Itaipava: o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tentando diminuir a importância do episódio, afirmou que aquilo era obra de "um bando de aloprados" (Itaipava/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 15 de abril de 2017 às 12h54.
O esquema de lavagem de dinheiro criado entre a Odebrecht e a cervejaria Itaipava não bancou apenas o caixa 2 de campanhas eleitorais, mas também a compra, em 2006, de um dossiê contra o então candidato à presidência, José Serra (PSDB), episódio que ficaria famoso como o escândalo dos "aloprados do PT".
O capítulo das falcatruas com dinheiro ilícito é narrado em detalhes pelo delator Luiz Eduardo Soares, ex-executivo da Odebrecht que atuava no departamento da propina da empreiteira.
No dia 15 de setembro de 2006, a apenas duas semanas do primeiro turno das eleições para presidência, integrantes do PT foram presos pela Polícia Federal em um hotel de São Paulo ao tentar comprar um dossiê contra o então candidato tucano ao governo de São Paulo, que concorria com Aloizio Mercadante.
O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tentando diminuir a importância do episódio, afirmou que aquilo era obra de "um bando de aloprados".
Foram presos em flagrante Valdebran Padilha, que tinha US$ 109 800 mil e mais R$ 758 mil em dinheiro e Gedimar Passos, com US$ 139 mil e mais de R$ 400 mil em dinheiro.
Ao todo, os dois tinham R$ 1,7 milhão. Valdebran era empresário e havia sido tesoureiro do PT em Mato Grosso em 2004. Gedimar havia sido agente da PF e se apresentava como advogado do PT.
O dinheiro seria usado para comprar um dossiê envolvendo Serra, ex-ministro da Saúde, no escândalo da Máfia dos Sanguessugas.
O dossiê, que se revelou ser falso, seria vendido pelos empresários Darci Vedoin e seu filho, Luiz Antônio Vedoin, donos da empresa Planam, pivô do escândalo das sanguessugas.
Um dia depois da prisão, em 16 de setembro, disse o delator Luiz Eduardo Soares, o ex-tesoureiro da campanha de Lula, José de Filippe, convocou uma reunião de emergência no comitê de campanha do PT, em São Paulo. Para não levantar suspeitas, Soares disse que tomou o cuidado de deixar seu carro no aeroporto de Congonhas e seguiu de táxi para o comitê do PT.
Quando chegou ao local, Soares diz que encontrou José de Filippe o presidente da Itaipava, Walter Faria e Benedicto Júnior, ex-presidente da construtora Odebrecht.
"Nós fomos tomados de surpresa na operação dos aloprados. BJ me ligou dizendo que tinha dado um grande problema e que precisava de minha ajuda", disse o delator.
O clima era de tensão: entre as centenas de maços de dinheiro apreendidos, um deles estava com rótulo da empresa Leyroz de Caxias, distribuidora da Itaipava que articulava a distribuição de dinheiro no esquema de propina da cervejaria.
"Como nós tínhamos essa operação que já tinha começado, de troca de reais por dólar, eles estavam com medo, porque descobriram que uma parte desse dinheiro estava com o timbre da Leyroz de Caxias. Mostrava que isso era da cervejaria Itaipava", disse Soares.
O delator chega a dar risada, ao se lembrar do episódio. "Me dá vontade até de rir um pouco. O senhor Walter (Faria, presidente da Itaipava) falou que ele mesmo estava tirando (o rótulo) e esqueceu de um pacote, de tirar os invólucros."
O delator lembra que as investigações avançaram, mas não chegaram à Itaipava. "Aí a coisa morreu, arrefeceu, e ninguém nunca soube de onde era o dinheiro", disse.
Luiz Eduardo Soares confirmou que o dinheiro foi repassado ao ex-tesoureiro do PT pelo próprio Walter Faria. "Eles pediram esse dinheiro e usaram esse dinheiro", disse.
Segundo o delator, José de Filippe sabia que a propina seria usada para a compra do dossiê.
"Pediram a minha ajuda naquele momento de tensão. Eu sempre tive uma postura de me afastar dos problemas, apesar de eles estarem sempre me perseguindo".
Procurado, o PT disse que não comentaria a delação. O Estado não conseguiu localizar nenhum representante da Itaipava desde sexta-feira para se posicionar.