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Escândalo da FIFA revela poder de Hawilla sobre o futebol

O poder de José Hawilla sobre o futebol brasileiro parecia insuperável. Agora, ele é um dos personagens principais envolvendo dirigentes e executivos da FIFA


	José Hawilla: ele detalhou para promotores dos EUA como se tornou peça central na distribuição de mais de US$ 100 milhões em propinas
 (Arquivo/EXAME)

José Hawilla: ele detalhou para promotores dos EUA como se tornou peça central na distribuição de mais de US$ 100 milhões em propinas (Arquivo/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 2 de junho de 2015 às 18h08.

O poder de José Hawilla sobre o futebol brasileiro parecia insuperável, tanto que o jornal O Globo, o maior do Rio de Janeiro, o chamou de “dono do futebol brasileiro”.

Durante décadas ele lucrou por meio de sua empresa de marketing, a Traffic Group, intermediando acordos de transmissão para os maiores torneios latino-americanos e contratos de patrocínio entre a Seleção Brasileira e empresas como Nike Inc. e Coca-Cola Co.

Ele também recebia uma parcela dos ganhos de jovens jogadores que ele preparava no Brasil para jogar na Europa e era dono de times de futebol em três continentes.

“Não é segredo que a compra e venda de direitos de mídia para os torneios é onde a maior parte do dinheiro rola”, disse Davi Bertoncello, presidente da Hello Group, uma agência de pesquisa de mercado, inteligência e marketing esportivo.

“Hawilla era dono da empresa que detinha os direitos de transmissão dos maiores torneios, razão pela qual ele era uma das personalidades mais importantes do esporte”.

Agora, Hawilla, de 71 anos, é um dos personagens principais do escândalo da FIFA, que envolve 14 dirigentes e executivos globais do futebol.

Ele detalhou para promotores dos EUA como se tornou peça central na distribuição de mais de US$ 100 milhões em propinas para garantir direitos comerciais e fechou um acordo para devolver US$ 151 milhões. Ele também terá que vender a Traffic, segundo documentos judiciais.

Superando Pelé

Hawilla, filho de proprietários de uma fábrica de lácteos do estado de São Paulo, iniciou seu império com 30 carrinhos de cachorro-quente. Ele construiu esse negócio após ser afastado de seu emprego de repórter esportivo na TV Globo.

Em 1980, ele comprou a Traffic, uma empresa que vendia publicidade para pontos de ônibus. Sete anos depois, ele conseguiu um contrato para comercialização dos direitos de televisão e de patrocínio de uma das maiores competições do futebol internacional, a Copa América, intermediando um acordo com a CBF, que gerencia a Seleção Brasileira.

Seu domínio no futebol possibilitou que ele superasse até mesmo Pelé, campeão de três Copas do Mundo com o Brasil, que perdeu um contrato de transmissão de um torneio brasileiro nos anos 1990 para a Traffic.

Na fase mais recente de sua carreira, Hawilla se transformou em um recurso dos promotores na investigação, usando uma escuta durante uma reunião em Miami, em maio, na qual teriam sido acertadas as propinas para a Copa América, que será realizada neste ano no Chile, segundo documentos judiciais.

Os advogados de Hawilla nos EUA e no Brasil não responderam aos pedidos de comentário feitos por telefone e e-mail. Seu advogado brasileiro, José Luís Oliveira Lima, disse que Hawilla continua livre nos EUA após declarar-se culpado e está cooperando com a investigação.

Inquérito de 2001

Hawilla transformou parte de suas comissões para patrocínios e acordos de transmissão em propinas para autoridades do futebol no Brasil e em outras partes, segundo declarações aos investigadores em sua confissão, anunciada na semana passada pelo Departamento de Justiça dos EUA.

Ele foi um dos quatro réus denunciados nas 47 acusações divulgadas no dia 27 de maio contra nove dirigentes e cinco executivos da FIFA por extorsão, fraude e conspirações para lavagem de dinheiro, entre outros delitos.

A investigação surge após a crescente irritação no Brasil em relação à corrupção em torno da Copa do Mundo de 2014. A indignação pelo uso de dinheiro público para construção de estádios para a Copa do Mundo provocou os maiores protestos de rua do Brasil em duas décadas em 2013.

Uma investigação a respeito de um escândalo de corrupção na companhia petrolífera estatal, a Petrobras -- que envolveu as empresas que construíram os estádios da Copa do Mundo --, manteve a pressão sobre a presidente Dilma Rousseff com protestos e pedidos de impeachment.

A acusação dos promotores dos EUA não foi a primeira vez que as autoridades voltaram o foco para Hawilla. Ele foi chamado em 2001 para depor no Brasil em uma comissão parlamentar de inquérito sobre a CBF, o órgão que gerencia a Seleção Brasileira. O inquérito não resultou em nenhuma acusação.

Durante o interrogatório, foi revelado que sua empresa tinha uma receita anual de US$ 262 milhões na época e que Hawilla havia negociado um corte de 20 por cento no contrato da Coca-Cola com a Seleção Brasileira em 1994 e uma comissão de 5 por cento sobre o contrato de patrocínio de US$ 369 milhões e 14 anos da Nike com a equipe, em 1996.

Hawilla pagou metade do dinheiro que obteve em um patrocínio de material esportivo, em 1996, para um dirigente não identificado da CBF, segundo documentos judiciais.

A Coca-Cola e a Nike não foram citadas na acusação. Porta-vozes das empresas não responderam imediatamente aos pedidos de comentário.

Quando, em 2001, os parlamentares perguntaram a ele como ganhava dinheiro em um momento em que a Seleção Brasileira passava por problemas financeiros, ele disse que suas operações no Brasil não eram tão lucrativas -- 98 por cento de suas receitas vinham de outros países.

Emissora de TV

“Nós não somos ricos, nem nossa empresa é rica”, disse Hawilla na época.

“O contrato com a CBF, depois mais amplo, ele foi muito importante pra nossa empresa internacionalmente. Embora financeiramente não tenha sido um bom contrato, um ótimo contrato pra nós, ele institucionalmente foi muito importante, porque a Seleção Brasileira, todos nós sabemos, é famosa no mundo inteiro”.

Um porta-voz da CBF não respondeu imediatamente a um pedido de comentário.

Com base na receita estimada da Traffic, em seus interesses imobiliários e em sua situação de caixa, Hawilla pode ter sido um bilionário em sua época de auge -- pelo menos em reais.

O Departamento de Justiça dos EUA poderá ir atrás de seus outros ativos se ele não puder vender a Traffic pelo preço-meta de US$ 126,7 milhões, segundo documentos judiciais.

Em São José do Rio Preto, sua cidade natal, no estado de São Paulo, a família de Hawilla é dona do empreendimento imobiliário Georgina Park e do empreendimento residencial Quinta do Golfe, cada qual avaliado em centenas de milhões de reais, segundo a imprensa local.

Seu filho Rafael, diretor da incorporadora do Georgina Park, não respondeu a um pedido de comentário feito por telefone.

Hawilla também é acionista da TV Tem, uma rede de emissoras de TV no interior do estado de São Paulo afiliadas à Globo, a empresa de comunicação da bilionária família Marinho.

Jovens talentos

Em 2005, Hawilla iniciou um novo empreendimento, o Desportivo Brasil, que prepara jovens talentos para clubes profissionais do Brasil e do exterior, deixando para a Traffic uma fatia de seus futuros salários.

Segundo esse acordo com os promotores dos EUA, Hawilla terá que vender o Desportivo Brasil juntamente com a Traffic.

Mas nem tudo está perdido. Se ele conseguir vender a Traffic por um valor superior ao preço-meta de US$ 126,7 milhões, o Departamento de Justiça dos EUA permitirá que ele fique com 25 por cento do montante acima desse valor.

O dono do futebol brasileiro sempre consegue sua fatia.

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