'Pejotização': O STF suspende processos sobre vínculo trabalhista envolvendo pessoas jurídicas até definição de novas regras (Marcelo Camargo/Agência Brasil)
Agência de notícias
Publicado em 15 de abril de 2025 às 07h37.
A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de suspender todos os processos do país que tratam da validade da chamada "pejotização", tomada nesta segunda-feira, tem como objetivo uniformizar um entendimento sobre o tema, que tem gerado uma série de ações judiciais. A discussão afeta diversas categorias de trabalhadores, incluindo os que atuam como microempreendedores individuais (MEIs).
No ano passado, a Justiça recebeu pelo menos 285.055 processos sobre reconhecimento de relação de emprego, de acordo com dados compilados pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST). Neste ano, até o fim de fevereiro, já foram 53.678 ações. Mas a conta é imprecisa porque, em alguns casos, o processo tem outros assuntos como tema, o que dificulta as estatísticas.
A "pejotização" ocorre quando o trabalhador atua como pessoa jurídica (PJ) para prestar serviço a uma empresa. Em muitos casos, os contratados recorrem a Justiça alegando que sua relação de trabalho era estável e que, por isso, precisa ser reconhecido um vínculo trabalhista, e não apenas a prestação eventual de serviços.
A suspensão dos processos vale até que o STF defina regras sobre o tema, o que não tem data para ocorrer.
Os demais ministros vão decidir sobre três questões: a validade da contratação de trabalhador autônomo ou de pessoa jurídica para a prestação de serviços, a competência da Justiça do Trabalho para analisar possíveis fraudes nesses processos e a quem cabe provar a possível fraude, o trabalhador ou o contratante.
"Estão suspensos na Justiça do Trabalho até que que se defina de quem é a competência para julgar e de quem é o papel de provar (uma fraude). São questões importantíssimas que nenhum juiz, nenhum tribunal pode se debruçar sem que antes seja dado o norte do Supremo Tribunal Federal", explica o advogado Jorge Matsumoto, sócio do Bichara Advogados.
Na decisão desta segunda-feira, Gilmar Mendes argumentou que a Justiça trabalhista tem realizado um "descumprimento sistemático da orientação" do STF sobre esse tema, o que estaria gerando um "cenário de grande insegurança jurídica" e um "aumento expressivo do volume" de ações na Corte sobre essas situações.
Até agora, o STF vinha analisando os casos de “pejotização” com base em um julgamento de 2018 que considerou válida a “terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas”. A “pejotização” seria uma dessas formas de contrato permitidas.
Mauricio Corrêa da Veiga, advogado trabalhista e sócio do Corrêa da Veiga Advogados, afirma que a suspensão envolve qualquer ação judicial que discuta a contratação por meio de uma pessoa jurídica, o que inclui os MEIs.
"São as profissões e as atividades ali das mais variadas possíveis. Basta ter uma discussão de uma contratação através de uma pessoa jurídica que pronto, está dentro desse guarda-chuva dessa decisão do ministro Gilmar Mendes", avalia Veiga.
A ação que está sendo analisada começou a tramitar em 2020, quando um corretor pediu que fosse reconhecido seu vínculo de trabalho com uma seguradora. Entre 2015 e 2020, ele teve um contrato para atuar como corretor de seguros, com remuneração média mensal de R$ 16 mil, entre pagamentos fixos e comissões.
Inicialmente, o pedido foi negado na primeira instância, em 2021. A juíza Patrícia Poli, da 14ª Vara do Trabalho de Curitiba, alegou que ele não recebeu oferta de uma "uma vaga de emprego, mas sim, um contrato de franquia de corretagem", e que por isso não seria empregado, mas sim "parceiro na comercialização de produtos".
No mesmo ano, a decisão foi revista pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (TRT-9), que considerou que houve vínculo de trabalho. O relator, desembargador Luiz Alves, afirmou que a relação entre o corretor e a seguradora ocorria "de forma subordinada, mediante pessoalidade, de forma onerosa e habitual".
Em 2023, houve uma nova reviravolta, com o ministro Alexandre Luiz Ramos, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), retomando a sentença da primeira instância. Para Ramos, o TRT-9 desrespeitou o entendimento do STF sobre a validade da terceirização. A decisão foi mantida pela Quarta Turma do TST.
No início deste ano, um recurso do corretor chegou ao STF. Gilmar Mendes chegou a rejeitar o pedido. Entretanto, depois reconsiderou sua posição e defendeu o reconhecimento da repercussão geral do caso, que contribuiria para a "pacificação da questão".
A repercussão geral foi aprovada pelos demais ministros em um julgamento encerrado na sexta-feira. Apenas Edson Fachin foi contrário. Isso significa que a tese que for definida deverá ser seguida em todos os casos semelhantes.
Quando um processo tem sua repercussão geral reconhecida, cabe ao relator analisar se há ou não a necessidade de suspensão das ações relacionadas. Na decisão desta segunda-feira, Gilmar Mendes considerou que a medida "impedirá a multiplicação de decisões divergentes sobre a matéria, privilegiando o princípio da segurança jurídica e desafogando o STF".