Bolsonaro: falas do presidente já preocupam o Planalto (Adriano Machado/Reuters)
Reuters
Publicado em 1 de agosto de 2019 às 14h05.
São Paulo — A metralhadora de declarações polêmicas, que na avaliação de muitos cruzam o limite do razoável, disparada nas últimas semanas pelo presidente Jair Bolsonaro mistura a forma de ser do presidente, mas também embute uma estratégia de monopolizar a pauta do debate político.
"Isso é parte da personalidade dele, sempre foi, mas eu acho que ele usa muito isso para pautar a mídia com polêmicas. Ele cria as polêmicas, de certa forma soa quase como espontâneo, porque ele sempre foi uma pessoa polêmica, de falar sem muito filtro, e agora na situação em que ele está ele tem usado muito essas declarações polêmicas para pautar a mídia", disse o analista Danilo Gennari, da Distrito Relações Governamentais.
"Cada coisa dessas que ele fala fica dois dias de mídia em torno disso, aí ele vai e cria mais uma", acrescentou.
O presidente causou ultraje e indignação de críticos, ao mesmo tempo que mobilizou a sua base mais fiel, com comentários sobre nordestinos — a quem chamou de "paraíbas" quando achava que não estava sendo gravado —, com questionamentos sobre a existência de fome no país e sobre os dados oficiais de desmatamento da Amazônia e sobre a possibilidade de prisão do jornalista norte-americano Glenn Greenwald.
Nesta semana, o presidente disse que poderia dizer ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Felipe Santa Cruz, como seu pai, Fernando Santa Cruz Oliveira, desapareceu durante a ditadura militar e, contrariando informações oficiais de que ele foi morto sob custódia do Estado, disse que foi assassinado por membros da organização de esquerda a qual pertencia.
Gennari avalia que a estratégia tem relação com a ideia sempre propalada por Bolsonaro de que a imprensa não o trata de forma justa. Assim, ele usa sua capacidade já famosa de gerar controvérsias em escala industrial para deter o controle.
"Já tem muito tempo que ele diz que a imprensa só bate nele, que a imprensa não dá o crédito, não dá as notícias boas. Como a avaliação dele é que a imprensa sempre vai estar contra ele, eu imagino que a estratégia dele seja 'já que eles vão estar contra mim, deixa eu dar o que eles falarem, porque aí eles vão falar o que eu quero que eles falem'", disse Gennari. "O controle da narrativa, dos argumentos, das manchetes tem sido dele."
Para o analista político Rafael Cortez, da Tendências Consultoria, Bolsonaro mantém na Presidência o seu "personagem eleitoral" e dá sinais de não ter respeito às instituições.
"Essa é a maneira que ele enxerga o exercício da política. Mostra bem o modo que ele enxergou a sua subida ao poder, o pouco apreço ao pluralismo, à pluralidade, ao rito institucional", disse Cortez.
"O que vai ser testado neste momento é o equilíbrio político-institucional. Não me parece que o presidente tenha apreço a pilares básicos — seja no plano dos valores, seja no plano do respeito às instituições", acrescentou.
Para Cortez, entretanto, o comportamento do presidente, muitas vezes criticado como autoritário e não democrático, não representa, ao menos por ora, um risco institucional ou de o Executivo buscar centralizar mais poder em si.
"Por ora, vejo mais como um movimento que não reflete acúmulo de poder, muito mais essas idiossincrasias em relação ao modus operandi do bolsonarismo e uma visão de mundo do presidente e do seu núcleo mais próximo", disse.
Ao mesmo tempo ressaltou que esse risco é "dinâmico" e que o "sinal amarelo" tem de permanecer aceso.
Na mesma linha, Gennari, da Distrito, lembrou que, ao menos até o momento, "não houve nenhuma medida mais concreta em que as instituições corressem risco".
"Se há alguma exacerbação de poder de algum lado, você tem outros Poderes que vão chegar e se contrapor a isso, como já fizeram."
Os analistas ouvidos pela Reuters também concordam que falar neste momento sobre um eventual processo de impeachment contra Bolsonaro por causa de seus excessos retóricos seria extremamente precipitado.
"Quando se fala de impeachment, a gente precisa de dois elementos: motivo e motivação. Motivo é a razão. A razão tem um componente judicial. É um crime de responsabilidade? Agrava muito a Constituição?", disse Creomar de Souza, da Dharma Political Risk.
"O segundo é a motivação, o que significa, do ponto de vista político, é saber se os entes políticos têm a vontade de fazer um processo de impeachment. E aí quando a gente anda no Congresso, você não vê ainda essa motivação para isso", argumentou.
Para ele, há uma divisão grosso modo entre um terço da população radicalmente bolsonarista, outro que rejeita o presidente e um outro terço que está mais ao centro do espectro político, é mais pragmático e se preocupa principalmente com os resultados da economia.
Na avaliação de Creomar, se a agenda econômica avançar e o cenário na economia for favorável, o nível de tolerância aos excessos do presidente aumenta. Ao mesmo tempo, o oposto acontece se as reformas patinarem e índices como investimento e desemprego seguirem ruins.