Brasil

Ensino no Brasil não prepara crianças para mundo do trabalho com IA, diz executivo do B20

Segundo Walter Schalka, desafio é ainda maior no país porque depende da requalificação de professores, de ensino integral e da digitalização das escolas

Walter Schalka: executivo defende que governo gaste melhor os recursos investidos na educação para melhorar a formação de crianças e jovens (Patricia Monteiro/Getty Images)

Walter Schalka: executivo defende que governo gaste melhor os recursos investidos na educação para melhorar a formação de crianças e jovens (Patricia Monteiro/Getty Images)

Antonio Temóteo
Antonio Temóteo

Repórter especial de Macroeconomia

Publicado em 20 de setembro de 2024 às 11h59.

Última atualização em 20 de setembro de 2024 às 12h01.

Tudo sobreEducação
Saiba mais

As crianças e os jovens que estão nas escolas brasileiras em 2024 não têm sido preparados para o mundo do trabalho daqui a 10 anos, em que a inteligência artificial será cada vez mais presente. Parte da solução para o problema depende de ensino integral, da digitalização dos colégios e da requalificação dos professores. As afirmações são de Walter Schalka, membro do conselho de administração da Suzano e coordenador da força-tarefa de Emprego e Educação do Business 20 (B20), em entrevista exclusiva à EXAME.

O B20 conecta a comunidade empresarial aos governos do G20, cujo encontro acontece em novembro no Rio de Janeiro. O grupo, que envolve cerca de 1200 empresários e representantes setoriais e é coordenado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), tem por objetivo propor ao grupo das 20 maiores economias do mundo recomendações de políticas elaboradas por diferentes forças-tarefa, que se reúnem virtualmente durante o ano da presidência.

“Vai haver uma mudança significativa da atuação do trabalho no futuro. Existem algumas tendências globais que são muito claras. A primeira questão é a da inteligência artificial, que vai mudar a situação do trabalho ao longo do tempo”, afirmou Schalka.

Segundo ele, o Brasil gasta mais de China e da Europa, em percentual do Produto Interno Bruto (PIB), com educação, mas a qualidade de ensino é inferior a desses países. “O Brasil tem que passar por uma reforma administrativa. O estado brasileiro é muito ineficiente. O Brasil gata mal o dinheiro que tem. O percentual do PIB [Produto Interno Bruto] gasto no Brasil com educação é maior que o da China e o da Europa. E a qualidade da educação deveria ser equivalente, mas não é. O estado é ineficiente. O desafio é gastar melhor”, disse.

Leia abaixo a entrevista completa.

Qual é a realidade do mundo do trabalho no Brasil e no demais países do G20? Estamos preparados para o novo mundo do trabalho?

Vai haver uma mudança significativa da atuação do trabalho no futuro. Há algumas tendências globais muito claras. A primeira questão é a da inteligência artificial, que vai mudar a situação do trabalho ao longo do tempo. E outras questões importantes também vão mudar as variáveis de trabalho decorrentes dessas tendências. São questões geopolíticas e a questão ambiental — em função das crises climáticas e da necessidade de descarbonização. E essas tendências levam a uma mudança do perfil do trabalho e da educação. A educação de hoje é uma educação baseada na economia de 10, 15 anos atrás. Só que a criança que entra hoje na escola trabalhará daqui a 15 anos. O mundo será completamente diferente. Há uma defasagem entre o sistema de educação e a velocidade de transformação do mundo.

Quais as recomendações do B20 para mudar essa realidade?

As recomendações são de aceleração nas mudanças do processo de educação. Uma mudança com foco na força de trabalho, preparando as pessoas para um mundo diferente daqui a alguns anos.

E como é possível acelerar essa transformação, de maneira prática?

O Brasil tem um sistema uma de educação universalizado, que atinge todos os jovens e crianças, mas de baixa qualidade. Dois fatores afetam positivamente a qualidade da educação. O primeiro ponto são escolas em período integral. As crianças e jovens têm um processo de aprendizado mais rico e profundo. E o segundo ponto tem relação com a digitalização das escolas. Isso é fundamental para preparar crianças e jovens para o mundo do trabalho no futuro. Essas questões devem ser alteradas no Brasil. Sob a ótica global há outas questões. A primeira tem relação com trabalhos técnicos. A minha geração foi formada para estar na universidade. Entretanto, um engenheiro em uma obra ganha menos que um soldador. Os trabalhos técnicos foram largados e pouca gente quer. Temos que investir na formação técnica das pessoas. Outro ponto, do ponto de vista global, tem relação com a inserção da mulher no mercado de trabalho. A mulher representa pouco mais de 50% da população, mas está em percentuais muito menores no mercado de trabalho e em postos de liderança. Em uma geração precisamos inserir as mulheres no mercado de trabalho e levá-las a atingir 50% dos postos de liderança. Temos que fazer isso acontecer. Entretanto, há barreiras culturais em várias regiões do mundo.

E quais são os desafios para transformar a educação no Brasil?

No Brasil, precisamos começar mudando a educação básica, passando a ser na totalidade integral e inserindo a questão digital no dia a dia das escolas. Mas isso traz um desafio que será retreinar os professores. Temos milhões de professores com formação inadequada e ter que retreinar esse contingente para pensar sobre o futuro vai demorar muito tempo. O país não consegue mudar essa dinâmica se o professor pensa com a cabeça do fim do século 19 e início do século 20.

Como será possível bancar essa transformação digital e de ensino integral?

O Brasil tem que passar por uma reforma administrativa. O Estado brasileiro é muito ineficiente. O Brasil gasta mal o dinheiro que tem. O percentual do PIB [Produto Interno Bruto] gasto no Brasil com educação é maior que o da China e o da Europa. E a qualidade da educação deveria ser equivalente, mas não é. O estado é ineficiente. O desafio é gastar melhor.

No Brasil, culturalmente, o ensino técnico é pouco valorizado. O sonho das famílias é a universidade. Como mudar isso?

Outro dia estava falando com um grande médico brasileiro que me disse que muitos médicos não têm boa formação. E a inteligência artificial vai “matar” esses médicos mau formados. Para ele, a inteligência artificial disponível no mundo já faz diagnósticos melhores que a média dos médicos. Os médicos sem boa formação não terão espaço. Sempre achamos, enquanto sociedade, que o objetivo era colocar muita gente nas universidades. Não deve ser esse só esse. Precisamos de grandes escolas técnicas e de tecnologia. Muito se fala da tecnologia da informação, mas o Brasil já perdeu essa onda e não é relevante nesse setor. A próxima onda é da biotecnologia. O Brasil perdeu a primeira onda na TI e não é relevante. Temos que tentar buscar a onda da biotecnologia e podemos ter um protagonismo maior nesse setor. Temos excelentes escolas de medicina e precisamos investir em biomedicina humana. Temos que adaptar a educação e formação das pessoas para o novo mundo.

Como as mudanças climáticas aceleram esse processo?

Na crise climática vamos ter que fazer uma aceleração do processo de descarbonização. Precisamos de tecnologias e gente preparada. Precisamos de educação de qualidade e de formar cientistas que consigam criar tecnologias para reduzir rapidamente o custo de produção de energia renovável. Também precisaremos desenvolver uma tecnologia fundamental para endereçar o problema da “produção” de lixo global. O mundo do trabalho mudará rapidamente.

E como enfrentar os problemas que já existem atualmente como os incêndios no Brasil?

É óbvio que o Brasil e o mundo não podem viver apagando incêndios. O mundo tem mais secas, mais incêndios, mais furacões, mais enchentes e a gente fica sempre resolvendo a consequência do problema. Precisamos resolver a origem do problema. Precisamos de soluções estruturantes e isso vai demandar educação, tecnologia e trabalho.

Mas como enfrentar essas questões educacionais, do mundo do trabalho e de problemas climáticos em um mundo polarizado e menos integrado economicamente?

O nearshoring é uma tendência natural. Isso pode afetar muito a questão de custo de produção, de inflação e de demanda de trabalho. Ao longo desse processo de globalização, as empresas que demandam muita mão de obra foram, gradativamente, se movendo para áreas de custo mais baixo de mão de obra. Isso representou uma desinflação no mundo, mas, nesse momento, as pessoas estão menos preocupadas com inflação e estão mais preocupadas com a segurança institucional do país. E para fazer isso prefiro fazer o nearshoring. Isso muda as condições de trabalho. Regiões que antes demandavam muito trabalho e podem se tornar regiões em que vai faltar trabalho. É possível que várias atividades que existem hoje desapareçam. Essa dinâmica vai mudando muito ao longo do tempo.

Esse movimento de deslocamento de produção e de mão de obra resultará em inflação?

A indústria como um todo no mundo foi ganhando competividade e repassando a competitividade para o consumidor, na forma de preços mais baixos. Nesse momento, nteremos uma inflação de custos e não de demanda por essa questão de realocação global de ativos.

Acompanhe tudo sobre:EducaçãoMercado de trabalho

Mais de Brasil

STF rejeita recurso e mantém pena de Collor após condenação na Lava-Jato

O que abre e o que fecha em SP no feriado de 15 de novembro

Zema propõe privatizações da Cemig e Copasa e deve enfrentar resistência

Lula discute atentado com ministros; governo vê conexão com episódios iniciados na campanha de 2022