Brasil

Evangélicos se articulam para aumentar representatividade política

O apoio dos evangélicos é cobiçado, mas está pulverizado entre vários presidenciáveis

Evangélicos se reunem em frente ao Congresso para manifestaçãoe favor da liberdade religiosa (Valter Campanato/ABr/Agência Brasil)

Evangélicos se reunem em frente ao Congresso para manifestaçãoe favor da liberdade religiosa (Valter Campanato/ABr/Agência Brasil)

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Reuters

Publicado em 30 de agosto de 2018 às 15h43.

Última atualização em 30 de agosto de 2018 às 17h25.

Brasília - Sem as mesuras do cargo de ministro que ocupa nos dias de semana como direito a carro com motorista, o pastor Ronaldo Fonseca chegou dirigindo seu próprio automóvel à Assembleia de Deus de Taguatinga no principal dia de culto da sua igreja na manhã de um domingo de agosto. Fiéis já acompanhavam a celebração conduzida por outros religiosos num templo grande, mas simples, com capacidade para 750 lugares e praticamente lotado.

O segmento evangélico registra um forte aumento no país, e essa parcela do eleitorado tem sido cada vez mais cobiçada nas eleições, com uma bancada que pretende crescer no Congresso Nacional no pleito deste ano. Fonseca estava lá para comandar o culto, mas não se furtou a falar de política.

Às 10h54, o pastor assomou ao centro do altar sozinho para pedir uma bênção ao "amigo" pastor Pedro Leite e fazer uma troça: "Pedro Leite é candidato a deputado distrital. Estou tão feliz, tão feliz, porque hoje se encerra o prazo de coligação, quem vai ser candidato, e eu graças a Deus não estou nem aí", disse.

"Glória a Deus!", replicaram os fiéis, uníssonos.

"Quero que vocês fiquem de pé e façam uma oração para ele. Ele vai ser candidato, sei que é uma luta, ser candidato não é fácil, um homem de princípios cristãos, precisa realmente estar ali representando e defendendo os ideais cristãos", disse Fonseca.

Com as mãos levantadas em direção a Pedro Leite, os fiéis ouviram a súplica de outro pastor para que Deus ajudasse o pastor a cumprir o propósito de chegar à Câmara Distrital para que o governo de Brasília seja bem fiscalizado e que o homem de Deus possa realizar essa tarefa.

"Amém!", replicou o público.

Ronaldo Fonseca chegou ao Palácio do Planalto numa jogada do governo Michel Temer para, entre outros objetivos, tentar atrair o apoio dos evangélicos para a candidatura presidencial do ex-ministro Henrique Meirelles (MDB).

Nomeado no fim de maio, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência dá expediente no 4º andar do Palácio do Planalto nos dias de semana. Aos domingos, religiosamente celebra cultos de manhã e à noite na igreja distante cerca de 27 quilômetros do centro de Brasília. Além disso, atua pelo projeto político de se manter influente com a eleição de aliados evangélicos.

O ministro, deputado licenciado e pastor, é um dos principais exemplos da atuação dos evangélicos na política. Apesar de fortemente fragmentado em igrejas e diversos partidos das mais variadas matizes ideológicas, o grupo tem de modo geral uma causa em comum: a defesa de pautas conservadores, como posições contrárias à legalização do aborto e união entre pessoas do mesmo sexo.

A participação do segmento no Congresso vem crescendo desde antes da Constituição de 1988, mas, apesar da agenda do grupo sempre ganhar ressonância nos meios de comunicação, está aquém da representatividade do segmento na população brasileira.

O último censo demográfico do país de 2010, portanto bastante defasado, aponta que os evangélicos são 42,2 milhões de brasileiros (22,2 por cento da população), ante a forte presença dos católicos, 123,2 milhões (64,6 por cento do total). Estimativas mais atualizadas, entretanto, dão conta de que os evangélicos hoje são 30 por cento da população brasileira --pesquisa Ibope de agosto de intenção ao Palácio do Planalto apontou 27 por cento da amostra como evangélica e 57 por cento, católica.

Na eleição à Presidência deste ano, entre os candidatos que lideram as pesquisas, apenas a ex-senadora Marina Silva (Rede) é declaradamente evangélica. Mas, segundo a maioria das lideranças do segmento ouvidas pela Reuters, o apoio dos evangélicos está pulverizado entre vários presidenciáveis.

Dados do Ibope mostram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) --que deve ter a candidatura barrada com base na Lei da Ficha Limpa-- e o deputado Jair Bolsonaro (PSL), católico casado com uma evangélica, como os preferidos do segmento, e Marina, de modo geral, num terceiro lugar.

Na Câmara dos Deputados, segundo o coordenador da Frente Parlamentar Evangélica, deputado Takayama, do Partido Social Cristão (PSC), são cerca de 100 representantes (cerca de 20 por cento do total) --o número varia em função de afastamentos. No Senado, disse, são apenas 4 dos 81 senadores (somente 5 por cento das cadeiras).

Durante o culto naquela manhã de domingo, Fonseca fez questão de registrar que qualquer candidato que fosse à igreja seria abençoado. Este foi o único momento em que se falou de política durante o culto de quase duas horas, embora após a cerimônia o pastor Pedro Leite tenha sido abordado por lideranças religiosas ligadas a Fonseca para ajudar na campanha.

A Justiça Eleitoral está de olho nessa relação entre eleições e religião. Na semana passada, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que pedir votos em evento religioso durante a campanha configura abuso do poder econômico e cassou o mandato de dois parlamentares mineiros.

Aos 59 anos, Fonseca decidiu não se candidatar novamente nas eleições de outubro, após ter obtido dois mandatos de deputados federal --o último deles com 85 mil votos. Disse já ter cumprido sua "missão", mas admite trabalhar para emplacar Pedro Leite deputado distrital e o professor Marcos Pacco, que ocupou cargos no governo do Distrito Federal, na cadeira que ocupa na Câmara dos Deputados.

"Nosso segmento tem a tendência de escolher o representante que leva as demandas da instituição, do que a pessoa pensa na verdade, o seu pensamento político", disse Fonseca, em uma das entrevistas à Reuters em seu gabinete no Planalto.

Crescimento

Apesar de evidente nos últimos anos, a participação dos evangélicos na política é relativamente recente. Anteriormente avessos ao engajamento, a atuação começou a ganhar corpo pouco antes da Assembleia Nacional Constituinte, quando diferentes vertentes do segmento se organizaram para eleger parlamentares que defendessem seus valores, conforme a tese de doutorado em psicologia social pela PUC de São Paulo de Bruna Suruagy do Amaral Dantas, intitulada "Religião e Política: ideologia e ação da 'bancada evangélica' na Câmara Federal".

A pauta do grupo na ocasião --praticamente a mesma dos dias atuais-- girava em torno da "manutenção da família, união conjugal monogâmica e heterossexual, a proibição do aborto e do divórcio, a moral sexual e o combate à sexualidade", segundo a tese.

Após a Constituinte, o grupo continuou a trabalhar pela eleição de representantes no Congresso a fim de diminuir a hegemonia da Igreja Católica. Porém, a frente evangélica da Câmara só foi criada em 2003, no início do governo do então presidente Lula, e desde então tem sido renovada no começo de cada Legislatura.

É contra o que consideram baixa representatividade desse segmento religioso que Ronaldo Fonseca, Takayama e outras lideranças evangélicas têm feito um trabalho para ampliar a presença no Congresso, influenciar ou até participar do próximo governo, independentemente de quem seja o próximo presidente da República.

A estimativa de lideranças evangélicas é que haja um crescimento de 10 por cento do tamanho da bancada na Câmara dos Deputados em outubro. Apesar da atuação coesa no Congresso, não há um plano de ação conjunta entre as igrejas para maximizar o desempenho eleitoral --em alguns casos, há disputas pelo mesmo eleitorado.

Ronaldo Fonseca disse que a Assembleia de Deus --a maior representante evangélica no país, com cerca de um terço do total-- pretende eleger um deputado federal em cada uma das 27 unidades da Federação. Foram 24 na eleição passada, afirmou.

Na capital do país, o grupo quer eleger Pacco, do Podemos, para a Câmara dos Deputados, mas ele provavelmente terá que disputar os votos evangélicos com Julio Lopes, do PRB, o deputado distrital mais votado na eleição passada.

"Ele (Ronaldo) deixou a vida parlamentar e trabalha para transferir o capital político para mim. Estamos caminhando aí para juntar esse capital político", afirmou Pacco.

"O voto evangélico, cristão, será decisivo na minha eleição", atestou o candidato, que ficou na suplência na eleição passada buscando eleitores no nicho dos preparatórios para concursos públicos, e agora se intitula candidato do segmento evangélico.

Pacco admite estar fazendo uma série de agendas "casadas" com lideranças religiosas com Fonseca em busca de apoios.

A professora Maria das Dores Campos Machado, especialista em sociologia da religião pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou que muitos dos parlamentares evangélicos detêm títulos eclesiásticos e, dessa forma, são mais comprometidos com as doutrinas, ao contrário de representantes católicos no Legislativo.

"As igrejas lançam essas pessoas porque é mais fácil mantê-las sob controle do que um leigo", disse Maria das Dores.

Financiamento

Para as eleições de outubro não há um padrão de financiamento de candidatos evangélicos no país. Os entrevistados pela Reuters dizem que vão buscar doações de aliados e contam principalmente com recursos do chamado fundo eleitoral, recurso público criado para custear as campanhas.

O PRB, legenda mais identificada com uma igreja do segmento, a Universal do Reino de Deus, terá quase 70 milhões de reais para bancar todas as disputas.

Procurada pela Reuters, a Receita Federal somente divulgou a arrecadação de todas as igrejas, sem discriminar por segmento religioso. Elas arrecadaram ano passado cerca de 531 milhões de reais, ante 536 milhões de reais em 2016 e 461 milhões de reais em 2015.

Ou seja, 1,5 bilhão de reais em arrecadação que envolve, principalmente, algumas retenções tributárias, como o Imposto sobre a Renda retido na fonte do trabalho dos empregados, PISsobre folha e recolhimentos tributários daquilo que não é considerado atividade das entidades. Nessa conta não entra a receita das igrejas com dízimos, por exemplo.

Ninguém diz que contará com o respaldo financeiro de integrantes da igreja, ainda mais diante da proibição do financiamento das campanhas por empresas.

Pacco disse que estima gastar 300 mil reais na campanha --o teto legal de despesas para a sua campanha é de 2,5 milhões de reais. Ele espera contar com recursos do fundo eleitoral previstos para o Podemos, partido ao qual é filiado, mas que ainda não informou quanto vai disponibilizar para a disputa, e doações de pessoas próximas.

"Vai ser uma campanha franciscana", disse Pacco, que também fará uma vaquinha eletrônica para garantir um suporte financeiro.

Segundo a professora da UFRJ, candidatos a cargos eletivos evangélicos partem de uma vantagem em relação aos demais por contarem com uma estrutura institucional de apoio, mesmo que não haja apoio financeiro às campanhas.

"Essas candidaturas são trabalhadas com muita antecipação", disse a professora, citando, por exemplo, o endosso de lideranças religiosas aos candidatos e o uso de rádios para torná-los conhecidos.

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