Brasil

Educação no Brasil pode piorar com a PEC do Teto?

Para especialistas e gestores da educação, corte de gastos pode aumentar desigualdades no Brasil. Governo federal diz que “pior que está não fica”

 (Creatas/Thinkstock)

(Creatas/Thinkstock)

Bárbara Ferreira Santos

Bárbara Ferreira Santos

Publicado em 20 de dezembro de 2016 às 05h57.

Última atualização em 20 de dezembro de 2016 às 05h57.

São Paulo -- A chave para a melhora da educação no Brasil é investir mais e melhor para especialistas do setor. A aprovação da PEC do Teto, que estabelece um limite para gastos públicos do governo federal nos próximo 20 anos, no entanto, foi encarada como um balde de água fria nas tentativas de desenvolver o ensino público brasileiro.

Não é para menos. O baixo desempenho do Brasil no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e no PISA neste ano evidenciaram mais uma vez que o país está longe de garantir educação de qualidade para crianças e adolescentes. O desafio será grande no futuro e as próximas décadas, fundamentais para mudar essa trajetória.

Junto com especialistas do setor, gestores públicos também mostram preocupação com a possível diminuição de repasses a estados e municípios com a PEC -- o que pode comprometer já a curto prazo os programas que estão em execução.

Por outro lado, economistas dizem que o limite dos gastos foi uma medida necessária em todas as áreas do governo porque o país não pode gastar mais do que o orçamento sob o risco de “romper” em um futuro próximo.

EXAME.com procurou representantes dessas áreas, além do ministério da Educação (MEC), para comentar sobre os possíveis efeitos da PEC do Teto na educação. Veja a seguir.

"PEC decretou o fim do PNE"

A aprovação da PEC do teto “decretou o fim do Plano Nacional da Educação (PNE)” para Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação. O PNE prevê que até 2024 sejam investidos 10% do PIB para garantir o mínimo de qualidade no ensino para todos os alunos brasileiros. Hoje, são investidos cerca de 6% do PIB, segundo cálculo do governo.

A expectativa é que haja recuo no investimento com a aprovação da PEC. “A realidade é que a gente vai continuar sendo um país que não garante educação para a população. O país de Paulo Freire não consegue ficar livre do analfabetismo”, diz Cara.

Ele afirma que os países com os melhores índices de educação são aqueles que diminuíram as desigualdades, o que requer investimento. "Já o Brasil reforça as diferenças", diz. "Os filhos das famílias com menor renda evoluem em relação a seus pais, mas não em relação aos seus pares."

Para ele, o Congresso não colocou a educação como prioridade para o país. “A PEC parte do pressuposto de que o povo não cabe no orçamento”, afirma Cara.

Ele diz que mesmo programas federais de educação que têm orçamento separado do valor cotado para o MEC podem ser impactados. “A questão do Fundeb [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, repasse de complementação para estados e municípios que não atingem o piso salarial e gastos mínimos por aluno], por exemplo, não está resguardada. É uma posição demagógica do governo dizer que a educação e a saúde não serão afetadas, porque serão”, afirma.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação está se reunindo neste fim de ano com movimentos civis e com especialistas para avaliar que medidas jurídicas e políticas devem ser tomadas com relação à PEC do Teto. Segundo Daniel Cara, é possível que eles entrem com um recurso no Supremo Tribunal Federal para pedir o cancelamento da PEC.

PEC é necessária para saúde econômica

A PEC do Teto foi uma medida essencial, para Carlos Soares, economista-chefe do porque.com.br, plataforma digital que explica conceitos econômicos. O nível de endividamento econômico brasileiro atingiu níveis alarmantes nos últimos anos, o que vem comprometendo a “saúde econômica” do país.

“A dívida do Brasil vai chegar a 100% do PIB nos próximos anos. Mesmo com esse ajuste fiscal, vai atingir patamares elevados. Um país como o Brasil não pode viver com uma dívida tão elevada”, afirma Soares.

Ele defende que a PEC foi um “ajuste suave” porque apenas impede que o orçamento cresça mais do que a inflação. E diz que a indexação à receita, como é feito atualmente com a Educação - 18% dos impostos são destinados à pasta atualmente -, seria ruim para os gastos públicos.

“A indexação perpetua sistemas ineficientes. Se o meu programa é ruim, vai continuar ruim, porque não há avaliação. O ideal seria um orçamento baseado em programas, para dar continuidade aos que dão certo e mostram resultados”, avalia Soares.

O economista afirma ainda que o teto de gastos teve de ser imposto a todo o governo federal, sem exceções. “Se tirasse a Educação da PEC, iam perguntar por que não indexar a Saúde ou outros setores. E ia ter que atender a todo mundo. Então, tem que valer para todos”, afirma Soares.

Ele defende que, como o orçamento da União com educação corresponde a apenas um quarto do total investido, isso não afetaria o setor, pois a maior parte do investimento vem de estados e municípios.  “A PEC define um piso, ou seja, pode aumentar mais que a inflação, mas não menos”, afirma. “Mas, para aumentar [o investimento federal em educação], será preciso tirar de outra área”, acrescenta Soares.

De acordo com o economista, o Brasil não poderá se pautar com o que é investido em educação nos países de ponta porque “a nossa condição é de um país de renda média” e que, para a realidade brasileira, o país “não gasta pouco” com ensino. “O problema é a qualidade do gasto. Hoje a gente gasta mais que 5% do PIB e a educação é ruim. Mesmo países de renda e gastos similares aos nossos têm resultados melhores”, diz Soares.

Para ele, será necessário, após a implantação da PEC, instalar um sistema de gestão mais eficaz nas contas públicas. “Na educação, é preciso fazer uma reforma administrativa que valorize bons resultados e traga meritocracias. Não se trata só de uma questão de dinheiro”, alerta o economista.

Projetos em andamento podem ser comprometidos

Gestores públicos da educação temem que projetos em andamento sejam comprometidos com uma eventual diminuição do dinheiro aplicado em educação pelo governo federal.

Frederico Amancio, presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) e secretário de educação de Pernambuco, diz que a PEC é um ponto de preocupação e pode criar insegurança para gestores.“Educação não dialoga só com o presente. Todos os países que deram certo investiram na educação”, diz Amancio.

Entre os programas que podem ser impactados, ele cita áreas que recebem dinheiro do governo federal, como transporte escolar e livros didáticos. “O cenário tinha garantias institucionais de gastos com educação. A PEC não necessariamente vai implicar perdas, mas elas podem acontecer”, diz Amancio. "Ninguém tem expectativa de salto de investimento."

O impacto pode ser maior em universidades federais--que são financiadas pela União. Em regiões do país, elas são a única opção de ensino superior público.

Segundo Ângela Paiva Cruz, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e reitora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) o cenário é de preocupação e muito trabalho. “Estamos pessimistas.”

Ela afirma que a Andifes teve reuniões com os últimos governos de Dilma Rousseff (PT) e Michel Temer (PMDB) para explicar a necessidade de consolidar a expansão da rede federal. “Mesmo para a manutenção do sistema atual, não conseguiríamos honrar compromissos com o valor transferido hoje. Nós propusemos uma correção pela inflação junto com o crescimento do sistema de universidades federais, mas não fomos atendidos”, explicou.

Reduções no investimento não vão apenas impactar projetos de expansão, mas também pesquisa e inovação de universidades federais, algumas delas ranqueadas entre as melhores instituições de ensino superior do país. “Editais que ajudam a financiar a pesquisa e a pós-graduação tendem a diminuir e isso terá influência no desenvolvimento tecnológico do país, que é fundamental para o sistema econômico”, diz Cruz. “Com pouco apoio nessas áreas, vamos enfrentar muita dificuldade.”

“Pior do que está não fica”, diz Ministro da Educação

Já o Ministério da Educação de Michel Temer (PMDB) reconhece que é preciso investir mais na educação para melhorar os resultados na área. No entanto, não vê a PEC como um empecilho para atingir as metas.

Em entrevista a EXAME.com no domingo, o ministro Mendonça Filho afirmou que o Brasil “investe razoavelmente” em educação, mas ainda apresenta sérios problemas na qualidade do ensino. “Temos que investir mais e gastar melhor. O orçamento do MEC triplicou em 12 anos e a educação não saiu do lugar”, afirmou. “Nos últimos anos, a ampliação dos investimentos em educação significou o fracasso.”

Ele afirmou ainda que os recentes resultados do Brasil em rankings internacionais mostram que o país está “no final da fila” no quesito educação. “Pior do que está não fica. Os resultados do Pisa deixaram isso bem claro. Somos a oitava economia do mundo e ocupamos a 63 posição do ranking da OCDE. É uma catástrofe”, afirmou o ministro.

Ele diz que, mesmo com a limitação ao orçamento federal, o gasto com a área da educação “pode crescer mais” que as demais áreas. E ainda afirmou que as universidades federais, que são uma das áreas de ensino mais dependentes do orçamento federal, “não serão afetadas pela PEC”.

Os cortes podem também se estender ao Enem, mas o ministro diz que a redução de custos não vai impactar a aplicação da prova. “É preciso racionalizar os gastos públicos, mas preservando a segurança. Não podemos gastar por gastar. Tem que investir dentro daquilo que é necessário para a aplicação do Enem com segurança, que é o que fizemos em 2016”, afirmou Mendonça Filho.

Acompanhe tudo sobre:EducaçãoOrçamento federalPEC do Teto

Mais de Brasil

STF rejeita recurso e mantém pena de Collor após condenação na Lava-Jato

O que abre e o que fecha em SP no feriado de 15 de novembro

Zema propõe privatizações da Cemig e Copasa e deve enfrentar resistência

Lula discute atentado com ministros; governo vê conexão com episódios iniciados na campanha de 2022