Jair Bolsonaro: o governo brasileiro tem procurado manter uma certa distância da crise entre EUA e Irã (Adriano Machado/Reuters)
Reuters
Publicado em 8 de janeiro de 2020 às 19h45.
Brasília — O presidente Jair Bolsonaro aproveitou a crise entre os Estados Unidos e o Irã para atacar a tentativa de costura de acordo pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2010, que visava permitir que Teerã tivesse acesso a urânio enriquecido para ser usado em um programa nuclear para fins pacíficos.
Em transmissão ao vivo feita em uma rede social nesta quarta-feira, Bolsonaro aparece assistindo na TV o pronunciamento do presidente dos EUA, Donald Trump, sobre o Irã e, após a fala de Trump, comenta a iniciativa diplomática do governo Lula com a Turquia em 2010.
"Muitos acham que o Brasil deve se omitir no tocante aos acontecimentos. Queira dizer apenas uma coisa. O senhor Luiz Inácio Lula da Silva, enquanto presidente da República, ele esteve no Irã. E lá defendeu que aquele regime pudesse enriquecer urânio acima de 20%, que seria para fim pacífico", disse.
"Complementaria apenas com uma questão. Nós temos que seguir as nossas leis. Nós não podemos extrapolar. Mas acredito que a verdade tem que fazer parte do nosso dia a dia, porque nós queremos paz no mundo", completou.
Em 2010, o Irã assinou um acordo nuclear proposto por Brasil e Turquia para enviar ao território turco urânio de baixo teor de enriquecimento em troca de receber urânio enriquecido em 20% do país. A iniciativa foi costurada entre Lula, o então presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e o então primeiro-ministro e atual presidente turco, Tayyip Erdogan.
Para ser usado em armas nucleares, o urânio precisa estar enriquecido a um grau de 90%. Na ocasião, entretanto, potências ocidentais não apoiaram o acordo, que acabou não indo adiante.
Em nota, Lula disse que Bolsonaro mentiu e que o chamado Acordo de Teerã foi reconhecido pelo ex-presidente dos EUA, Barack Obama, como o que tinha as condições ideais.
"Isso jamais existiu", afirma a nota em referência à declaração de Bolsonaro de que Lula defendia que o Irã pudesse enriquecer urânio acima de 20%. "A mentira, reproduzida pelos meios de comunicação, é facilmente desmascarada com uma simples busca no Google", acrescenta a nota do petista.
Na rápida transmissão na rede social, Bolsonaro citou ainda a Constituição. "A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: a defesa da paz e no repúdio ao terrorismo". E concluiu: "Uma boa tarde a todos e que Deus abençoe o nosso Brasil."
O governo brasileiro tem procurado manter equidistância da crise entre EUA e Irã, embora tenha sido criticado pela nota do Itamaraty divulgada após Trump ter ordenado o ataque fatal contra o comandante militar iraniano Qassem Soleimani em um aeroporto da capital do Iraque, Bagdá.
Após reação negativa de alguns países com os quais o Brasil mantém parcerias comerciais, o país optou por não se manifestar mais sobre a crise publicamente. Houve a convocação da representante brasileira em Teerã após o Itamaraty emitir uma nota na sexta-feira sobre a morte do general Soleimani, em que manifestou "apoio à luta contra o flagelo do terrorismo".
Em entrevista concedida nesta quarta ao site Diário do Centro do Mundo, que teve trechos publicados em seu Twitter pessoal, Lula defendeu que o Brasil não tem de se meter na disputa entre EUA e Irã.
"Na relação internacional sempre são dois interesses: o seu e o do outro. Você tem que sempre equilibrar o deles com o seu. O Bolsonaro não faz a menor questão de não ser um lambe botas do Trump", disse o petista.
Nesta quarta, um dia depois de o Irã atacar bases militares no Iraque que abrigam forças norte-americanas em retaliação ao assassinato de Soleimani, Trump disse que o ataque iraniano não deixou vítimas e que não quer mais usar a força contra Teerã.