O Brasil ainda se beneficia daquele sentimento comum em economias emergentes de que o "pior já passou" (Getty Images/Getty Images)
CEO da Ipsos no Brasil
Publicado em 21 de fevereiro de 2025 às 08h30.
Por Marcos Calliari, CEO da Ipsos no Brasil
Nem chegamos no Carnaval e muita coisa aconteceu em tão pouco tempo. O fim de 2024 deixou marcas profundas para os brasileiros, que seguem enfrentando um cenário de deterioração na percepção econômica – e com ela, diversos desafios. Segundo a pesquisa Ipsos Predictions 2025, 65% da população avaliou o ano passado como ruim para o país e 53% como negativo para si e suas famílias. Curiosamente, esses números refletem uma média global, indicando que as dificuldades enfrentadas pelos brasileiros são parte de uma crise global mais ampla.
Esse pessimismo generalizado está ligado à inflação, aos altos custos de vida e aos resquícios de uma pandemia que redefiniu prioridades globais. No Brasil, os efeitos acumulados de instabilidades políticas e econômicas amplificam essas percepções, embora o país compartilhe com outros emergentes como Peru (79%) e África do Sul (73%) uma avaliação igualmente crítica sobre o ano. Isso levanta uma questão importante: até que ponto a resiliência de economias emergentes pode sustentar as expectativas de progresso?
Apesar de apresentar uma resiliência notável e de continuar sendo uma nação otimista – fenômeno fartamente documentado pela pesquisa de mercado, especialmente se comparada a outros países -, não é exagero afirmar que os brasileiros já foram bem mais otimistas. Embora o país ainda se destaque neste comportamento, os números de expectativas quanto ao futuro já não são tão altos quanto costumavam ser no início dos anos dois mil.
O Brasil ainda se beneficia daquele sentimento comum em economias emergentes de que o "pior já passou" e costuma alimentar uma esperança renovada. Em contraste, mercados desenvolvidos tendem a ser mais cautelosos e sentem que ainda estão lidando com as consequências de crises prolongadas, como o impacto contínuo da inflação. Esse sentimento que dominou por décadas o zeitgeist do país, foi dando lugar a uma postura mais cautelosa, desconfiada até, de que o futuro talvez não seja tão melhor do que o hoje – ou ao menos não melhore tão rápido como outrora tradicional esperança brasileira costuma acreditar.
É fato que viver o hoje nem sempre tem sido continuamente difícil, ainda mais no contexto em que estamos inseridos. Indicadores de percepção econômica em queda – como o Índice de Confiança do Consumidor, que caiu 5 pontos quando comparado ao indicador de 12 meses atrás; a percepção de que a situação econômica do país está ruim (67%) e que a nação está no rumo errado (61%) –, criam um cenário cada vez mais propício ao pessimismo e descrença.
73% dos brasileiros também acreditam que os preços subirão mais rápido do que a renda e 72% esperam juros mais altos. Esses dados refletem preocupações que seguem subindo no país e começam a se refletir também nos índices de aprovação do governo.
Outra preocupação latente é o tema climático-ambiental. As preocupações crescentes com os adventos decorrentes da crise climática seguem deixando os brasileiros bastante pessimistas. 80% das pessoas no Brasil acreditam que a temperatura global continuará subindo em 2025. As preocupações com eventos climáticos extremos são bem mais pronunciadas no Brasil (74%) do que em muitos países desenvolvidos, como o Canadá (60%). A vulnerabilidade de regiões brasileiras a secas e inundações coloca o país entre os mais preocupados com a sustentabilidade ambiental.
Em 2024, o Brasil enfrentou diversos dos chamados ‘eventos climáticos extremos’ que justificam essa crescente preocupação. No Rio Grande do Sul, enchentes devastadoras causaram danos significativos a propriedades e infraestruturas, afetando milhares de pessoas. Simultaneamente, ondas de calor intensas atingiram várias regiões do país, exacerbando crises hídricas.
Além disso, incêndios florestais se intensificaram em 2024, devastando mais de 300.000 km², um aumento de 80% em relação ao ano anterior, equivalente ao tamanho da Itália. A seca histórica, agravada pelo fenômeno El Niño, facilitou a propagação dos incêndios, afetando principalmente a Amazônia. A falta de preparação e resposta adequada por parte do governo exacerbou os danos, aumentando a vulnerabilidade a futuros incêndios.
A ausência de uma política ambiental robusta e a dependência de recursos naturais como motor econômico explicam, em parte, a ansiedade climática no Brasil. Em contraste, países como a Suíça e a Suécia, com políticas ambientais avançadas, apresentam maior confiança na mitigação de crises climáticas.
No campo da tecnologia, o otimismo brasileiro com a IA é moderado: 46% acreditam que ela criará profissões, mas 68% temem que levará à perda de empregos. Em comparação, países como China (77%) destacam-se pela confiança nos impactos positivos da tecnologia. Essa diferença reflete a posição de cada país na corrida tecnológica global: enquanto potências investem em inovação, países como o Brasil enfrentam dificuldades estruturais que limitam o aproveitamento pleno das oportunidades tecnológicas.
Por fim, a segurança global é outro tema que desperta inquietações. No Brasil, Crime e Violência é a principal preocupação há alguns anos. Agora, aumenta a preocupação com os conflitos internacionais: 49% dos entrevistados temem que eles possam envolver o país, alinhados com a opinião dos demais países estudados. A guerra comercial recém iniciada por presidente Donald Trump promete também tirar o sono dos brasileiros, com impactos diretos e indiretos no bolso dos consumidores, e efeitos que podem ser bastante preocupantes para a macroeconomia do país.
Contudo, essa descrença generalizada no futuro não é exclusividade do Brasil. Ela é uma das tendências mais crescentes que observamos no estudo Ipsos Global Trends, e que chamamos de o Novo Niilismo. Inspirada na doutrina filosófica que se caracteriza por um questionamento dos valores morais da sociedade, trazendo uma visão pessimista e cética em relação à realidade, a tendência mostra
uma busca por experiências imediatas, sem esperanças ou preocupações com o futuro. Esse comportamento se reflete nos números: 62% dos brasileiros dizem que preferem viver o hoje, e que o amanhã se resolverá por si só – crescimento de 16 p.p de 2013 para cá.
Mas o que fazer quando este “hoje” também traz muitos desafios? Cresce o sentimento de nostalgia, como também já observado no Ipsos Global Trends. O estudo mostra o Brasil entre as nações com uma visão nostálgica do passado (muitas vezes um passado idealizado), fazendo com que as pessoas que antes buscavam alento em expectativas sobre o futuro para as dificuldades do dia a dia, passem a buscar refúgio em modelos de pensamento e atitudes passados.
O Brasil de agora avança em um terreno de contrastes, no qual o otimismo da população encontra barreiras estruturais que demandam respostas imediatas. A esperança de superação, que reflete a resiliência característica dos brasileiros, é uma força poderosa, mas também exige atenção. Sem ações concretas, esse sentimento corre o risco de se transformar em frustração coletiva, especialmente em um cenário onde os desafios econômicos, ambientais e sociais permanecem intensos.
É fundamental para os agentes econômicos entenderem esse momento vivido pela população e pelo país: compreender o contexto tem se mostrado, repetidamente, a variável mais importante para influenciar comportamento. E aqui a disputa ideológica tem sido um obstáculo intransponível: não há consenso sobre a percepção da realidade! Há que se abandonar guerras de narrativas e entender pelo que a população vem passando.
Nesse cenário de um Brasil marcado por desafios e oportunidades, as pesquisas de mercado e de opinião pública emergem como um farol, fornecendo dados valiosos para iluminar o caminho. É por meio delas que as vozes dos brasileiros ecoam, revelando suas expectativas, anseios e frustrações. Analisar esses dados, nos ajuda a agir nas causas e não apenas a lidar com as consequências.
Ao interpretar a realidade com base em informações e dados concretos, e não de narrativas enviesadas, temos em mãos um diferencial imprescindível para a sociedade mudar os rumos do que não está funcionando, em direção a medidas sustentáveis para o desenvolvimento do país.