de jogadores, exigindo que clubes e agentes revelem o valor real da transação, para onde foi enviado o dinheiro e quem o recebeu.
Mas, neste esforço, a Fifa está descobrindo que os atores que comandam um dos negócios mais lucrativos do mundo são múltiplos e difusos.
A tentativa da Fifa é a de forçar clubes e agentes a "colocar sobre a mesa" o real valor das transferências, o que facilitaria o combate à lavagem de dinheiro e evasão fiscal. Mas os técnicos da entidade admitem que o desafio tem sido grande.
A Fifa não é a única a identificar que o submundo do futebol movimenta bilhões de dólares. Segundo estudo da Comissão Europeia, em apenas 15 anos as comissões geradas pela venda de jogadores aumentaram em 744%.
Em 2011, em plena crise mundial, clubes gastaram 3 bilhões de euros na compra de craques, mais de cem vezes o que o basquete mundial destina às transferências. Em 15 anos, a expansão foi de quase 10 vezes.
Em 2002, o brasileiro Ronaldo batia o recorde e passava a ser o jogador mais caro do mundo, vendido por 42 milhões de euros ao Real Madrid. Menos de 10 anos depois, Kaká e Cristiano Ronaldo seriam vendidos cada um deles por mais de duas vezes o preço de Ronaldo.
A Comissão Europeia vai estudar a abolição de fundos que atuariam como intermediários no futebol e alerta que o sistema está permitindo com que uma transferência de um jogador não ocorra com base em motivos esportivos, mas simplesmente para gerar lucros, já que o fundo apenas ganha quando uma venda é realizada.
"Isso, em outro segmento da economia, seria chamado de especulação", apontou a Comissão.
LAVAGEM DE DINHEIRO - Um recente levantamento feito por técnicos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) confirmou que o futebol se tornou nos últimos anos em um dos palcos preferidos para a corrupção, lavagem de dinheiro e evasão fiscal.
"Os clubes de futebol são vistos por criminosos como veículos perfeitos para a lavagem de dinheiro", alertaram os investigadores. "A lavagem de dinheiro no futebol se revela como sendo mais profunda e mais complexa que se pensava antes", avisou o Grupo de Ação Financeira da OCDE.
Com sede em Paris, o grupo enviou questionários a governos e associações de 25 países, entre eles o Brasil. "Há mais que evidências pontuais indicando que há um risco real de lavagem de dinheiro pelo futebol", afirmaram os investigadores. Segundo o grupo, mais de 20 casos de lavagem de dinheiro foram detectados apenas nesses países em um ano.
A facilidade no uso do futebol para aplicar crimes financeiros seria resultado de quatro fatores: a falta de profissionalismo em muitos clubes, o acesso de qualquer agente à administração do futebol, estruturas complexas de comando de clubes e uma total internacionalização do esporte.
O mecanismo mais comum é o de usar o futebol para integrar no sistema financeiro dinheiro de origem duvidosa e mesmo de corrupção.