Bolsonaristas queimaram carros e tentaram invadir a sede da Polícia Federal em Brasília no final da noite de segunda-feira, 12 (WILTON JUNIOR/Estadão Conteúdo)
Agência O Globo
Publicado em 10 de janeiro de 2023 às 09h29.
Última atualização em 10 de janeiro de 2023 às 10h39.
Os ataques às sedes dos três Poderes da República neste domingo expuseram um conjunto de falhas das forças de segurança. Elas vão desde a falta de planejamento para se precaver de uma investida anunciada a indícios de omissão por parte do governador Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), afastado do cargo por ordem de Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
O ministro da Justiça, Flávio Dino, classificou o episódio de “capitólio brasileiro” e avaliou que uma mudança promovida pelo governo do DF no esquema de segurança planejado reduziu o número de policiais militares mobilizados e facilitou o acesso do golpistas à Praça dos Três Poderes.
O próprio Dino e o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, porém, também cometeram erros que contribuíram para o desfecho, na avaliação inclusive de petistas.
Dino declarou ontem que, inicialmente, estava prevista a instalação de barreiras na Esplanada dos Ministérios para impedir o acesso à Praça dos Três Poderes. De acordo com ele, de última hora, o governo do DF decidiu liberar a passagem dos golpistas até as proximidades do Congresso. Apenas o fluxo de veículos foi interrompido.
— Isso ensejou para que essas pessoas descessem a Esplanada e, em seguida, houve o descontrole — afirmou Dino.
O GLOBO presenciou a chegada de bolsonaristas radicais ao gramado em frente ao Congresso. Um contingente pequeno de policiais estava posicionado local e não foi capaz de impedir a multidão de invadir e depredar as dependências da Câmara e do Senado. O roteiro se repetiu no Palácio do Planalto e no STF.
Outra ocorrência indica que houve negligência das autoridades na capital federal. Na manhã de domingo, horas antes dos ataques, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) emitiu um alerta à secretaria de Segurança do DF, entre outros órgãos, de que bolsonaristas radicais planejavam promover atos violentos. Os agentes identificaram que golpistas acampados em frente ao QG do Exército em Brasília estavam fazendo convocações para uma invasão ao Congresso.
Um relato do presidente do Senado em exercício, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), reforça as mesmas suspeitas. Ele afirmou ter sido procurado, na manhã de domingo, por integrantes da Polícia Legislativa preocupados com o deslocamento de manifestantes à Esplanada. O senador disse que entrou em contato com o secretário da Casa Civil do Distrito Federal, Gustavo Rocha, que o tranquilizou:
— Recebi a informação de que não deveríamos nos preocupar, porque a situação estava plenamente sob controle.
O GLOBO procurou Rocha para comentar a afirmação, mas ele não retornou os contatos. A secretaria de Segurança do DF também não se manifestou sobre as acusações feitas por Dino.
No despacho em que determinou o afastamento de Ibaneis, publicado nas primeiras horas de segunda-feira, o ministro do STF Alexandre de Moraes foi categórico ao afirmar que houve “participação efetiva” de autoridades de segurança e inteligência no episódio que culminou na destruição do patrimônio público. “A omissão e conivência de diversas autoridades da área de segurança e inteligência ficaram demonstradas com a ausência do necessário policiamento, em especial do Comando de Choque da Polícia Militar do Distrito Federal”, escreveu.
Os ataques golpistas deram origem a outras frentes de apuração. O Ministério Público Federal no DF instaurou um procedimento para investigar as suspeitas de omissão do comando da PM e de crimes contra o Estado democrático. Os investigadores requisitaram dados sobre o efetivo policial empregado e as orientações transmitidas à tropa, para verificar se há indícios de irregularidades.
Embora o ônus político tenha recaído majoritariamente sobre Ibaneis Rocha, lideranças petistas com trânsito no Planalto avaliam que tanto o ministro da Defesa, José Múcio, quanto Flávio Dino saíram com as imagens chamuscadas pelo ataques terroristas. Múcio classificou os acampamentos bolsonaristas, de onde partiram as investidas, como “manifestações democráticas”. Em outra ocasião, sustentou que os atos estavam perdendo força.
Sobre Dino há desconfiança de que ele falhou ao confiar na palavra e no plano de segurança de Ibaneis, um dos governadores que tinham boas relações com Bolsonaro. Além disso, na entrevista de ontem, o ministro da Justiça admitiu que só havia 140 agentes da Força Nacional disponíveis para complementar o esquema de segurança. O restante do contingente, cerca de 500 homens, estava em missões em outros estados.
Imagens que circularam em redes sociais mostram cenas reveladoras d a atuação das forças de segurança. Diferentes vídeos exibem policiais militares imóveis diante do avanço dos golpistas, inclusive na entrada do Congresso Nacional. Outros revelam PMs discutindo dentro do Planalto sobre prender ou não terroristas.
Questionado pelo GLOBO, a secretaria de segurança da capital não informou a quantidade de policiais que atuaram no domingo. O Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) e o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), responsáveis pelo Planalto, também não informaram o contingente disponível no domingo. O STF disse apenas que destacou todos os seus agentes para trabalhar no domingo, mas sem esclarecer quantos eram. Já a Polícia Legislativa do Senado informou que empregou a totalidade do seu efetivo, de 60 homens, enquanto a polícia da Câmara disse que tinha cem agentes no local.
O presidente do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Cássio Thyon, avalia que as forças de segurança subestimaram a capacidade dos extremistas.
— Quando um evento desse dá errado, há falha. Como as forças de segurança agiram nos acampamentos de uma forma menos repressora do que deviam, provocou no imaginário dos manifestantes a ilusão de que eles teriam apoio dos militares — afirmou.
Sucessão de falhas permitiu que grupo terrorista provocasse dia de caos em Brasília
Ainda no sábado, o ministro da Justiça disse ter se reunido com a PF e a PRF para discutir providências em relação à movimentação de manifestantes em direção à Brasília. Na ocasião, já havia a informação que mais de 100 ônibus se dirigiam à capital federal. Não houve, porém, qualquer medida para evitar que bolsonaristas voltassem a se concentrar em frente ao QG do Exército.
O planejamento inicial do governo do Distrito Federal previa proibir o acesso de manifestantes à Esplanada dos Ministérios, como forma de evitar que chegassem próximos aos prédios públicos. Segundo Dino, porém, o plano foi alterado no sábado, sem que o governo federal tivesse sido informado, com barreiras montadas apenas nas áreas já próximas à Praça dos Três Poderes, onde ficam os prédios do Congresso, Supremo Tribunal Federal e Palácio do Planalto.
Horas antes de bolsonaristas deixarem a área do QG do Exército e partirem em direção à Esplanada dos Ministérios, a Abin enviou relatório aos órgãos de segurança alertando que o grupo planejava depredar o patrimônio público e promover atos violentos nas sedes dos Três Poderes.Dentre os órgãos que receberam o alerta estava a Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal.
Policiais militares responsáveis pela segurança demonstraram pouco ou nenhuma resistência diante das primeiras investidas do grupo para atravessar as barreiras. Um dos vídeos gravados no dia mostra que um policial chega a jogar spray de pimenta para dispersar a multidão, mas logo desiste e se afasta. Imagens mostram policiais conversando, tirando fotos e até orientando a entrada de terroristas nos prédios públicos.
Convocada para reforçar a segurança no domingo, a Força Nacional contava com um pequeno contigente de agentes no domingo. Segundo Dino, apenas 140 agentes estavam em Brasília, o que serviiria apenas para complementar o policiamento feito pela PM-DF.
Diante da movimentação de bolsonaristas desde a véspera, o presidente do Senado em exercício, Veneziano Vital do Rêgo (MDB-RN), disse ter procurado integrantes do governo do Distrito Federal para relatar sua preocupação e saber se precisaria reforçar a segurança. A resposta, segundo ele, foi que a situação estava controlada e que não havia motivo para preocupação
Além do governador Ibaneis Rocha, afastado do cargo e que deve ser investigado pela PGR, o episódio colocou em xeque também o ministro da Justiça, Flávio Dino, e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Marco Edson Gonçalves Dias, responsáveis pela área de segurança do governo federal.
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