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Em 6 anos, Brasil recebeu 134 refugiados por perseguição sexual

Os países que mais forçam a migração dos LGBTI são os que criminalizam a homossexualidade ou não têm condições de proteção dessas pessoas

LGBT: outros 195 pedidos de refúgio estão pendentes de análise (Fabio Vieira/Getty Images)

LGBT: outros 195 pedidos de refúgio estão pendentes de análise (Fabio Vieira/Getty Images)

AB

Agência Brasil

Publicado em 29 de novembro de 2018 às 10h15.

O Comitê Nacional para Refugiados (Conare) recebeu, pelo menos, 369 solicitações de refúgio relacionados a casos de perseguição por orientação sexual e identidade de gênero de 2010 a 2016.

Desse total, foram reconhecidos 134 pedidos da condição de refugiado e outros 195 estão pendentes de análise.

Os dados foram divulgados nesta quarta-feira (28), em Brasília, pelo Conare, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, e pela Agência das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).

O Brasil é o quarto país do mundo, depois de Inglaterra, Bélgica e Noruega, a fazer levantamento específico sobre as solicitações da condição de refugiado considerando os motivos associados à população LGBTI. Os números estão disponíveis em uma plataforma online e serão atualizados anualmente.

De acordo com a pesquisa, a maioria dos países de origem dos refugiados LGBTI é do continente africano. Os países que mais forçam a migração da população LGBTI são os que criminalizam a homossexualidade ou não têm condições de proteção dessas pessoas.

Nigéria, Gana, Camarões e Serra Leoa lideram a lista de nações de onde saíram os refugiados LGBTI que vivem no Brasil.

O Conare esclareceu que, nesse universo, nem todas as pessoas que solicitaram refúgio são LGBTI, no entanto foram perseguidas em seus países por serem identificadas com a causa das minorias sexuais — como ativistas e militantes - ou por serem portadoras do vírus HIV.

O Conare também reconhece que o número de solicitantes pode ser maior, pois nem todos os casos puderam ser identificados no sistema de busca dos dados do governo federal, uma vez que muitos solicitantes não se sentem à vontade para expor os reais motivos da perseguição sofrida no país de origem ao fazer o pedido de refúgio.

Perfil

O primeiro caso de refúgio para LGBTI reconhecido no Brasil foi para um casal homossexual vítima de violência na Colômbia, em 2012.

De acordo com os dados apresentados, os homens gays representam 65% do total de solicitantes de refúgio por orientação sexual e as lésbicas, 10%. Entre os solicitantes, também há 12 bissexuais, 28 heterossexuais e duas mulheres trans de Angola.

A faixa etária predominante é de 18 a 29 anos e a maioria deles também são perseguidos por outras questões relacionadas à política ou religião, por exemplo. Os dados mostram ainda que a região brasileira que mais concentra os refugiados LGBTI é o Sudeste.

Lara Lopes, 34 anos, é uma das refugiadas africanas que escolheu o Brasil para fugir da perseguição por ser homossexual. Formada em Administração de Sistemas, Lara nunca pôde exercer a profissão em seu país, Moçambique, devido ao preconceito.

Emocionada, ela conta que viveu várias situações constrangedoras e humilhantes que motivaram sua decisão de deixar Moçambique.

"Não é fácil, é complicado. São muitos refugiados que estão aqui, mas muitos não têm aquela coragem de viver a vida, mesmo saindo de seus países. A gente sai da África, mas a África não sai de nós. Nós viemos de países que têm leis que permitem matar homossexuais", disse.

Lara disse que muitos governantes do continente africano negam a existência da população LGBTI em seus países e dizem que os homossexuais são "abominações" e "manchas" da sociedade.

Ela disse que já "perdeu" duas amigas e chegou a passar dois dias na delegacia com sua ex-companheira sem que as autoridades apresentassem um motivo para a prisão.

A refugiada está terminando um curso de Gestão em TI e não pretende voltar para Moçambique, onde ela diz que se sente inútil. No Brasil, ela também tem se firmado como uma ativista pelos direitos dos refugiados.

"Busco ser no meio deles uma protagonista. E essa plataforma vai ajudar muito, porque eu, como ativista, acredito que usando esses dados posso ajudar muitos refugiados e direcionar boas coisas para aqueles que desconhecem seus direitos."

Segurança

Apesar de o Brasil ser considerado um país com altos índices de violência contra homossexuais, os refugiados LGBTI consideram o território brasileiro mais seguro.

Lara disse que nunca foi vítima de preconceito no Brasil e só o fato de o país ter dados sobre discriminação e homofobia, além de possibilitar a atuação´de um movimento organizado de defesa dos direitos da população LGBTI, já representa um contexto de maior aceitação.

O coordenador geral do Conare, Bernardo Laferté, disse que o Brasil tem muito a avançar na questão de segurança, mas já apresenta condições de oferecer conforto para essa população.

"Ouso dizer que somos um país seguro. Não é a segurança que todos nós gostaríamos, mas nós temos meios legítimos de repressão, policial e judicial, para lidar com atos de violência contra a população LGBTI e apoiadores da causa".

Bernardo também destacou que o país reafirma sua tradição em acolher e proteger os refugiados ao dar visibilidade aos dados de refúgio por grupo social. O Brasil tem atualmente cerca de sete mil refugiados e 149 mil solicitações de refúgio em aberto.

"É também uma ação de transparência ativa do governo federal em evidenciar esses números, que até então nunca tinham sido mostrados, é inédito aqui no país. É uma parceria com o Acnur e faz um convite ao meio acadêmico e todos que trabalham com o tema LGBTI para tentar compreender esses números, qual a origem, as causas e como o Brasil pode melhorar", disse.

O vice-representante do Acnur, Federico Martinez, destacou que o Brasil dá um passo importante para ser vanguarda no mundo quando reconhece a condição de refugiadas das pessoas LGBTI.

Ele também acredita que os números poderão estimular a análise sobre a qualidade da proteção dada a essa população e motivar a aprovação de uma lei brasileira que criminalize a homofobia.

"Eu acho que também dá para empoderar o coletivo LGBTI. A ideia é como utilizar esses dados para continuar desenvolvendo políticas públicas para proteção desse coletivo".

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