Polícia do Rio: delegacias estão sem papel para registrar denúncias ou sem gasolina para patrulhas (Tânia Rêgo/Agência Brasil)
AFP
Publicado em 23 de novembro de 2016 às 11h03.
Última atualização em 15 de junho de 2020 às 14h53.
Aos 82 anos, Maria Thereza Sombra não se lembra de um Rio de Janeiro mais arruinado que o de hoje. Preocupada com as penúrias na delegacia do bairro do Catete, perto de onde mora, convenceu os vizinhos a abastecer o local produtos de todos os tipos - de papel higiênico a câmeras de segurança.
A grave crise do estado do Rio, que em junho decretou estado de calamidade pública pela crise financeira, teve efeitos especialmente dramáticos nos setores da saúde e segurança.
Há hospitais carentes de materiais, funcionários públicos lutando para receber seus salários e delegacias sem papel para registrar denúncias ou sem gasolina para patrulhas.
Além de tudo, os cariocas observam a intensificação da violência e dos tiroteios.
"Se na crise atual que o Rio está passando a polícia fica com pés e mãos atados, o que vai ser de nós? Temos de ajudar aos que têm de nos defender; senão, ninguém poderá sair de casa", argumenta Maria Thereza, professora aposentada e presidente de uma associação de moradores do Flamengo.
Esta idosa elegante sabe que a coleta de produtos é apenas um paliativo para o problema, mas empilha com satisfação em uma mesa da portaria do seu edifício os rolos de papel higiênico, os produtos de limpeza e os pacotes de folhas de papel ofício doados nos últimos dias por moradores dos 35 condomínios que administra.
Assim que recebe as provisões, Maria Thereza as risca da lista que recebe periodicamente da chefe da 9ª Delegacia de Polícia do Rio.
Uma vez, após um roubo no velho edifício policial, a lista incluiu 12 câmeras de vigilância, que foram doadas por um morador que é dono de uma empresa de segurança.
Mas a ajuda espontânea que estes moradores começaram a oferecer em abril passou a ser insuficiente.
No início de novembro, a Polícia Civil do Rio lançou um pedido de socorro a empresários, para garantir a prestação de seus serviços em meio à crise do Estado.
A falência do segundo estado mais rico e populoso do Brasil é tão grave que, no início de novembro, a polícia oficializou esse tipo de doação em um programa batizado como "Juntos com a Polícia".
O objetivo era pedir aos cidadãos e às empresas para receber doações de material de escritório, de limpeza e, inclusive, ajuda para "pequenos reparos" nas instalações policiais ou para coleta de lixo.
A segurança pública é considerada constitucionalmente como responsabilidade do Estado, mas "é um dever de todos".
O plano de auxílio "busca garantir a prestação de um serviço essencial para a sociedade e com a qualidade que o cidadão merece", limitou-se a comentar a Polícia à AFP.
Depois de estourar champanhes e esquecer momentaneamente suas problemas com os Jogos Olímpicos, a realidade bate à porta do Rio.
O estado, que vive principalmente das renda obtida com a exploração do petróleo, tem um buraco avaliado em 17,5 bilhões de reais no orçamento de 2016.
"As Olimpíadas tiveram seu efeito, mas não tanto. A crise chegou antes no Rio por uma falência na arrecadação por cargas salariais de funcionários muito elevadas e, principalmente, pela crise dos preços do petróleo", resume Vilma Pinto, professora da economia da Fundação Getúlio Vargas.
O governador do Rio, Luís Fernando Pezão, apresentou recentemente um duro pacote de cortes e aumento de impostos que está sendo fortemente criticado nas ruas.
Pezão já alertou que dividirá em sete partes o salário de novembro dos funcionários e aposentados públicos e não sabe se poderá pagar o 13º no Natal, mas Maria Thereza e seus vizinhos acham que não lhes resta outra saída a não ser conter os gastos e fazer modestamente parte do trabalho do governo.
E o fazem com revolta, sentindo que estão pagando pato pela corrupção dos ex-governadores do Rio, que foram presos na semana passada.
"Eu, na realidade, pago impostos duas vezes. Pago meus tributos obrigatórios e agora também estou pagando pelos governos ruins que tivemos, mas disso a polícia não tem culpa", lamenta Maria Thereza.