Deputado federal major Vitor Hugo (PSL/GO) foi escolhido por Bolsonaro para liderar ala governista na Câmara (Facebook Major Vitor Hugo/Reprodução)
Estadão Conteúdo
Publicado em 15 de janeiro de 2019 às 14h24.
Última atualização em 15 de janeiro de 2019 às 14h39.
São Paulo - Após a nomeação do deputado federal eleito Major Vitor Hugo (PSL-GO) para liderar o governo na Câmara dos Deputados, o jornal O Estado de S. Paulo ouviu dois cientistas políticos para entender quais as possíveis consequências políticas do parlamentar.
Mestre em Operações Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército e bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras, Vitor Hugo estava na Consultoria Legislativa da Câmara, na área de segurança pública e defesa nacional.
Ele foi aluno dos generais - e atuais ministros - Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Carlos Alberto Santos Cruz (Secretaria de Governo), na escola de cadetes.
Eleito para seu primeiro mandato na Casa com 31.190 votos, o parlamentar afirmou ao Estadão/Broadcast que deseja estabelecer uma nova relação entre o Legislativo e o Executivo e pretende envolver os parlamentares na elaboração das propostas do governo, antes mesmo que sejam encaminhadas ao Congresso.
"Vamos envolver o máximo de pessoas durante a elaboração das propostas para que já se considere o componente político na elaboração das propostas", afirmou.
Sobre o fim do chamado "toma lá, dá cá", o deputado eleito afirma que o desafio é do Brasil inteiro.
"Como é o País inteiro que tem ânsia por isso, a gente imagina que, embora seja desafiador, existe uma predisposição de todos, inclusive dos parlamentares", disse ele, que vai liderar uma bancada de 52 deputados, a segunda maior da Câmara, atrás apenas do PT, com 56.
Ao site BR18, do Grupo Estado, Rodrigo Maia (DEM-RJ), atual presidente da Câmara, afirmou que considera o deputado uma "pessoa preparada".
Confira abaixo a avaliação de dois cientistas políticos sobre o assunto. Primeiro, as respostas de Roberto Romano, filósofo e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e, depois, de Humberto Dantas, doutor em ciência política e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas e da Uninove.
O que significa a nomeação de um deputado federal que não tem experiência prévia na Casa?
Roberto Romano: É um erro frequentemente cometido por governantes e partidos com inclinação autoritária. Um exemplo à esquerda é a ex-presidente Dilma Rousseff, que nomeou como chefe da Casa Civil pessoas que não tinham habilidade no trato com seus pares no Congresso Nacional. Isso ajudou a piorar a sua situação. Em relação a essa indicação, é preciso lembrar que o Congresso Nacional não é como as Forças Armadas, não funciona na base de ordens dadas e recebidas.
Humberto Dantas: Me parece um risco que o governo Bolsonaro corre sob o discurso de uma nova forma de tratar o Congresso. A falta de habilidade do líder do governo é algo sensível. Por outro lado, um líder inexperiente pode representar o fortalecimento de outros agentes, como o próprio presidente da Câmara, que provavelmente será Rodrigo Maia, que tenta a reeleição. Bolsonaro e Maia andaram se aproximando nos últimos dias, o PSL anunciou apoio a ele. Então, pode fortalecer a figura do articulador do governo.
Quais as consequências dessa escolha?
Roberto Romano: Esse político vai ter de aprender muito rapidamente a tratar com a realidade nova que vai enfrentar, ou trará mais problemas para o governo do que soluções. Pode trazer embaraços para o governo junto ao Congresso. E esse aprendizado intensivo é muito difícil. Para um cargo como esse, é preciso muita diplomacia, persuasão, carisma e também escrutínio. E, além de tudo, liderança para liderar pessoas com a mesma função que ele. Será preciso conhecer profundamente os projetos apresentados e os interesses contraditórios no plenário.
Humberto Dantas: Entendo que seja apenas a questão da inexperiência. Não vejo problema em ser militar, está tudo dentro do esperado, estranho seria se fosse um ativista de uma ONG. Mas acredito que a escolha faz parte de uma negociação maior e envolve trocas que, de uma forma ou de outra, serão feitas.
Como a Câmara dos Deputados deve reagir a essa nomeação?
Roberto Romano: É aquela conhecida tática de "levar com a barriga". Resistir sem dar muita evidência de que está resistindo. E sobre isso temos uma longuíssima tradição de relacionamento entre os presidentes e o Congresso. São inúmeros projetos de lei que pouco a pouco foram sendo engavetados, distorcidos, de modo que não haja um choque violento e os alvos do Executivo não sejam cumpridos integralmente. Além disso, se por um acaso ele não cumprir bem sua função, vem o processo de "fritamento". Embora chegue até esse cargo importante, ele pode ser "frito" tanto pelo Executivo quanto pelos próprios cargos. Vários políticos da onda vitoriosa estão de olho num cargo como esse.
Humberto Dantas: As figuras mais experientes da Câmara sabem bem que a escolha faz parte de algo maior. Ninguém ali nasceu ontem. Há uma probabilidade de ele ser engolido pelas agendas, pelo modo de trabalhar da Casa, ou estamos diante do desvendar de um grande novo líder. Mas, sem desmerecer a figura, a Câmara é muito complexa para um marinheiro de primeira viagem liderar um governo. Além disso, precisamos ver qual o perfil de comunicação desse deputado para ele não cometer nenhum tipo de equívoco que possa colocar o governo em maus lençóis ou trazer desconfortos. É preciso avaliar se ele será um soldado do governo ou um general das redes sociais.