Bairro União das Vilas, Uruguaina: A marca da desigualdade no saneamento básico é muito clara (Germano Lüders/Exame)
João Pedro Caleiro
Publicado em 30 de junho de 2020 às 06h00.
Última atualização em 30 de junho de 2020 às 06h28.
Boa notícia: o saneamento básico vem ganhado o seu (merecido) espaço na agenda nacional, em parte devido à aprovação do novo marco regulatório do setor na última quarta-feira (24) pelo Senado Federal.
A lei acaba com a renovação automática dos contratos das cidades com as companhias estaduais, abrindo espaço para a iniciativa privada, o que deve trazer dezenas de bilhões de reais em investimentos nos próximos anos.
Os contratos só poderão ser renovados quando o munícipio tiver atingido certos parâmetros como a distribuição de água para 90% da população e o acesso a esgoto tratado para 60% dos moradores. Hoje, só 6% das cidades atendem esses requisitos, segundo um levantamento do Ministério da Economia.
A situação do saneamento é dramática no Brasil. Hoje, apenas um em cada dois brasileiros têm acesso à coleta e tratamento de esgoto. Mas da mesma forma que em áreas como educação e saúde, o número médio esconde grandes desigualdades regionais.
Dados oficiais levantados por EXAME mostram o tamanho da variação nos dados de população com coleta de esgoto de 2018. Nenhum estado nordestino passa da faixa dos 40%, por exemplo, embora a Bahia chegue perto.
Santa Catarina, um dos estados mais ricos do país, não chega sequer a 30% neste quesito enquanto o vizinho Paraná passa dos 70%, número próximo de Minas Gerais e Paraná.
A mesma situação se repete na questão do acesso à água tratada. Ainda que a média nacional seja bem mais alta, de 83%, há estados como São Paulo e Distrito Federal próximos da universalização enquanto três estados da região Norte (Acre, Pará e Rondônia) não chegam sequer à faixa de 50%.
Tudo isso tem impacto não apenas no bem-estar do cidadão mas também nos resultados de saúde pública. A falta de saneamento tende a agravar a incidência de doenças como hepatite, leptospirose, esquistossomose, diarreias intensas e outras infecções, como mostram os dados do IBGE de internações relacionadas ao saneamento em 2016.
O Maranhão, por exemplo, onde somente 13,8% da população tem esgoto coletado, se destaca pela alta incidência de internações relacionadas ao saneamento: 753 por 100 mil habitantes, mais de 50% superior ao estado na segunda colocação, o Piauí.
O terceiro estado com mais internações por doenças relacionadas ao saneamento, com 484 por 100 mil habitantes, é o Pará, que também se destaca em infraestrutura deficiente.
Lá apenas 5% da população possuía acesso a coleta de esgoto em 2018, e houve piora de mais de 3 pontos percentuais no acesso à água tratada entre 2016 e 2018.
A análise exige cuidados, já que “correlação não implica causalidade”, ou seja, não é porque dois índices seguem a mesma linha que isso significa causa e efeito.
Além disso, os próprios índices estaduais também acabam por esconder as disparidades dentro dos seus territórios.
São Paulo foi o segundo estado com menos registros de internações em 2016, por exemplo, mas em Guarulhos, munícipio com mais de 1,3 milhão de habitantes, apenas 7,4% do esgoto é tratado.
A importância do saneamento também ficou ainda mais escancarada diante da pandemia do novo coronavírus. Em maio, uma pesquisa da Universidade Federal de Pelotas (UFP) nos maiores municípios de cada região do país foi feita para identificar quais tinham maior incidência de casos per capita de coronavírus.
Nos municípios que ocupam o topo do ranking, o abastecimento de água é precário. Essa carência impossibilita a higiene frequente das mãos, uma das medidas mais recomendadas pelos médicos.
Uma coisa é certa: investir em saneamento básico é um ganho também para a economia - tanto no sentido de produtividade quanto de equilíbrio fiscal. Segundo a Organização Mundial de Saúde, cada dólar investido em saneamento significa uma economia de 4,3 dólares na saúde.
(Com Carla Aranha, de EXAME)