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Favelas ganharão emissora de TV e streaming independente gratuito

Iniciativa do Sou + Favela em parceria com o G10 Favelas tem expectativa de movimentar uma renda anual de R$ 180 milhões e gerar 3 mil empregos a moradores de comunidades a médio prazo

TV: um dos principais objetivos da nova emissora consiste, também, em criar junto aos anunciantes uma nova linguagem, que converse com o espectador e seja inclusiva. (iStock/Thinkstock)

TV: um dos principais objetivos da nova emissora consiste, também, em criar junto aos anunciantes uma nova linguagem, que converse com o espectador e seja inclusiva. (iStock/Thinkstock)

AO

Agência O Globo

Publicado em 20 de abril de 2022 às 16h17.

'Outro dia estava assistindo TV e vi um comercial onde atores negros vestiam cuecas. Lembrei, então, que nós vestimos cuecas também'. O comentário de Gilson Rodrigues, líder comunitário em Paraisópolis (na Zona Sul de São Paulo) e figura à frente do G10 Favelas — bloco que reúne líderes e empreendedores de impacto social de várias comunidades brasileiras — traduz de forma eficaz e bem humorada a falta de identificação que existe — e sempre existiu — entre o morador da periferia, pobre e majoritariamente negro, e o que é mostrado e ofertado nos canais de televisão. No início do mês que vem, Gilson e o empresário Marx Rodrigues, de 36 anos, executivo da agência publicitária Sou + Favela, darão pontapé inicial num projeto ambicioso que promete dar às favelas uma emissora para chamar de sua, com direito a serviço de streaming — nos moldes do Globoplay e Netflix, por exemplo — e acesso gratuito.

Além de adotar uma nova linguagem que busca dialogar mais diretamente com as favelas, seja nos comerciais ou nas atrações originais que já estão sendo produzidas — que incluem reality shows, dicas de empreendimento e até programas esportivos —, a iniciativa, +Favela TV, conta Marx, também pretende gerar em 2 anos emprego para pelo menos 3 mil pessoas que vivem em comunidades. Já com procura de anunciantes e empresas de vários segmentos interessadas em parcerias, a expectativa, afirmam os idealizadores, é de que a emissora gere uma renda anual de R$ 180 milhões. Apesar do foco no lucro, como em qualquer empreendimento, Marx Rodrigues afirma que parte do dinheiro arrecadado será também destinado a programas sociais já implementados nessas localidades.

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A "primeira rede de TV independente dirigida e criada na favela do país", como eles gostam de ressaltar, deve entrar no ar na primeira semana de maio e poderá ser acessada através de um site, que será divulgado. Na programação, os espectadores poderão assistir a conteúdos originais e produzidos por gente das favelas, sob direção de profissionais também contratados que já desempenharam trabalhos em grandes emissoras e empresas de comunicação. A ideia é de que sejam produzidos conteúdos em mais de 300 favelas em todos os estados brasileiros e o Distrito Federal ao longo do projeto. O estúdio principal, construído em Paraisópolis, já está pronto e ganhou ares inspirados nos telejornais regionais da TV Globo, com fundo panorâmico de vidro. A imagem imponente da favela ajuda a ilustrar com perfeição o objetivo dos criadores.

— Nós sentimos que precisávamos produzir conteúdo da favela, tanto para o morador da favela, quanto para o conhecimento das pessoas de fora. Começamos a viabilizar, montamos o estúdio em Paraisópolis inspirado nos telejornais da TV Globo e o projeto foi ganhando uma dimensão super bacana. Rapidamente, várias empresas e veículos de mídia digital nos procuraram — conta Marx. — Teremos uma comunicação linear, como toda TV, que poderá ser vista pelo site da plataforma, e teremos também conteúdo on demand: com documentários, filmes etc.

O empresário revela que toda a grade de programação já foi pensada e está sendo produzida. Os espectadores vão poder acompanhar de notícias diárias e entrevistas com celebridades a competições culinárias e musicais, por exemplo, no melhor estilo The Voice Brasil — mas, garantem eles, com o DNA da favela.

— Em boa parte da programação das TVs abertas é retratado um mundo que não é o da favela. O mundo da favela aparece no noticiário, onde só se mostram coisas ruins. Mas está acontecendo um movimento inclusivista de empresas, multinacionais, que tem trazido à tona a potência que existe dentro da favela, que sempre foi um polo de artistas, músicos, talentos da moda. O dia-a-dia dessas pessoas, o processo verdadeiro, é algo que nunca foi aprofundado. Queremos abordar isso: "como uma pessoa que para muitos já nasce fadada ao insucesso consegue buscar suas oportunidades" — acrescenta Marx. — Abrindo portas e gerando esse tipo de conteúdo também para fora da favela, a gente encurta esse abismo que existe. Muita coisa forte acontece aqui e precisamos divulgar isso. É incrível como as marcas estão abraçando a ideia.

Um dos principais objetivos da nova emissora consiste, também, em criar junto aos anunciantes uma nova linguagem, que converse com o espectador e seja inclusiva. Marx revela que estudos estão sendo feitos pelo instituto de pesquisa em favelas ligado à sua empresa, e que a abordagem presente nos anúncios veiculados nos comerciais da +Favela TV terão uma abordagem inovadora.

— Hoje, no fim das contas, as empresas têm pesquisas de mercado onde conversam com pessoas em geral, da cidade. Até buscam pessoas com rendas mais baixas, mas não são esses 8% da população brasileira que moram em favela. Não adianta mais colocar nos comerciais até o cachorro como sendo branco e de olho azul. Ele precisa trazer uma linguagem, um conceito diferente. Não dá mais para colocar a madame milionária como sendo um exemplo.

Natural de João Pessoa (PA), o empresário, que não vive em comunidades, viu no ano passado a oportunidade de empreender investindo em comunicação nas favelas brasileiras, quando conheceu Gilson. Desde então, ele já instalou, por exemplo, uma rede Wi-Fi gratuita em 21 comunidades espalhadas pelo país, onde os moradores conseguem ter acesso gratuito à internet rápida. A contrapartida é justamente a publicidade de alguns segundos que precisa ser assistida pelo usuário antes da conexão ser estabelecida. Marx também viu a oportunidade de fazer dinheiro anunciando marcas no interior das comunidades, uma estratégia nova das empresas, que sentiram a necessidade de se aproximar mais desses milhões de consumidores. Ele garante que a economia nas favelas girar R$ 120 bilhões por ano, o que desperta muito interesse dessas marcas. Até o fim desse ano, eles dizem que esperam ter empregado pelo menos 500 moradores de comunidades na TV.

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