Parque Olímpico: segundo morador, não houve negociação no processo, e sim uma imposição sem alternativa para boa parte das famílias (Andre Motta/Heusi Action/Brasil2016.gov.br)
Da Redação
Publicado em 28 de junho de 2016 às 09h35.
Das cerca de 400 famílias que saíram da Vila Autódromo e trocaram suas casas por um apartamento no condomínio Parque Carioca, na Estrada dos Bandeirantes, zona oeste da cidade, pelo menos 120 pretendem entrar com processo contra a prefeitura para receber uma indenização pelos imóveis derrubados.
Os moradores da Vila Autódromo foram removidos para a construção do Parque Olímpico.
Um deles é o eletrotécnico Orlando Santos que não considera justa a negociação feita com a prefeitura.
Segundo ele, não houve negociação no processo, e sim uma imposição sem alternativa para boa parte das famílias que aceitaram o programa do Minha Casa, Minha Vida.
Apesar de as parcelas estarem sendo pagas pela prefeitura, a dívida de R$ 77 mil está no nome dos moradores e há um compromisso de permanecer no imóvel até 2024.
“Estamos pedindo indenização desapropriatória pelas nossas residências porque, com a indenização, iremos decidir se queremos quitar o apartamento ou assumir de fato a dívida. É uma decisão que cabe a nós tomar, e não o município tomar por nós. Da forma como foi feito, é como se eles tivessem nos amordaçando. Eles nos tiraram a possibilidade de decisão, dentro de um estado democrático e nos impondo à força: 'vocês vão ficar ali, nós vamos pegar a sua residência e a dívida vai ficar no seu nome, não é no meu'”.
Orlando afirma que a quitinete em que morava valia pelo menos R$ 250 mil e que outras pessoas chegaram a negociar o valor de R$ 400 mil em um imóvel do mesmo tamanho que o dele.
A cozinheira Maria de Fátima Alves da Silva diz que a “briga” foi longa e que as condições de negociação foram mudadas diversas vezes.
“Antes não falavam nada, só que tinha que sair. Daí falaram que [a indenização] ia ser R$ 20 mil, veio a briga, depois falaram que tinha que ser o apartamento, depois falaram ou apartamento ou dinheiro, depois teve indenização e apartamento. Sempre mudavam o que eles falavam. Teve gente que tinha casa grande, de dois andares e terreno enorme e ganhou só um apartamento de dois quartos, os que vieram depois trocaram uma quitinete por indenização e apartamento de três quartos”.
A dona de casa Sônia Maria da Silva não ficou satisfeita com a troca.
“Perguntaram pra gente se preferia o apartamento ou dinheiro, mas que seria melhor o apartamento porque o dinheiro seria muito pouco. O certo seria ter ganhado um dinheirinho a mais. Teve gente que saiu depois que pegou apartamento de três quartos e dinheiro, e tinha casa só de madeira. A minha era toda na cerâmica e não ganhei nada”.
A prefeitura não comentou as diferenças de valores informados pelos ex-moradores e informou apenas que “aqueles que não aceitaram o apartamento do Parque Carioca puderam optar por indenização”.
Projeto modelo
Antes das remoções começarem, em março de 2014, um grupo de apoiadores elaborou o Plano de Desenvolvimento Urbano, Econômico, Social e Cultural da Vila Autódromo, levando em conta que o local é designado pela Lei Complementar 74/2005 como área de especial de interesse social para fim de moradia.
Participaram do projeto o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ippur/UFRJ) e o Núcleo de Estudos e Projetos Habitacionais e Urbanos da Universidade Federal Fluminense (Nephu/UFF).
A coordenadora do núcleo, Regina Bienenstein, explica que o trabalho foi feito em parceria com os moradores e respeitava as casas existentes.
“Daria para urbanizar e fazer o acesso [aos Jogos Olímpicos]. Nós mantemos a ocupação da orla com o cuidado de manter a faixa marginal de 15 metros na beira da lagoa, então algumas famílias teriam que ser reassentadas. Outra faixa era baixa com condições de alagamento que pioraram com o aterro que fizeram no Rock in Rio. Na nossa proposta, a gente iria refazer aquela quadra mais baixa, aproveitando para aumentar a densidade, com prédios de quatro andares e sobrados, cada família escolheria”.
Segundo a professora, a estimativa de custo para urbanizar o local para 450 famílias era de R$ 13 milhões e os gastos da prefeitura com as remoções e indenizações ultrapassou R$ 200 milhões.
O projeto também contemplava um espaço cultural, uma creche comunitária e um horto aproveitando as árvores existentes.
Moradora da Vila Autódromo há 25 anos, a acupunturista Sandra Maria de Souza é uma das que resistiu até o fim. Ela lembra que o projeto ganhou o primeiro lugar no prêmio internacional de urbanismo Urban Age Award do banco alemão Deutsche Bank, em 2013.
“O projeto é premiado internacionalmente, participou de um concurso com 170 projetos e ficou em primeiro lugar. É um projeto reconhecidamente bom, que supria todas as nossas necessidades de infraestrutura e de moradia com dignidade.”
O defensor João Helvécio lembra que o projeto alternativo foi levado à prefeitura.
“Nunca houve diálogo, a prefeitura nunca respondeu, nunca aceitou discutir a implantação desse plano. A defensoria protocolou, fez todas as gestões para que o plano fosse aplicado. A equipe técnica que ficou responsável pelo acompanhamento do plano, a cada vez que o município derrubava uma casa, construía algo do projeto olímpico ou viário, os técnicos atualizavam a planta, os dados, os números. Foram cinco alterações desde 2012”.
Perguntada sobre o projeto das universidades, a prefeitura do Rio de Janeiro se limitou a dizer que apresentou um plano de urbanização às famílias no último dia 8 de março que consiste em derrubar todas as casas e construir uma vila padronizada.
A prefeitura diz ainda que o projeto foi discutido com as famílias remanescentes e assinado no dia 13 de abril.