FHC: segundo o político, a gestão Temer é uma "pinguela" (frágil e estreita ponte improvisada com troncos) que deve resistir até as eleições de 2018 (foto/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 12 de dezembro de 2016 às 12h37.
Última atualização em 12 de dezembro de 2016 às 17h37.
São Paulo - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo na última quinta-feira, 8, que não pretende se colocar como uma alternativa para ocupar a Presidência da República caso a grave crise política se aprofunde ainda mais neste ou no ano que vem e provoque a interrupção do mandato de Michel Temer.
"Não sou candidato permanente", afirmou FHC.
FHC recebeu a reportagem antes da divulgação pela imprensa, na sexta-feira, 9, de parte das delações premiadas feitas por ex-executivos da empreiteira Odebrecht, que atingem diretamente Temer e o PMDB.
O tucano reconhece que, nos bastidores da política, o nome dele começa a ser cada vez mais apontado como uma alternativa para ocupar o Planalto se o afastamento de Temer vier a ocorrer pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou até pelo mesmo pelo Congresso, em um processo de impeachment.
"Acho que essa hipótese (de ele próprio voltar à Presidência) foi levantada e que ela não é boa para o Brasil".
O sociólogo Fernando Henrique Cardoso, 85 anos, foi presidente por dois mandatos consecutivos, de 1995 a 2002. Ele foi sucedido diretamente por Luiz Inácio Lula da Silva.
Segundo FHC, a gestão Temer é uma "pinguela" (frágil e estreita ponte improvisada com troncos) que deve resistir até as eleições de 2018. "Se a pinguela quebrar, será pior".
O ex-presidente também falou sobre a decisão do Supremo Tribunal Federal que manteve Renan Calheiros (PMDB-AL) no comando do Senado, a despeito dos movimentos de rua que pedem a saída do senador do cargo.
"A rua é importante, mas também tem a lei, tem a institucionalidade, o longo prazo. Num momento de ânimos acirrados como nós estamos, as pessoas não pensam."
Leia a seguir trechos da entrevista:
Quem sairá em pé ao final da Lava Jato?
Eu só sei os que já caíram... Não sabemos o que vai aparecer nas próximas delações. Mas a questão não é só aparecer na Lava Jato ou em algum outro processo. Depende de como aparecer, se é citado brevemente, se tem crime real ou não. O decisivo é como a opinião pública vai receber. De que maneira absorverá. Ela sabe separar? Sabe o que é caixa 1, caixa 2, caixa 3, o que é diretamente corrupção? É um trabalho longo, uma interação entre decisões da Justiça e a opinião pública. No começo são só denúncias, depois, tem de ver o que é veracidade, cada um comprometido com o quê. Vai levar algum tempo isso.
Já há apurações dando conta de nomes de líderes do seu partido, o PSDB, que estão na delação da empreiteira Odebrecht.
Pelo que vi até agora, são alegações de dinheiro para campanha. Quem recebeu? Quanto? Foi o candidato? O comitê? Um intermediário? Tem que separar, examinar. Por enquanto, não dá pra dizer que as pessoas praticaram um crime. É um processo longo. Isso é que leva o Brasil a viver essa angústia em relação aos políticos. Não é o PSDB, que é dos menos atingidos.
No episódio STF/Renan, o sr. aprova a solução encontrada? Até onde o interesse do bem comum justifica ceder aos maus costumes?
Não sei se houve arranjo. Vi hoje (quinta-feira) numa manchete que eu tinha participado das negociações... Não fiz nada! É natural que o Planalto tenha ponderado as suas razões. Mas pessoas que são parte do Supremo não vão fazer um arranjo. Pode haver uma outra consideração. Dada a fragilidade econômica e constitucional, o risco vale a pena?
Mas há um limite a partir do qual se possa estabelecer que não vale a pena ceder? Seria o caso? Ou, no caso, quem errou, o STF ou Marco Aurélio?
Acho que vários erraram. Ou que, diante das circunstâncias, tiveram posições que não são razoáveis. Por quê? Qual o problema maior que estava em jogo? Pode um ministro do Supremo derrubar um presidente de outro poder? E também: pode o outro poder manter alguém que é réu? Não é tão simples assim.
Pode até haver problemas com a liminar. Há ministros alegando que tecnicamente a liminar não se sustentava...
Sim, porque não podia ser monocrática. Mas tem essa questão de fundo. Em tese, o Tribunal pode decidir como achar. Mas as consequências do que ele decidiu têm de passar pelo Senado. Veja, quando a Câmara, o próprio Senado, tem um comando que é réu, cabe a ele mesmo tomar providências. Mesmo já tendo saído da linha sucessória presidencial, dizer: "Você não tem condições pra continuar dirigindo os trabalhos." Quanto à questão de quem errou ou não errou: o ministro Marco Aurélio tem o direito de opinar, como quiser.Ele resolveu que réu não entra na linha sucessória. Mas o Senado devia se perguntar, e o próprio presidente: "nestas condições eu posso exercer?" Enfim, numa condição normal seria isso.
E as ruas, presidente?
Para as ruas, o entendimento é que foi ótimo ter derrubado o Renan.
Mas como esse episódio impacta as ruas?
Impacta mal. Mas quem é juiz não pode ouvir só a rua. A rua é importante, mas também tem a lei, tem a institucionalidade, o longo prazo. Num momento de ânimos acirrados, como nós estamos, as pessoas não pensam.
O sr. teme em algum momento pela democracia? Acha que ela está ameaçada?
Esse processo todo, na verdade, tem demonstrado que os poderes estão funcionando. Primeiro, uma coisa que eu já disse, e vou repetir. Há 30 anos, estaríamos nessa altura discutindo "qual era o general". E nós estamos discutindo "qual o nome do ministro do Supremo Tribunal Federal".
O sr. tem dito que falta um "road map" para a economia. Não falta um também para a política? E eles deveriam andar juntos, pra se atravessar 2017?
É o que eu tenho dito e que foi mal compreendido. Nós estamos atravessando uma pinguela.
É, o presidente Temer não gostou muito dessa comparação...
Ele gostar ou não gostar, não me importa. Mas não vou mudar de opinião só por isso. Por quê? Porque estou dizendo que a nossa situação é estreita. Qualquer que seja o presidente, a situação é a mesma. É uma pinguela. Então, vamos criar condições para atravessar essa pinguela. Segunda afirmação que eu tenho feito: se a pinguela quebrar é pior. Porque você cai na água. Precisa de um road map.
Não param de surgir informações de que o sr. poderia voltar à Presidência, no meio desta grave crise, por meio até de eleição indireta no ano que vem. Qual a sua posição diante dessa possibilidade de voltar à Presidência?
Minha posição é a seguinte: transformar a pinguela em ponte, aumentando a confiança e apoiando as medidas que o governo tomar e que sejam acertadas. E por quê? Porque qualquer pessoa que seja indicada pelo Congresso, que força terá para fazer as coisas que tem de ser feitas?
O sr. não volta então?
Não.
Mas depende muito da pessoa. Pode ser alguém que tenha respaldo social, maior capacidade de negociação...
Seria um sintoma de que as coisas se desorganizaram tanto que será só mais dificuldade. Eu não torço por mais dificuldade, eu torço e atuo no sentido de fortalecer a passagem, reitero o que estava dizendo. Qualquer especulação sobre o desastre, e que, eventualmente, eu possa ser presidente, só vai atrapalhar. Vai diminuir a confiança. E eu não sou dessa posição. Ouvi outro dia o presidente Lula disse que eu estou trabalhando para ser presidente,.. É porque ele não me conhece.
Sarney também teria dito...
O Sarney me conhece bem, deve saber mais do que o Lula. Ele é um ano mais velho do que eu, ele sabe o que a idade acarreta. Portanto, não creio que o Sarney diga a sério. E o Lula está fazendo apenas um jogo de palavras. Imaginar que eu seja candidato permanente. Ele é que é candidato permanente, Eu não sou. Eu sou preocupado com o Brasil. Acho que essa hipótese foi levantada e que ela não é boa para o Brasil. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.