O ex-presidente Jair Bolsonaro: altos e baixos desde que deixou o Palácio do Planalto, no fim de 2022 (Joe Raedle/Getty Images)
Agência de notícias
Publicado em 9 de março de 2023 às 06h44.
Ministros do Tribunal de Contas da União (TCU) avaliam pedir que o estojo de joias dado pela Arábia Saudita que ficou com Jair Bolsonaro após o fim do mandato seja devolvido.
A medida seria embasada pelo entendimento de que bens presenteados por governos não são itens pessoais — especialistas ouvidos pelo GLOBO também põem em dúvida a tese da defesa do ex-presidente de que os itens configuram um presente de “caráter personalíssimo”, como afirmaram o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e o advogado Frederico Wassef, que representa o ex-presidente.
Também nesta quarta, o próprio Bolsonaro confirmou à CNN que incorporou ao seu acervo privado o conjunto com caneta, um anel, um relógio, um par de abotoaduras e uma espécie de rosário. Os itens foram trazidos para o Brasil em outubro de 2021 pelo ex-ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque.
Na ocasião, um pacote com joias avaliadas em R$ 16,5 milhões que seriam destinadas à ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro também entrou no país com a comitiva da pasta, mas, por não ter sido devidamente declarado, acabou apreendido por fiscais da Receita Federal no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, onde permanece até hoje.
Tanto os presentes para Bolsonaro quanto os que seriam dados a Michelle são da empresa suíça Chopard, uma das marcas mais famosas (e caras) do ramo de joias no mundo.
A ordem para que Bolsonaro devolva o conjunto pode acontecer antes mesmo do fim do processo no TCU, considerando que já há um entendimento do tribunal de que bens dados por governos não são itens pessoais do presidente. Presentes oferecidos por cidadãos, empresas e entidades costumam permanecer com o ocupante do Planalto, o que não é o caso dos recebidos de autoridades.
Esse entendimento foi firmado em um acórdão de 2016, quando o TCU mandou Lula e Dilma Rousseff devolverem presentes que eles ganharam quando estavam na chefia do Executivo. Naquela ocasião, o relator do caso, ministro Walton Alencar, usou de exemplo uma esmeralda como item que não poderia ficar com um presidente da República.
“Não é razoável pretender que, a partir do título da cerimônia, os presentes, valiosos ou não, possam incorporar-se ao patrimônio privado do Presidente da República, uma vez que ele os recebe nesta pública qualidade”, afirmou.
O relator do caso, agora, é o ministro Augusto Nardes, visto como aliado de Bolsonaro. Caso os fatos sejam confirmados, o subprocurador-geral junto ao TCU pede a responsabilização de toda a cadeia de envolvidos.
Na terça-feira, o advogado Frederico Wassef divulgou uma nota alegando que Bolsonaro agiu dentro da lei, declarando “os bens de caráter personalíssimo recebidos em viagens, não existindo qualquer irregularidade em suas condutas”. Além da manifestação do TCU, especialistas também divergem da tese:
"Personalíssimo é diretamente ligado à pessoa, não é algo que o presidente recebe enquanto chefe de Estado. Os presentes institucionais são dados ao país e, por isso, pertencem ao acervo do governo. O valor das joias é muito considerável e não poderia entrar nessa categoria, até pelo código de ética do funcionalismo público", afirma o advogado Thiago Varella, professor da PUC-Rio, citando ainda a norma que limita o recebimento de itens considerados “brindes”, ou seja, com valor até R$ 100.
A visão é reiterada pela especialista em Direito Civil Constitucional Roberta Toledo Barcellos, da Universidade estadual do Rio de Janeiro (Uerj).
"Especificamente sobre joias, o TCU disse que pedras preciosas dadas a chefes de Estado não são presentes pessoais, e sim patrimônio da União", diz.
O argumento de que os presentes recebidos do regime saudita configuram bens de caráter “personalíssimo” também foi citado, nesta quarta-feira, pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho do ex-presidente.
"Na minha opinião, (a caixa de joias) é personalíssima, independentemente do valor. O TCU está tendo esse entendimento agora. A Comissão de Ética falou que não tinha problema. Ele (Bolsonaro) foi seguindo o que foi sendo pedido. Não tem nenhum dolo da parte dele, de maldade, ou ato de corrupção", disse Flávio Bolsonaro ao GLOBO, referindo-se ao acórdão de 2016 da Corte.