Escola sem Partido: projeto restringiria a liberdade pedagógica dos professores em sala de aula (iStock/Thinkstock)
Clara Cerioni
Publicado em 2 de dezembro de 2018 às 11h00.
Última atualização em 2 de dezembro de 2018 às 13h10.
São Paulo — A ameaça à liberdade pedagógica nas escolas brasileiras, com a disseminação do "Escola sem Partido", levou um grupo de entidades de Educação e de Direitos Humanos a elaborar um manual de orientação para professores e instituições de ensino sobre como se defender da censura e das perseguições.
Lançado nesta semana, o "Manual de Defesa contra a Censura nas Escolas" reúne, em 173 páginas, as estratégias pedagógicas e jurídicas que resguardam a atuação dos professores dentro das salas de aula no país.
"A defesa aqui proposta tem duas dimensões complementares: a primeira compreende o conjunto de estratégias e medidas específicas pensadas como respostas às agressões concretas; a segunda valoriza o debate público sobre essas situações como forma de enfrentamento de um conflito social gerado pela manipulação das ideias", diz um trecho do documento.
Cerca de 60 entidades assinaram a cartilha, entre elas a Ação Educativa, a Aliança Nacional LGBTI, o IDDH – Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos e o Instituto Vladimir Herzog. O Fundo Malala e a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal apoiam a iniciativa.
Para justificar a constitucionalidade da liberdade pedagógica, o manual aponta, dentre outros exemplos, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), de 2017, que cassou os efeitos de uma lei de censura aprovada em Alagoas.
Na ocasião, o ministro Luis Roberto Barroso entendeu que as normas que regulam as diretrizes e bases da educação são de âmbito nacional, por isso, não podem ser definida por estados.
O grupo também preparou uma apelação ao STF sobre esse caso. "Manifestamos aqui nossa grande expectativa que o Supremo Tribunal Federal possa referendar as liminares do Ministro Luís Roberto Barroso e se posicionar pela inconstitucionalidade de leis propostas e inspiradas no Movimento Escola Sem Partido e de outras legislações que visam proibir a abordagem de gênero, sexualidade e relações raciais nas escolas do país", diz o texto.
Para Salomão Ximenez, professor da UFABC e um dos autores da cartilha, o objetivo do manual é propor não só saídas jurídicas, mas também pedagógicas.
"O documento aponta saídas jurídicas para casos reais dentro das escolas, como denúncias contra docentes, filmagem em sala de aula e publicações nas redes sociais, além de apostar na resposta pedagógica para os conflitos, fortalecendo o debate e a coletividade", explica.
Por meio de 11 casos-modelo, a cartilha explica passo a passo quais as medidas que os professores e as escola devem tomar para enfrentar situações de censura.
Todos os exemplos foram baseados em histórias reais, uma vez que mesmo com a pauta do "Escola sem Partido" ou outras legislações semelhantes não estarem em vigor, os professores já estão sendo constrangidos e ameaçados.
Em outubro deste ano, um grupo de pais de alunos da escola Santo Agostinho no Rio de Janeiro pressionaram a escola a suspender a leitura da obra "Meninos sem Pátria" por ser considerada "comunista".
O livro escrito por Luiz Puntel, em 1981 e que já está na 23ª edição, é considerado um clássico da literatura nacional e aborda o regime ditatorial de Augusto Pinochet no Chile.
Em outro caso, no dia seguinte da vitória de Jair Bolsonaro nas urnas, a deputada aliada do presidente eleito Ana Carolina Campagnolo criou um canal anônimo para alunos do Paraná denunciarem "professores e doutrinadores" com discursos "político-partidários ou ideológicos".
A deputada foi multada pelo Ministério Público de Santa Catarina, que a condenou por danos morais coletivos e pediu que seja dada liminar (decisão temporária) para que ela se abstenha de manter qualquer tipo de controle ideológico das atividades dos professores e alunos de escolas públicas e privadas do estado.