Covid-19: estado e a prefeitura do Rio receberam 378 dos 1.806 respiradores que encomendaram (Rahel Patrasso/Reuters)
Agência O Globo
Publicado em 14 de maio de 2020 às 09h06.
Dois meses e meio após a notificação dos primeiros casos de covid-19 no Brasil, o estado e a prefeitura do Rio receberam só 20,9% (378) dos 1.806 respiradores que encomendaram, com os quais esperam evitar o colapso da rede de saúde durante a pandemia de coronavírus. Esse patamar só foi atingido nos últimos dois dias, com a chegada de 306 aparelhos em dois voos fretados pelo município vindos da China. A situação do governo fluminense, no entanto, é mais delicada, sem perspectivas otimistas a curto prazo. Os 52 ventiladores pulmonares que chegaram até agora serão devolvidos, após a Secretaria estadual de Saúde (SES) rescindir os três contratos para a aquisição de mil desses equipamentos — sob investigação do Ministério Público do Rio (MPRJ) por possível sobrepreço.
Enquanto centenas de pessoas com covid-19 aguardam por um leito de UTI, onde os respiradores são tão cruciais para manter o paciente vivo, o estado terá que recomeçar do zero o processo de compra, com a formação de uma força-tarefa para analisar os contratos emergenciais e evitar fraudes, afirmou esta semana o secretário estadual de Saúde, Edmar Santos. Segundo o órgão, os aparelhos que venham a ser adquiridos buscarão atender à demanda, mas ainda não há detalhes, como a quantidade ou quando os novos contratos serão assinados.
Por enquanto, a rede pública estadual conta com os 904 ventiladores mecânicos que já tinha antes da pandemia, além de equipamentos doados pelo governo federal e por empresas. Foram 134 entregues pelo Ministério da Saúde, 90 deles que chegaram no último sábado, e 20 cedidos pelo Banco Itaú. “A SES destaca que conta ainda com o apoio da iniciativa privada, que construiu e está gerindo os hospitais de campanha Lagoa-Barra, no Leblon, na Zona Sul, e Parque dos Atletas, na Barra da Tijuca, na Zona Oeste. As duas unidades funcionarão com capacidade máxima de 400 leitos, sendo 150 deles de UTI”, afirma a secretaria em nota.
As suspeitas de fraude que recaem sobre as transações do estado, contudo, não são o único obstáculo para que os equipamentos cheguem a pacientes que lutam contra a doença. Imbróglios judiciais e atrasos nas entregas são outros empecilhos. Para contorná-los, assim como já tinham feito governos como o do Maranhão, a prefeitura do Rio está mandando aviões buscar material na China. Serão seis voos fretados da companhia Latam, para transportar um total de 160 toneladas de respiradores, monitores, bombas de infusão e outros itens médicos para o combate à Covid-19. O custo do transporte teria ficado em US$ 980 mil (cerca de R$ 5,7 milhões).
O primeiro aterrissou anteontem no Aeroporto Internacional Tom Jobim. Era uma aeronave modelo Boeing 777 de passageiros, adaptada para o transporte de cargas, tanto na cabine quanto no porão, com objetivo de maximizar sua capacidade. De acordo com a prefeitura, junto com 152 respiradores, nele veio um milhão de equipamentos de proteção individual (EPIs), entre máscaras, luvas, capotes e óculos. Foram 18 mil quilômetros e cerca de 46 horas, passando por três fusos horários, de Cantão, na China, até o Rio, com escala em Amsterdã, na Holanda. Uma rota escolhida para evitar escalas em países onde houve confisco desse tipo de material.
Já o segundo voo, com mais 154 ventiladores mecânicos, chegou no início da noite de ontem. Os aparelhos dessas duas remessas serão distribuídos para o Hospital municipal Ronaldo Gazolla (201 deles), o hospital de campanha do Riocentro (80), a Coordenadoria de Emergência Regional (CER) Leblon (20) e o Hospital Pedro II (cinco). Com isso, afirma o prefeito Marcelo Crivella, todos os 500 leitos para Covid-19 do Riocentro e os 381 do Ronaldo Gazolla estarão em pleno funcionamento em até dez dias. Hoje, desses 881 leitos, apenas cemestão abertos na unidade da Barra e 230 na de Acari, onde os novos respiradores substituirão outros mais antigos, que tinham sido emprestados pelo Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ.
Os 306 respiradores fazem parte de um lote de 726 unidades encomendadas no final do ano passado à empresa chinesa Mindray, por US$ 12 mil cada um (o equivalente a R$ 69,5 mil a preços atuais), num contrato global de US$ 8,712 milhões (R$ 50,5 milhões). Segundo a Secretaria municipal de Saúde, desse total, outros 20 aparelhos também já tinham chegado ao Rio. A previsão é de que os 400 que faltam desembarquem na cidade no fim deste mês.
No âmbito da capital, há ainda 80 respiradores da empresa Magnamed, de São Paulo, esses envolvidos numa disputa judicial com derrotas para o município até agora. A prefeitura, que teve uma liminar revogada no último dia 24 de abril, pede à Justiça a apreensão dos equipamentos, para garantir que eles sejam recebidos. Segundo afirma Crivella, os aparelhos seriam destinados a ambulâncias do Samu do estado que fazem as transferência de pacientes. Mas a empresa alega que administração municipal não cumpriu os prazos para realização do contrato e, por isso, não tem o dever de entregar os aparelhos.
As questões judiciais do estado são mais graves. Os mil respiradores que o governo tinha comprado já durante a pandemia eram previstos em três contratos com dispensa de licitação que, juntos, somavam aproximadamente R$ 183,5 milhões do Fundo Estadual de Saúde (FES). De acordo com dados do painel de compras emergenciais para fazer frente ao novo coronavírus, cada um dos aparelhos teria custado entre R$ 169,8 mil e R$ 198 mil, dependendo do fornecedor, valor muito mais alto que o pago pela prefeitura que fez a encomenda antes da pandemia. Dessa quantia, segundo o painel do estado, R$ 14,99 milhões já tinham sido, inclusive, pagos a duas das empresas. Valores que levantaram as suspeitas do Ministério Público.
Antes da pandemia, além dos 904 respiradores informados pelo estado, segundo dados do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde , a rede federal no Rio contava com 926 respiradores. Já as unidades administradas pelo município do Rio tinham mais 853 aparelhos do tipo. Em 17 cidades fluminenses, no entanto, não havia respirador algum na rede pública