Para o economista Felipe Salto, é possível "crescimento real" das despesas atrelado a uma meta de trajetória da dívida (Pedro França/Agência Senado/Flickr)
Luciano Pádua
Publicado em 20 de dezembro de 2022 às 15h42.
Última atualização em 20 de dezembro de 2022 às 17h07.
O secretário de Fazenda de São Paulo, Felipe Salto, se notabilizou nos últimos anos como um dos maiores especialistas em contas públicas no país. Por anos, esteve à frente da Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão ligado ao Senado, e mobilizou as críticas ao descontrole dos gastos que perpassam governos desde a última década.
Em entrevista à EXAME, Salto avalia que é hora de "virar a página da questão fiscal" e adotar um novo arcabouço, "civilizado", com base na literatura internacional e nos erros e acertos dos governos desde 1988. "Aí, sim, podemos discutir o que realmente importa: o desenvolvimento econômico, o crescimento, a agenda de infraestrutura, entre outros", diz.
Para o secretário paulista, que assumiu o cargo em maio deste ano após saída de Henrique Meirelles do comando da pasta, a necessidade de gastos extras da União já estava colocada há meses por causa do aumento do Auxílio Brasil e outras despesas não contempladas no Orçamento. Nos últimos anos, o teto de gastos, cujos méritos ele reconhece, se tornou uma regra sem credibilidade — e já foi estourando em quase R$ 800 bilhões. Em sua análise, o problema do teto está no desenho, que não permite flexibilidade.
"O que aconteceu nos últimos anos do governo Bolsonaro? Houve uma série de mudanças na Constituição para que o teto pudesse ser observado. Na verdade, para o teto ser modificado para gastar mais. Na minha conta, de 2019 para cá, pelo menos R$ 790 bilhões acima do teto", afirma.
O economista acredita ser necessário "combinar o controle do gasto com o lado da receita, e vincular isso à dívida pública". Trata-se da proposta de uma "dívida tendencial", ideia que ele tem defendido. "A ideia que apresentei ao vice-presidente Geraldo Alckmin era justamente a de colocar, por meio de uma PEC, uma trajetória para a dívida pública que seria apresentada na lei orçamentária anual e, para cumprir essa trajetória, teria de apresentar uma meta de resultado primário condizente com essa trajetória", diz.
Cotado para integrar a equipe do ministro da Fazenda anunciado Fernando Haddad, Salto diz que, até o momento, suas contribuições acontecem a "título de contribuição intelectual". Mas o entusiasmo com a futura gestão do petista chama a atenção. "A gestão de Haddad na prefeitura de São Paulo conseguiu reduzir fortemente a dívida em relação à receita. Olhando para esse histórico, e vendo que já foram anunciados nomes como o Gabriel Galípolo e o Bernard Appy é sinal de que poderá haver uma boa política econômica", afirma.
Uma das possibilidades para readequar a questão fiscal está na reforma tributária, mais especificamente na revisão dos benefícios tributários. "A escalação do Appy para cuidar desse tema é muito boa. A reforma tributária é muito boa, porque uma simplificação, principalmente a concessão de benefícios fiscais, um tema com o qual lidamos em São Paulo, seria muito positiva para gerar crescimento econômico", diz.
De saída da gestão tucana paulista, Salto enaltece a robustez fiscal do estado, que terá neste ano a menor dívida da história, 112% da receita corrente líquida, segundo as contas do secretário. "Se olharmos o investimento, por exemplo, foram R$ 50 bilhões de investimento em 2021 e 2022. É mais do que a União está investindo, uma marca impressionante", afirma. "Estamos deixando na garagem uma Ferrari cheia de combustível [risos]. Tem de ver se ela será bem pilotada. Tudo indica que será."
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Leia a íntegra da entrevista com o secretário da Fazenda de São Paulo, Felipe Salto:
EXAME – Há anos o debate econômico tem focado essencialmente na questão fiscal, como uma eterna bomba a ser desativada. O que precisa ser feito?
Salto – Temos de virar essa página da questão fiscal fazendo a lição de casa rápido. Adotar um novo arcabouço fiscal, que seja civilizado, de acordo com as regras previstas na vasta literatura sobre o tema e de acordo com o aprendizado com os erros e acertos dos governos desde 1988, resgatando o espírito da Constituinte, que já previa o controle sobre o Executivo. Aí, sim, podemos discutir o que realmente importa: o desenvolvimento econômico, o crescimento, a agenda de infraestrutura, entre outros.
Há possibilidade de nos próximos meses termos um arcabouço fiscal mais azeitado ou o senhor avalia que deve ficar para o último momento?
Dependerá, primeiramente, da formação da equipe. Agora que o ministro Haddad foi anunciado, ele já deu declarações boas, a meu ver, de que pensará num arcabouço fiscal novo. É preciso esperar porque isso não se faz da noite para o dia. Se fizer, será o mesmo erro dos formuladores do teto, fizeram uma regra malfeita.
A ordem do dia é a PEC da Transição, que traz oportunidade para redesenhar esse arcabouço. Como o senhor está avaliando?
São duas discussões. Primeiramente, a necessidade de ter gastos extras já estava colocada desde alguns meses atrás porque foi aumentado o benefício social [o Auxílio Brasil], tinha uma série de gastos não contemplados no Orçamento. Não vejo com excessiva preocupação essa PEC da Transição como tem sido chamada. Acho que é preciso ter, como o ministro Fernando Haddad já anunciou que vai ter, um desenho de uma nova regra fiscal ou aprimoramento das regras que estão aí. Isso é fundamental para que a credibilidade seja resgatada.
Como seria esse desenho? O país já conta com regras reconhecidas, como a LRF. O que aconteceu para que ela perdesse sua eficácia na prática no controle dos gastos?
A LRF, que completou 22 anos, é muito bem-feita. Mas é uma lei complementar. O teto de gastos está na Constituição. Então, o que aconteceu nos últimos anos do governo Bolsonaro? Houve uma série de mudanças na Constituição para que o teto pudesse ser observado. Na verdade, para o teto ser modificado para gastar mais. Na minha conta, de 2019 para cá, pelo menos R$ 790 bilhões acima do teto. Isso é muito ruim, e não necessariamente por causa do gasto adicional. Mas em razão da regra fiscal não ser crível, porque precisa ficar mudando a todo momento.
Na prática, o teto de gastos já não existe mais...
Na verdade, quem acabou com o teto chama-se Paulo Guedes. E agora precisa ser reconstruído. Acho que a ideia do teto é importante. A emenda constitucional 95, lá em 2016, tinha uma premissa de que era preciso controlar a despesa — e isso continua válido. Agora, tem de combinar o controle do gasto com o lado da receita, e vincular isso à dívida pública. Não é que você terá um limite de dívida que não pode ser extrapolado se não paralisa o Estado. Tem de ser um limite tendencial para a dívida pública, combinado com o teto de gastos que permita o crescimento da despesa acima da inflação — porém controlado — e uma meta de resultado primário para incorporar o lado da receita, como inclusive a LRF previa. Isso pode ser feito por meio de uma lei complementar ou por meio de PEC.
O senhor tem falado bastante sobre o limite tendencial. Na prática, o que seria esse instrumento?
A dívida pública terminará este ano em 74,5% do PIB, pelas projeções da Instituição Fiscal Independente (IFI) — e o mercado tem números parecidos. O que vai acontecer é que se o Allan Greenspawn [ex-presidente do Banco Central americano] fosse presidente do Banco Central ou ministro da Fazenda no ano que vem em lugar do Haddad mesmo assim a dívida cresceria. Isso é um dado da realidade, porque a taxa de juros está tão alta que seria necessário um crescimento econômico igualmente alto para que a dívida não crescesse no ano que vem. A taxa real de juro está em 8%. Com esse patamar e um crescimento econômico de 1% — o que provavelmente será o de 2023 —, seria necessário um superávit primário muito alto para poder estabilizar essa dívida. Então, ela vai crescer no ano que vem. A questão é que cresça o mínimo possível. E mais do que isso: ter um horizonte até 2025 que, mesmo a dívida crescendo, estabilize a dívida e comece a diminuir.
A ideia que apresentei ao vice-presidente Geraldo Alckmin era justamente a de colocar, por meio de uma PEC, uma trajetória para a dívida pública que seria apresentada na lei orçamentária anual e, para cumprir essa trajetória, teria de apresentar uma meta de resultado primário condizente com essa trajetória. Na verdade, essa já é a lógica da LRF só que de uns dez anos para cá a meta de resultado primário acabou virando uma ficção. Virou uma conta de chegada: você coloca na LDO e na LOA a meta de superávit primário que é possível fazer — e não a que é necessária. Veio o teto de gastos para tentar corrigir isso. Acho que o teto teve alguns méritos, por exemplo, ajudar a controlar as expectativas, reduzir o custo da dívida. Mas tinha problemas sérios de desenho. Não tem flexibilidade como a literatura preconiza. Regra fiscal boa tem de ser cumprível. Simples. E tem de levar à austeridade fiscal permanente. Então, resgatar esse espírito da LRF e fixar essa meta de primário de acordo com a trajetória que se deseja para a dívida pública, mostrar isso para o mercado com clareza e combinado com uma meta para os gastos que não sejam apenas a inflação, mas a inflação e algum crescimento real, como a média da taxa de crescimento econômico dos últimos cinco anos ou percentual dessa média.
Quando o teto de gastos foi criado, parte do raciocínio era que o Congresso faria escolhas para alocar o orçamento em prioridades. Na prática, acabou não acontecendo. Como é possível pensar na eficiência da alocação de recursos?
Colocou-se uma regra, o teto de gastos, que é extremamente rigorosa, mas faltou combinar com os russos. Na verdade, faltou combinar com a sociedade inteira, com o Congresso e o próprio Poder Executivo. A Constituição de 1988 não prevê que o Estado vai ser mínimo ou com tamanho reduzido, como alguns desejam, mas o teto de gastos, sim, prevê uma redução do tamanho do Estado. Isso não foi aceito. Na verdade, a única reforma que se aprovou foi a da Previdência, que já estava encaminhada, e isso não foi suficiente para levar ao ajuste que o teto prometia. Nem acho que aquele tamanho de ajuste [do teto] seria o necessário. Temos de ter uma combinação de medidas que entenda: as diretrizes da Constituição demandam gasto elevado, mas precisamos ter gasto eficiente, cortar o gasto excessivo e, especialmente, controlar o crescimento desse gasto. Para isso, não preciso ter um crescimento da despesa só pela inflação. Posso ter um crescimento real. Se for um pouco inferior ao do PIB por algum tempo, isso já ajuda porque controla as pressões em relação à capacidade de geração de renda e riqueza. Do lado da receita, tem muitas tarefas para serem feitas, por exemplo, a revisão do gasto tributário [as renúncias fiscais de receitas].
Aproveitando esse tema, hoje temos quase 4% do PIB comprometido com as renúncias fiscais, verba que poderia ser direcionada a outros propósitos. A própria PEC Emergencial previa uma diminuição desses gastos tributários sem, porém, regulamentar como isso aconteceria ao longo do tempo...
O teto foi uma ideia que foi pouco discutida, por isso os problemas que depois que tiveram de ser corrigidos por uma série de PECs — e que não foram corrigidos. A chamada PEC Emergencial, que redundou na emenda constitucional 109, deveria ter corrigido esse problema, resolvendo a questão do acionamento dos gatilhos. O teto, como qualquer regra fiscal, precisa ter uma válvula de escape. Quando a PEC Emergencial foi discutida, isso não avançou. Criou-se uma nova regra, que tem a ver com tamanho da despesa corrente em relação à receita corrente, e que é malfeita. Remendou-se o teto, e ele ficou ainda pior. Por isso que estamos numa situação em que o atual governo teve de fazer as emendas 113 e 114, duas emendas dos precatórios.
Como se corrige? Ou se faz uma nova PEC, colocando as regras fiscais todas na Constituição da forma como estou propondo, ou desconstitucionaliza e resolve por lei complementar. Esses dois caminhos são viáveis, com vantagens e desvantagens. O fato de estar na Constituição é que, em tese, seria mais difícil de mudar. Mas justamente isso pode ser um entrave porque, quando você precisa fazer ajustes, como aconteceu nos últimos quatro anos, você fica na mão do Congresso. Uma vantagem da PEC é não ser sancionada pelo presidente da República, mas promulgada. A lei complementar tem de ser sancionada. Mas isso são detalhes. O principal é mostrar para o mercado que o governo será capaz de uma política fiscal responsável.
O senhor foi cogitado em muitos momentos para integrar uma equipe do Ministério da Fazenda. Recebeu algum convite do ministro Haddad?
Quem tem me procurado é o vice-presidente Geraldo Alckmin e tenho falado dessas ideias para ele e feito análises a pedido dele. Também tenho conversado com o Gabriel Galípolo, que conheço há muito tempo. Mas isso é a título de contribuição intelectual, pois estudo o tema há muito tempo.
Retornando à questão de constitucionalizar ou não esse arcabouço fiscal, por que o senhor defende que o orçamento esteja na Carta Magna?
A nossa Constituição é muito detalhista, e como já existe essa prática desde o teto dos gastos de explicitar a regra fiscal lá, talvez seja melhor manter dessa maneira. Mas não acho que seria ruim um modelo como o que o Pérsio Arida chegou a propor de desconstitucionalizar as regras fiscais e fazer tudo por lei complementar. É uma possibilidade também. O principal é: qual vai ser a regra? Como vai funcionar? Em quanto a dívida vai estar em dois ou três anos? Quais vão ser as medidas para fazer essa dívida estabilizar?
Dando um passo atrás, por que a trajetória da dívida é o principal assunto quando se discute a questão fiscal?
Dívida é uma coisa boa, desde que você seja um bom pagador. O Estado só existe porque pode tomar emprestado das pessoas, das famílias, das empresas, das instituições financeiras e dos estrangeiros para poder financiar a política pública. Se não, ele teria de ter uma carga tributária muito maior do que a que já tem. Então, a combinação da carga tributária com a dívida é, na verdade, o objetivo final da política fiscal. Quando o mercado, que é quem tem poupança para financiar o Estado, percebe que o governo não vai pagar ou que está tendo geração de riqueza muito baixa para fazer frentes aos compromissos que assume na dívida, ele cobra mais caro para emprestar. Quando cobra mais caro, significa um juro mais alto, compromete-se mais e mais recursos para pagar juros ao mercado — e vai deixando de ter espaço para fazer política pública. Então, por isso que é fundamental dizer: 'o Estado tem todas as condições de solvência, vai ter crescimento econômico para ter receita para pagar esses compromissos'. Por isso, a dívida é sempre o objetivo final. Tem de se buscar uma regra fiscal que justamente preveja essa possibilidade de alcançar essas condições de sustentabilidade da dívida.
Chama a atenção nessa transição de governo que toda a discussão esteja pautada no aumento dos gastos, e não se fale, até aqui, em corte de gastos. Qual o espaço para rearranjar gastos com reformas?
A escolha do Bernard Appy para comandar a reforma tributária é muito positiva. Já há um certo amadurecimento desses assuntos. Agora é preciso negociar com os setores de serviços e indústria e o Congresso. Os governadores e prefeitos também têm muita apreensão de como será o 'day after' da aprovação de uma reforma tributária. A escalação do Appy para cuidar desse tema é muito boa. A reforma tributária é muito boa, porque uma simplificação, principalmente a concessão de benefícios fiscais, um tema que em São Paulo lidamos, seria muito positiva para gerar crescimento econômico.
O senhor está deixando, ao final do ano, a Secretaria de Fazenda de São Paulo. O que fica desse período à frente da maior economia do país?
Em São Paulo, vamos deixar a menor dívida da história, 112% da receita corrente líquida. Isso tem de ser destacado. Fiz um levantamento que passei ao governador Rodrigo Garcia mostrando que os governos do PSDB, desde o governo Mário Covas, deixam uma herança bendita. Se pegarmos qualquer estado, ou mesmo a situação da União, nenhuma situação é tão boa quanto a que estamos deixando. Não é só mérito nosso, é também das outras gestões. É uma responsabilidade fiscal permanente, uma marca do PSDB. Não se trata de ser responsabilidade fiscal por ela mesma, é uma combinação de responsabilidade fiscal e social. Se olharmos o investimento, por exemplo, foram R$ 50 bilhões de investimento em 2021 e 2022. É mais do que a União está investindo, uma marca impressionante. O próximo governo terá no pipeline uma possibilidade de aumentar em até 40% a malha metroferroviária com tudo que já está programado.
Como está a transição?
Recebi o secretário anunciado, Samuel Kinoshita, e foi uma boa conversa. Passei para ele todos os pontos críticos. Por exemplo a negociação que estamos travando no STF para a questão do ICMS [redução das alíquotas para combustíveis], os desafios em termos orçamentários e fiscais para o ano que vem. Conseguimos um acordo no Supremo, votado no plenário, e fui representante da região Sudeste no grupo [de representantes de estados que negociam as perdas com a União]. Agora, temos uma compensação da perda do ICMS de combustíveis e de energia que vem sendo feita com base numa decisão cautelar do ministro Alexandre de Moraes a partir de uma ação nossa, da Secretaria da Fazenda, e da Procuradoria-Geral do estado, em que temos conseguido R$ 1 bilhão por mês de compensação via redução da dívida [de São Paulo com a União]. Reduz o pagamento da dívida a título de compensação desses prejuízos do ICMS.
Outros estados estão aumentando alíquotas do ICMS em diversos produtos, e alguns aumentando a carga tributária do agronegócio...
Entreguei um balanço de quase 200 páginas para a equipe de transição, além de um documento mais detalhado, com 1,5 mil páginas, que organizamos em um software chamado Miro e permitirá ao novo secretário olhar cada setor da Secretaria da Fazenda para ver quais os avanços e ver o que precisa ser feito. Por exemplo, organizamos os benefícios tributários. O Tribunal de Contas do Estado estava muito no nosso pé, com razão. Fizemos uma resolução (consulte aqui) que estabeleceu todos os procedimentos para a concessão desses benefícios fiscais, dando transparência portanto. Uma nova resolução (consulte aqui) instituiu uma assistência de benefícios tributários ligada à Controladoria para produzir informações que ajudarão no controle da administração e dessa atividade que acabou ficando tão importante por causa da guerra fiscal.
O próximo governador, então, terá em mãos uma administração organizada?
Estamos deixando na garagem uma Ferrari cheia de combustível [risos]. Tem de ver se ela será bem pilotada. Tudo indica que será.
São Paulo fez recentemente uma reforma administrativa. Como ela poderia servir de exemplo para o governo federal?
Precisamos mudar um pouco a lógica dessa questão de planejamento e orçamento. Não adianta só pensar numa reforma que vá reduzir gasto. Isso foi feito nesse governo atual, de Bolsonaro. Eles congelaram o salário e fizeram alguma economia na despesa de pessoal. Só que não é sustentável, porque medidas como essa acabam prejudicando carreiras que deveriam ser valorizadas, deixa de se discutir questões de eficiência. Então, precisa haver uma reforma do RH do setor público, e vale para todos os entes, principalmente para a União. Em 1997, com o Ministério de Administração e Reforma do Estado, o ex-ministro Bresser Pereira, no governo FHC, comandou uma reforma importante, do Estado, que ficou pela metade e precisa ser retomada. De lá para cá, há uma série de avanços na literatura e nas recomendações de policy do FMI, do Banco Mundial e do BID que podem ajudar. Dois mecanismos, por exemplo, que poderiam ser adotados: as spending reviews, revisões periódicas da despesa, e o plano fiscal de médio prazo, porque o orçamento atualmente é feito de hoje para amanhã. Isso é muito ruim. Temos de discutir quais são as prioridades de infraestrutura, para onde o Brasil quer caminhar nos próximos anos em termos de investimentos, de gastos sociais. Aí, sim, discutir a política de pessoal a partir dessas necessidades.
As mensagens iniciais do novo governo não parecem promissores sobre redução de despesas. Podemos esperar alguma contenção dos gastos?
Confesso que sou mais otimista. A gestão de Haddad na prefeitura de São Paulo conseguiu reduzir fortemente a dívida em relação à receita. Houve, naquele período, a renegociação das dívidas dos estados com a União, que ajudou a todos, mas especialmente São Paulo. A negociação é mérito dele. Também estruturou a controladoria-geral do município, que conseguiu desbaratar a máfia do ISS. Essas coisas têm de ser destacadas. Há um preconceito do mercado com os governos do PT, mas se olharmos o primeiro governo Lula houve manutenção da política econômica e fiscal, com meta de resultado primária, dívida sobre o PIB diminuiu bastante. Olhando para esse histórico, e vendo que já foram anunciados nomes como o Galípolo e o Appy é sinal de que poderá haver uma boa política econômica.
Explorando a relação do município de São Paulo que o senhor citou com a União, qual tem de ser o nível de interação entre estados como São Paulo e a União?
No campo técnico, e até por eu ter passado muitos anos em Brasília, minha relação foi muito positiva. Qualquer estado, maior ou menor, depende de algumas coisas do Tesouro Nacional, da própria Casa Civil, quando se toma algum empréstimo externo tem de passar pelo Senado. Como nossos indicadores são muito bons, o que fiz foi estreitar a nossa relação com o campo técnico e conseguimos muitos avanços. Assinamos, por exemplo, um contrato com o BID de US$ 550 milhões para extensão da Linha-2 Verde do metrô e outro de US$ 89 milhões para o programa Renasce Tietê, de despoluição do rio. Essa é a maior evidência de que com boa articulação, inclusive no campo técnico, as coisas caminham. Agora, a LRF prevê um órgão que se chama Conselho de Gestão Fiscal, que nunca foi tirado do papel. A ideia desse conselho é justamente fazer a harmonização de regras, interlocução entre estados, municípios e União. Isso é urgente, porque na ausência dele quem faz isso é o Tesouro Nacional. Mas o Tesouro tem outras atribuições, como a gestão da dívida, controle do gasto e execução financeira. Além disso, é preciso ter um reforço do pacto federativo. Uma das formas de fazer isso é repensar essa institucionalidade. Hoje só tem o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) formalmente, que existe desde 1975 e sozinho não resolve os problemas.
Essa ideia tem tração em Brasília?
Sim. Há especialistas como o José Roberto Affonso [um dos criadores da LRF] que já defende isso há muito tempo. É uma agenda muito importante que podia avançar.