Pontes: o ministro é visto com certa simpatia, com a ressalva de que o ministro não é nem pesquisador nem cientista (Kennedy Space Center/Divulgação)
Clara Cerioni
Publicado em 23 de março de 2019 às 08h00.
Última atualização em 23 de março de 2019 às 08h00.
Entre colegas que dizem ter pós-graduação em prestigiosa universidade americana sem tê-la de fato e aqueles que juram que a terra é plana, o novo ministro da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), o astronauta Marcos Pontes, até que não se sai tão mal.
A maior parte dos membros da comunidade científica ouvidos pela Pública o vê com certa simpatia, com a ressalva de que o ministro não é nem pesquisador nem cientista.
Num primeiro momento, a maioria aprova as ideias que ele diz querer colocar em prática enquanto estiver no cargo. Em contrapartida, não tem tanta certeza se o novo titular do MCTIC conseguirá concretizá-las.
Nascido em Bauru, no interior de São Paulo, em 11 de março de 1963, Pontes ingressou na Academia da Força Aérea Brasileira (FAB) em 1981 e, em 1989, no curso de engenharia aeronáutica no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
Hoje, ele é tenente-coronel aviador da reserva. De acordo com sua biografia resumida no site do MCTIC, o novo ministro foi membro da turma de 1998 de astronautas da Nasa e é o único brasileiro a ter ido ao espaço.
Pontes participou da Missão Centenário em 2006, resultado de uma parceria entre as agências espaciais do Brasil e da Rússia, “trabalhando 10 dias na Estação Internacional Espacial como Especialista de Missão, responsável pela manutenção dos sistemas da espaçonave e pela execução de pesquisas científicas escolhidas pela Academia Brasileira de Ciências (ABC)”.
As avaliações sobre Pontes, pessoalmente e de suas credenciais para o cargo, vão da aprovação às reticências e dúvidas. “Ele é visto com otimismo e esperança por um lado e com ceticismo por outro”, resume o biólogo Paulo Câmara, da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador do Missouri Botanical Garden (MBG), dos Estados Unidos.
“O novo ministro certamente não é um pesquisador nem um cientista e não atua na área, mas conhece esse mundo (melhor que ministros anteriores).”
A sua falta de articulação política para influenciar governo e Congresso a aprovarem medidas que beneficiem a ciência, no entanto, preocupa. “Estou certo que boa vontade ele tem, desejo de acertar também, mas temos que aguardar”, acrescenta Câmara.
Entre os mais otimistas com o novo ministro está o glaciólogo Jefferson Cardia Simões, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e vice-presidente do Scientific Committee on Antarctic Research (SCAR), órgão máximo da pesquisa antártica internacional.
“Creio que foi uma ótima escolha”, avalia. “Ele tem muito bom treinamento na área de tecnologia e a equipe dele está muito bem montada.”
Para o pesquisador Marcos Cardoso Langer, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (USP), a escolha de Pontes para o cargo foi boa, mas nem tanto.
“É melhor do que a nomeação de mais um político sem nenhuma afinidade com o tema para preencher a cota de algum partido, como tem sido o caso dos ‘patinhos feios’ da esplanada como o MCTIC, mas ainda assim é um factoide”, diz ele, que foi presidente da Sociedade Brasileira de Paleontologia de 2013 a 2017.
Na sua opinião, o novo ministro foi escolhido por ser figura conhecida e pela ligação que a população em geral vê entre ciência e a atividade de astronauta. “Apesar de Marcos Pontes possuir formação acadêmica, melhor seria alguém ligado às políticas públicas sobre ciência e tecnologia”, acredita.
“Acho que a comunidade científica o vê como um franco-atirador, um outsider. Mas, dada a devastação do terreno, acho que também o enxerga com alguma expectativa.”
O físico Ennio Candotti, que foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) por quatro mandatos (1989-1991, 1991-1993, 2003-2005 e 2005-2007), por sua vez, joga no time dos desconfiados. “Desconheço o currículo político-científico do nome indicado”, desdenha.
“Tenho notícias de que participou de uma expedição espacial e recebeu treinamento específico para isso. Vejo-o com a desconfiança com que vemos o novo governo e as desvairadas manifestações de seus ministros de Educação, Relações Exteriores que podem comprometer a necessária cooperação científica internacional, os direitos humanos e trabalhistas.”
Procurada pela reportagem, a atual diretoria da SBPC, incluindo seu presidente, Ildeu Moreira, não quis se manifestar sobre o novo ministro e suas propostas. Por e-mail, o secretário-geral da entidade, Paulo Roberto Petersen Hofmann, informou que estava agendada uma reunião da SBPC, ABC e diversas sociedades científicas com o ministro e sua equipe em março, na qual uma série de pontos seria debatida e encaminhada.
O encontro agora foi adiado para abril, no entanto. “Considerando essa reunião e o curto prazo de tempo que o governo teve para tomar decisões na área da CT&I (Ciência, Tecnologia e Inovação), preferimos aguardar um pouco mais para emitir um parecer mais seguro”, explicou. “De qualquer forma, esclareço que manifestações nesse sentido serão sempre feitas por nosso presidente.”
Assim como seus antecessores, Pontes vai estar à frente de um ministério que praticamente nunca esteve entre as prioridades dos governos brasileiros, desde sua criação em 15 de março de 1985, com redemocratização do país, depois de 21 anos de ditadura.
Ao longo de existência, principalmente na primeira década de vida, o órgão teve altos e baixos – mais baixos que altos. Em apenas sete anos, por exemplo, ele foi extinto e recriado, rebaixado ao status de secretaria e fundido com outro ministério até retornar à condição inicial.
Em janeiro de 1989 houve a primeira mudança, com sua fusão com o Ministério da Indústria e Comércio, que deu origem ao Ministério do Desenvolvimento Industrial, Ciência e Tecnologia.
Dois meses depois, nova alteração com as duas pastas sendo separadas e a criação da Secretaria Especial da Ciência e Tecnologia, um rebaixamento, e do Ministério do Desenvolvimento da Indústria e do Comércio. Ainda no mesmo ano, no entanto, em novembro, a secretaria foi extinta e o Ministério da Ciência e Tecnologia, recriado.
Logo depois de sua posse, em março de 1990, o novo presidente da República, Fernando Collor de Mello, extinguiu novamente o Ministério da Ciência e Tecnologia, criando a Secretaria da Ciência e Tecnologia da Presidência da República.
Para boa parte da comunidade científica, essa mudança representou um novo rebaixamento da área entre as prioridades do governo.
Como se não bastassem todas essas alterações, havia ainda a alta rotatividade dos ministros, o que tinha como consequência mudanças nas políticas para a área a cada troca. No governo Sarney (1985-1990), por exemplo, houve cinco titulares da pasta.
Recentemente, em 12 de maio de 2016, mais uma vez ele foi fundido com outro ministério, no caso o das Comunicações. Mesmo assim, hoje o MCTIC é – ou deveria ser – o principal responsável pelas políticas nacionais nas áreas de ciência, tecnologia e inovação, e hoje também de comunicações, e o indutor e financiador da maior parte das pesquisas realizadas no país.
É o encarregado da organização e coordenação dos esforços pelo desenvolvimento científico e tecnológico do Brasil, que antes da sua criação eram realizados por vários órgãos dispersos.
Conforme estabelece o Decreto n. 9.677, de 2 de janeiro de 2019, entre as competências do MCTIC está elaborar e implementar as políticas nacionais de pesquisa científica e tecnológica e de incentivo à inovação; de telecomunicações; radiodifusão; serviços postais; desenvolvimento de informática e automação; biossegurança; espacial e nuclear; além da articulação com os governos dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, com a sociedade civil e com órgãos do governo federal para estabelecimento de diretrizes para o setor.
Para isso, o ministério conta com 17 unidades de pesquisa, três autarquias (Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel; Agência Espacial Brasileira – AEB; e Comissão Nacional de Energia Nuclear – Cnen), uma fundação (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq), três empresas públicas (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada S.A. – Ceitec; Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT; e Financiadora de Estudos e Projetos – Finep) e uma sociedade de economia mista (Telecomunicações Brasileiras S.A. – Telebras).
Em suas primeiras declarações à frente do ministério, Pontes disse que pretende pautar nas instituições de ensino públicas de todo o país a temática e o interesse pela produção de conhecimento.
“Esta manifestação sobre a necessidade de promover a divulgação científica e de envolver os jovens brasileiros com a ciência, em especial dentro das escolas, foi muito positiva”, elogia o médico John Fontenele Araújo, do Departamento de Fisiologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), secretário regional da SBPC no seu estado.
O novo ministro declarou também que pretende valorizar as carreiras de produção de conhecimento e motivar os pesquisadores brasileiros a ficar no país. “Esta proposta é essencial, mas eu a vejo como problema para o MCTIC, pois está havendo um movimento contrário por parte do ministro da Educação”, diz Araújo.
“Como a pesquisa científica no Brasil é realizada em sua essência nas universidades públicas, há uma contradição entre as duas agendas [MCTI versus MEC]. Esperamos que a do ministro Marcos Pontes seja a preponderante.”
Entre as promessas de Pontes está, ainda, promover “tecnologias aplicadas” estratégicas, como as relacionadas ao espaço, nuclear, cibersegurança, inteligência artificial, de apoio ao desenvolvimento sustentável e de suporte à produção agrícola. A comunidade científica não tem nada contra essa proposta, mas lembra que ela não deve ser a única.
“É preciso ter cautela”, recomenda o geólogo Carlos Henrique Grohmann de Carvalho, do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (USP), diretor financeiro da Sociedade Brasileira de Geologia (SBG). “Promover as ‘tecnologias aplicadas’ não pode ser feito às custas de cortes em ciência básica. É preciso financiar todas as modalidades de pesquisa.”
Também para Araújo, é preocupante as declarações do ministro valorizando quase que exclusivamente as ciências aplicadas (tecnologia) e engenharias. “Ele não tem falado quase nada sobre as ciências biológicas, da saúde e nem das humanas”, diz.
“Além disso, sua equipe é quase toda formada por pesquisadores da área das engenharias. Apesar disso, esperamos que o novo ministro tenha todo o sucesso, e até este momento ele tem o apoio da comunidade científica.”
Entre os vários itens da agenda do novo ministro, por certo o mais complicado e difícil de resolver será a questão do orçamento, ou seja, os recursos para o fomento das atividades de ciência, tecnologia e inovação. Historicamente, essa tem sido a maior dificuldade enfrentada por todos os ocupantes do cargo.
O Brasil sempre investiu pouco na área, com uma média de 1,46% do Produto Interno Bruto (PIB), entre 2000 e 2016, últimos dados do MCTIC disponíveis. O pico foi 2015, com 1,70%, e o fundo do poço em 2006, quando aplicou apenas 1,27%.
Para comparar, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), no mesmo período a Coreia do Sul investiu uma média de 3,21% do seu PIB, os Estados Unidos, 2,66%, e o Japão, 3,17%.
Pontes ainda não estipulou uma meta de quanto do PIB quer que o Brasil aplique, mas disse que vai tentar resolver o problema do orçamento e do financiamento da ciência, tecnologia e inovação e buscar parcerias com a iniciativa privada.
“Os apoios e acordos com as empresas precisam, no entanto, de regulamentação, com benefícios fiscais a elas, senão ninguém vai apoiar nada”, alerta Carvalho.
De acordo com o médico Erney Felicio Plessmann de Camargo, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, que foi presidente do CNPq entre 2003 e 2007, o grande desafio de Pontes é convencer o setor econômico do governo da importância da ciência básica e seus segmentos aplicados.
“Infelizmente, nessa tarefa, acho que o ministro não poderá contar com o Ministério da Educação nem com o do Exterior, que sempre foram tradicionais aliados da Ciência e Tecnologia”, lamenta. “Mas, ao que tudo indica, poderá contar com o apoio dos cientistas e dos setores tecnológicos das Forças Armadas. Aguardemos.”
Camargo diz que o Brasil atingiu um nível de desenvolvimento científico razoável, mas isso, como em todo o mundo, se apoia nas universidades e instituições de pesquisa.
“Sustenta-se também no correto financiamento dessas instituições e no intenso relacionamento com o resto do mundo científico, desenvolvido ou subdesenvolvido, sem preconceitos políticos”, diz. “Isolacionismo é incompatível com a ciência.
Sob esses aspectos, temo pelo futuro de nossas universidades e de nossas relações com o mundo científico, no que eles que dependem de outros ministérios.”
Para o engenheiro eletricista Marcelo Sampaio de Alencar, da Universidade Federal da Bahia, professor visitante da Royal Economic Society, do Reino Unido, entre os principais desafios do novo ministro está a escassez de recursos.
“As universidades, principais produtores de conhecimento em todas as áreas, precisam ter dinheiro próprio para financiamento de pesquisa e desenvolvimento”, defende.
“A valorização dos professores que atuam em ensino, pesquisa e extensão deve ser priorizada. Os mais experientes devem gerenciar sua própria verba, incluindo as bolsas de seus orientados, como ocorre em países desenvolvidos.”
Para Câmara, da UnB, é fundamental que se veja ciência como investimento, não como despesa. “Sem recursos financeiros ela não pode andar”, diz.
“Sabemos que governos anteriores, ao longo de muitos anos, nunca deram prioridade a essa área. Essa falta de visão tem deixado a C&T no Brasil em situação de penúria. Sem investimentos nada vai acontecer. Vamos ver se o ministro é capaz de conseguir verba para sua pasta.”
Para o reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Marcelo Knobel, ainda é cedo para fazer uma avaliação do novo ministro e da sua atuação à frente do MCTIC.
“Ele assumiu o cargo há menos de dois meses”, justifica. “É difícil avaliar o trabalho de alguém em tão pouco tempo. Ainda não tive a oportunidade de conhecê-lo, mas posso dizer que se trata de uma pessoa com boa formação e experiência – e, creio eu, bem-intencionada. Como reitor de uma das mais importantes universidades de pesquisa do Brasil, torço para que ele tenha êxito em sua gestão.”
De acordo com Knobel, a crise econômica que atinge o país há alguns anos teve consequências graves para o setor de ciência, tecnologia e inovação. O maior desafio, agora, é reavivá-lo, mas isso não depende unicamente do ministro. É preciso primeiro que a economia brasileira volte a crescer de forma consistente.
“A Unicamp vem enfrentando esse período difícil com seriedade e responsabilidade, procurando fazer o melhor uso possível dos recursos que recebe da sociedade por meio do pagamento de impostos”, garante.
“De nossa parte, seguimos dispostos a colaborar com o poder público, seja no nível federal, estadual ou municipal, em ações que visem ao fortalecimento da ciência brasileira e ao desenvolvimento do país de modo geral.”
*Este conteúdo foi publicado originalmente no site da Agência Pública.