Repórter de Brasil e Economia
Publicado em 11 de janeiro de 2025 às 06h12.
O Brasil tem, pela primeira vez, um mercado regulado de apostas, com 67 empresas autorizadas e mais de 130 marcas. André Gelfi, diretor-presidente do Instituto Brasileiro do Jogo Responsável (IBJR), associação que reúne nove empresas de apostas e detém cerca de 75% do mercado, prevê que, em até cinco anos, o número de plataformas no país deve cair pela metade, chegando a cerca de 30 empresas com autorização para operar.
"Na minha visão, o mercado brasileiro não comporta 66 operadores. Se você considerar que 50% do mercado está nas mãos de três ou quatro empresas, os outros 50% precisam ser divididos entre 55. Isso dá menos de 1% de participação de mercado para cada uma. Não tem como sustentar uma operação assim", diz em entrevista exclusiva à EXAME.
Sócio-gerente do grupo sueco Betsson no Brasil, Gelfi acredita que os próximos dois anos serão marcados por fusões e aquisições de grupos menores, pelo combate das casas ilegais e pelo controle da publicidade de apostas nas redes sociais, especialmente os anúncios feitos pro influenciadores.
"Muitas vezes, o uso de influenciadores no Brasil passa do limite. A grande questão é a mensagem subliminar: 'Eu estou ganhando no jogo tal e comprei este carro'. Isso pode parecer indireto, mas é o que fica para quem assiste. Há uma responsabilidade gigantesca no que essas plataformas e influenciadores comunicam", afirma.
Sobre pessoas de baixa renda utilizando benefícios sociais para apostar, Gelfi destacou que o setor não deseja clientes que "não têm dinheiro sobrando no seu orçamento para gastar com entretenimento". Ele reforçou que as plataformas implementariam, de forma "imediata", qualquer proibição que o governo decidir estabelecer.
"Se o governo decidir proibir que usuários de programas sociais, como o Bolsa Família, apostem, implementaremos isso de forma imediata e com satisfação, porque isso equacionaria uma parte desse problema", diz.
No mercado de apostas, o IBJR é visto como representante das casas de apostas estrangeiras — uma parcela composta por empresas com ações negociadas em bolsas de valores pelo mundo. Gelfi rechaça essa alegação e afirma que o grupo pode parecer um "clube do bolinha" devido ao critério rigoroso de exigências para participar da associação. "Mas o objetivo é defender práticas saudáveis e evitar riscos sistêmicos", diz.
"O que estamos fazendo é separar o joio do trigo. Para ser membro do Instituto, você tem que seguir regras claras e ser uma empresa que respeite as regulamentações internacionais, porque representamos não só no Brasil, mas também fora", afirma.
O que a regulamentação representa para o setor?
Representa um marco. A regulamentação é necessária porque ela traz segurança jurídica, proteção ao consumidor e garante que os impostos sejam pagos. Nós, no IBJR, estamos focados em construir um mercado saudável, sustentável e seguro. Sem regras, as empresas sérias perdem para aquelas que não têm compromisso com a indústria e operam de maneira informal. A regulamentação é o único caminho para separar o joio do trigo.
O Instituto conta com nove empresas-membro. Por que o número é tão restrito?
Decidimos desde o início que as empresas participantes deveriam seguir critérios rigorosos. O IBJR foi criado para representar operadores que já têm histórico de atuação em mercados regulados e experiência com compliance. Empresas como Flutter, dona da Betfair, ou Kaizen são grandes players que têm muito a perder se algo der errado. Elas não se associariam a um grupo que inclua empresas sem esses critérios. Por isso, nosso foco sempre foi reunir operadores que queiram ser reconhecidos por um padrão de excelência. No Brasil, há muitas empresas que estão começando agora, que sequer têm estrutura para operar em um mercado regulado. É natural que nosso grupo pareça um "clube do bolinha", mas o objetivo é defender práticas saudáveis e evitar riscos sistêmicos.
O mercado regulado pode limitar as operações das casas irregulares?
Absolutamente. E o Instituto vai ser cobrado pelos próprios membros [que vão perguntar]: "O que vocês estão fazendo para derrubar essas empresas que não estão autorizadas no Brasil?" Seja do ponto de vista administrativo, seja judicializando, o Instituto vai botar energia no combate ao mercado informal, de uma forma ou de outra. Para a gente, isso é fundamental, tanto pela questão reputacional e o risco sistêmico quanto pela questão de concorrência leal. Como uma empresa, pagando imposto e seguindo todas as regras, pode competir com outra que não paga imposto, que oferece bônus agressivos, que usa influenciador de qualquer jeito? É impossível.
Qual a expectativa para que as plataformas irregulares sejam derrubadas? Em entrevista à EXAME, o secretário de Prêmios e Apostas não deu uma data.
Minha expectativa é que 70% desse problema seja resolvido em seis meses. Depois, vai ficar aquele resto mais difícil. O mais escancarado, as empresas grandes não autorizadas, essas vão sair mais rápido. A questão vai ser a cauda longa, as empresas menores, que mudam de nome, que são mais difíceis de rastrear.
E quanto à publicidade com influenciadores? O que o Instituto tem orientado?
Esse é um ponto crítico. Tivemos uma reportagem da revista Piauí importante que tratou sobre o tema. Muitas vezes, o uso de influenciadores no Brasil passa do limite. A grande questão é a mensagem subliminar: 'estou ganhando no jogo tal e comprei este carro'. Isso pode parecer indireto, mas é o que fica para quem assiste. Há uma responsabilidade gigantesca no que essas plataformas e influenciadores comunicam. O Instituto tem um Código de Conduta que aborda essa questão. Por exemplo, nenhuma empresa associada ao IBJR pode contratar influenciadores com audiência majoritariamente de menores de idade. Outro ponto importante é não sugerir, direta ou indiretamente, que o jogo é uma solução financeira. Nosso foco é deixar claro que jogo é entretenimento, e não uma forma de ganhar a vida.
O mercado informal pode ser combatido apenas com regulamentação?
A regulamentação sozinha não resolve. É preciso fiscalização e engajamento de toda a cadeia, desde plataformas de pagamento até influenciadores. Além disso, o Brasil precisa fortalecer a educação sobre o que significa aposta. Aposta é entretenimento.
E sobre as apostas para pessoas de baixa renda?
[grifar]Se você não tem dinheiro sobrando no seu orçamento para gastar com entretenimento, você não deveria estar apostando. Em outras palavras, nós não queremos que pessoas que estão comprometendo o básico da sua renda – alimentação, transporte, eletricidade, água – se tornem clientes. Se isso acontece, não é sustentável. A gente está criando mais dor do que entretenimento para aquela pessoa. Então, somos absolutamente contrários a que pessoas nessa situação comprometam seus recursos com apostas. Além disso, não consideramos as apostas uma fonte de renda. Esse é um ponto muito importante. Apostar com a intenção de ganhar dinheiro é uma temeridade, e a forma como isso é comunicado pode acabar passando essa ideia equivocada. Se você quer ganhar dinheiro, você tem que trabalhar, buscar uma fonte de renda, porque aposta não vai trazer isso de forma alguma.
Como vocês observam uma possível proibição para beneficiários do Bolsa Família?
Se o governo decidir proibir que usuários de programas sociais, como o Bolsa Família, apostem, implementaremos isso de forma imediata e com satisfação, porque isso equacionaria uma parte desse problema.
O que acontece com as empresas que não conseguem licença? Haverá fusões e aquisições?
Já estamos vendo esse movimento. Tem muita empresa à venda. A caixa de e-mails da turma está lotada de "prospects", com gente oferecendo operações. Um exemplo foi a compra da Betnacional pela Flutter, que deve ser concluída em breve. Na minha visão, o mercado brasileiro não comporta 66 operadores. Se você considerar que 50% do mercado está nas mãos de três ou quatro empresas, os outros 50% precisam ser divididos entre 55. Isso dá menos de 1% de participação de mercado para cada uma. Não tem como sustentar uma operação assim. O que vai acontecer é que as empresas menores e menos estruturadas serão alvo de fusões e aquisições. Isso é uma dinâmica natural de mercado competitivo. Em cinco anos, acredito que o número de operadores no Brasil será bem menor, talvez algo em torno de 30 empresas, o que ainda é bastante competitivo.
No último ano, vimos empresas de apostas oferecem valores recordes de patrocínio para clubes de futebol. O que esperar desses valores com o setor regulado?
O que a gente vai ter é uma acomodação dos preços em um patamar provavelmente mais baixo do que o atual. Hoje, estamos vindo de uma dinâmica em que as empresas não pagavam impostos no Brasil e o mercado estava crescendo de forma muito acelerada. A agenda era de posicionamento, e os ativos do futebol subiram de preço muito rápido. Agora, com a regulamentação, as empresas estão pagando uma carga tributária relevante. Se você considerar os 12% de impostos federais mais PIS, Cofins e ISS, estamos falando de algo em torno de 23% do faturamento. É quase um quarto. Além disso, as empresas têm que investir em estrutura no Brasil, com escritórios e equipes locais. Tudo isso impacta o orçamento. Quando você olha para o preço dos ativos brasileiros e compara com outros países, os valores já estão bastante inflacionados. Você já tem clubes brasileiros com contratos de patrocínio parecidos com os de clubes da Premier League, que são produtos globais, enquanto o Campeonato Brasileiro é um produto de consumo local. Então, acredito que a tendência é de ajuste.
Você acredita que as empresas terão um crescimento nos próximos anos?
Acredito, mas com ressalvas. Vamos passar por uma "barriga", um período de queda no ritmo de crescimento. Isso acontece porque as empresas estão se adaptando às regras, há menos produtos certificados disponíveis e a validação de cadastros é mais rigorosa. Depois dessa fase, o mercado deve voltar a crescer de forma estável. Hoje, as apostas representam menos de 0,5% do PIB brasileiro. Em países como a Espanha, o setor chega a 1%. Isso mostra que há muito espaço para crescer, mas de maneira responsável e sustentável.
Quais aprendizados podemos trazer de mercados internacionais?
Na Europa, vimos avanços importantes, como limites de aposta, mensagens educativas e regras rígidas de publicidade. Acho que o Brasil pode aprender muito com esses mercados. Por outro lado, o Brasil não fica atrás de mercados maduros em termos de regulamentação. O uso de reconhecimento facial, por exemplo, foi uma inovação que impressionou até os europeus. Aqui no Brasil, já estamos acostumados com isso em bancos e outros serviços. Lá fora, eles demoraram para entender, mas reconheceram que estamos à frente em algumas áreas.
O que vem pela frente para o Instituto e o mercado brasileiro de apostas?
A ideia do Instituto é que ele seja, de fato, a associação que represente a indústria regulada no Brasil. Você tem uma licença no Brasil? O governo está dizendo que essa empresa é legítima e vai seguir o regramento. Isso é fundamental. O que estamos fazendo é separar o joio do trigo. Para ser membro do Instituto, você tem que seguir regras claras e ser uma empresa que respeite as regulamentações internacionais, porque representamos não só no Brasil, mas também fora. Por exemplo, você pega uma empresa como a Flutter, listada na Bolsa de Nova York. Imagine um escândalo no Brasil envolvendo ela. Isso seria um desastre. Então, preferimos trabalhar com empresas que já têm uma longa trajetória em mercados regulados e que seguem boas práticas. Claro que isso gera críticas, como o argumento de que é um "clubinho", mas o foco aqui é garantir que a indústria regulada no Brasil seja vista com credibilidade, tanto local quanto internacionalmente.