Parque Olímpico da Barra: Comitê Olímpico Internacional acompanha de perto desdobramentos da crise política no Brasil. (Autoridade Pública Olímpica/Flickr/Divulgação)
Da Redação
Publicado em 23 de março de 2016 às 18h26.
Em 2 de outubro de 2009, o então presidente Lula chorou de alegria em Copenhague: a cidade do Rio acabava de se tornar a sede dos Jogos Olímpicos 2016, e o Brasil aproveitava os louros de sua boa fase.
O tempo passou e, agora, em um país em crise, poucos se lembram de que, em 135 dias, a chama olímpica chegará ao Maracanã.
No momento em as bases do poder brasileiro tremem várias vezes por dia, os cidadãos concentram sua atenção no suspense político que tomou conta do país.
Não há espaço nos jornais para as primeiras Olimpíadas da América do Sul, quando sequer se atreve a especular quem será o presidente na cerimônia de abertura do evento, em 5 de agosto.
"Os Jogos vão se realizar, mas, depois desses dias de grande instabilidade, parece que não fazem parte da atualidade, e as consequências comerciais disso são muito sérias", disse à AFP a professora Katia Rubio, da Escola de Educação Física da Universidade de São Paulo (USP).
"As empresas que investiram no projeto olímpico veem suas estratégias prejudicadas, já que não tem quem queira levar adiante, neste momento, questões relacionadas com as Olimpíadas, porque, diante da gravidade da crise, agora parecem coisa de criança", completou.
Assustada com a velocidade dos acontecimentos no Brasil e com a lembrança ainda fresca das manifestações multitudinárias durante a Copa da Confederações de 2013, a Nike decidiu anular nesta quinta-feira seu evento de apresentação do novo uniforme da "Seleção" no Rio de Janeiro.
Ontem, milhares de brasileiros voltaram às ruas para pedir a renúncia da presidente Dilma Rousseff, subindo ainda mais a temperatura de um país que vem há meses acalentando sua indignação - seja ela antigoverno, seja contra o "golpe" da direita denunciado pelo PT e por sua militância.
"Na época da Copa do Mundo, sentia-se uma rejeição muito maior. Os movimentos eram mais intensos, porque se misturaram com outras reivindicações. Agora, existe a dúvida do que pode acontecer se esta indefinição política perdurar até mais perto dos Jogos, e se isso pode se traduzir em manifestações contra o evento", disse à AFP o jornalista esportivo Marcelo Laguna, do "Lance!", que cobre Olimpíadas desde os Jogos de Los Angeles, em 1984.
Apesar de confiante em que o Brasil organizará Jogos "memoráveis", o Comitê Olímpico Internacional (COI) não deixa de acompanhar minuto a minuto a evolução em Brasília. Especialmente agora, que um Senado em ebulição deve aprovar a Lei Geral das Olimpíadas.
Os organizadores insistem, porém, em que os Jogos são um "evento esportivo" e que o Comitê Rio-2016 trabalha com recursos "100% privados".
"Embora a situação política atual no Brasil esteja atraindo muita atenção, o Comitê Organizador continua funcionando como sempre e trabalhando dia a dia nos preparativos", disse um porta-voz à AFP.
A possibilidade existe, porém, de que, ao chegar a Brasília em 3 de maio, a tocha olímpica aterrisse em uma capital em pleno processo de impeachment da presidente Dilma.
Com o tabuleiro político em xeque, a confusão também chegou ao Ministério dos Esportes. Como vem acontecendo ao longo da crise, a permanência de George Hilton à frente dessa pasta estratégica se tornou uma corrida surreal de idas e vindas, com mudanças de partido, desmentidos e informações confusas.
Do epicentro do terremoto político, aquele dia em Copenhague parece agora mais longe do que nunca, tão distante quando aquele discurso memorável, com o qual Lula seduziu os membros do COI há seis anos e meio. Apenas algumas horas depois, Rio seria escolhida sede dos Jogos 2016, derrotando Madri, Tóquio e Chicago.
"O Brasil vive um excelente momento. Trabalhamos muito nas últimas décadas. Temos uma economia organizada e pujante, que enfrentou sem sobressaltos a crise que ainda assola tantas nações (...) O Rio está pronto. Os que nos derem esta chance não se arrependerão", prometeu Lula, na sessão de apresentação da Candidatura Rio 2016 ao COI, na capital dinamarquesa.
Na época, ninguém antecipava que os sobressaltos, aos quais o então presidente Lula se referia, tomariam o país em seu ano olímpico. Difícil imaginar que a brilhante estrela de Lula acabaria ofuscada por um gigantesco escândalo de corrupção, que o colocou em um inesperado limbo entre o retorno ao governo e a Justiça.
Outros convidados indesejados também se somaram à festa olímpica do Rio, assustando a comunidade internacional, como a dura crise econômica que levou o país a sua pior recessão em quase um século, ou ainda, o surto de vírus zika.
Com o gigante inclinado, apenas em 21 de agosto, quando a chama olímpica se apagar, é que se verá se aqueles aos quais Lula se dirigiu se arrependeram - ou não.