Microcefalia: "O que vai acontecer é que o vírus não vai desaparecer, ele veio para ficar e vamos ter casos esporádicos, vai ficar como qualquer megalovírus" (REUTERS / Ueslei Marcelino)
Reuters
Publicado em 9 de fevereiro de 2017 às 16h25.
Campina Grande - A primeira médica a detectar a ligação entre o zika vírus e fetos com má formação disse que o Brasil esqueceu rápido demais a tragédia dos 2 mil bebês nascidos com microcefalia e corre o risco de uma segunda onda de infecções, caso o vírus sofra mutação.
Um ano após a epidemia inicial, autoridades de saúde pública estão relatando poucos casos de microcefalia em recém-nascidos, um desdobramento que a doutora Adriana Melo e outros pesquisadores brasileiros atribuem à imunidade adquirida pela população do Nordeste, a região do país mais atingida pelo zika.
"O que vai acontecer é que o vírus não vai desaparecer, ele veio para ficar e vamos ter casos esporádicos, vai ficar como qualquer megalovírus", disse Adriana à Reuters na terça-feira em sua clínica de obstetrícia.
Em aproximadamente uma década, o Brasil terá uma nova geração de mães em potencial que não são imunes, e portanto estarão vulneráveis, se o vírus começar a circular novamente, estimou ela.
Os problemas de nascença ocorreram em bebês cujas mães foram infectadas na gravidez pelo vírus, que é transmitido pelo mesmo mosquito que dissemina a dengue.
"Outro medo nosso é que possa sofrer uma mutação porque é um arbovírus e da família da dengue, e a dengue começou com um tipo no Brasil e já tem 4 tipos aqui", disse ela.
Adriana disse que os dados sobre a aparente imunidade ao zika na população da Polinésia Francesa na esteira de um surto entre 2013 e 2014 não pode ser extrapolada para o Brasil porque aquele país é muito menor.
Embora não existam provas, Adriana acredita que o zika foi trazido da Ásia ao Brasil por um jogador de futebol na Copa do Mundo de 2014 e que já era uma mutação do vírus original encontrado em macacos africanos na Floresta Zika, em Uganda, em 1947.
O zika já se espalhou para 60 países de todo o mundo desde que foi detectado pela primeira vez no Brasil em 2015, aumentando o alarme sobre sua capacidade de causar microcefalia, e também a síndrome de Guillain-Barré.
A Organização Mundial de Saúde disse neste mês que o Brasil e a América Latina estão registrando um número menor de infecções do que no ano passado, mas que todos os países devem permanecer vigilantes.
Depois do aumento alarmante nos casos regionais de microcefalia, no final de 2015, Adriana foi a primeira cientista a pedir a pesquisadores federais que testassem o líquido amniótico de uma mãe grávida cujo feto apresentava problemas cerebrais, fornecendo a primeira relação empírica entre a complicação e o vírus.
Campina Grande, cidade-natal de Adriana na Paraíba, registrou 82 casos de microcefalia entre outubro de 2015 e março de 2016. Um ano depois o número de casos está em somente 3, um declínio semelhante àquele relatado no vizinho Pernambuco, que teve a maior concentração de casos de microcefalia.
"A gente não pode pensar que não vai ter zika. Porque pode voltar agora ou no futuro, seja em São Paulo, seja aqui mesmo. Pode voltar com mais força novamente em 10 ou 15 anos", alertou. "Mas eu tenho medo de toda essa calma e de a gente baixar a guarda."
Adriana observa que os brasileiros estão se esquecendo de se proteger do mosquito Aedes, que dissemina o vírus, e descuidando de acúmulos de água parada em suas casas, onde os insetos procriam.
Os brasileiros também estão se esquecendo das mães e dos bebês com microcefalia nascidos um ano atrás, afirmou Adriana, e teme que a assistência de longo prazo esteja começando a falhar agora que a crise passou e o interesse pelo assunto diminuiu.
Um caso que ilustra a questão é o de uma de suas antigas pacientes, Raquel Barbosa, de 25 anos, mãe de gêmeas nascidas com microcefalia - único caso conhecido no Brasil -, Heloisa e Heloá, que estão na lista de espera por uma cirurgia para endireitar os pés tortos.
Raquel não consegue cuidar das duas meninas, que exigem atenção constante, e teve que deixar uma delas com a mãe, que mora em uma fazenda sem água encanada.
O governo local fornece transporte para levá-la de um subúrbio a Campina Grande, onde as crianças recebem duas sessões gratuitas de fisioterapia por semana em um hospital.
Mas ela diz que não pode pagar os 200 reais mensais necessários para comprar remédios contra as convulsões, um problema que atinge crianças com microcefalia, e depende de doações para fraldas e leite.
"Gostaria que eles dessem os remédios. A secretaria de saúde pública tem para dar, mas sempre está em falta e então tem que comprar. Não temos opção", explicou Raquel.