(The Economist/Reprodução)
Da Redação
Publicado em 8 de setembro de 2022 às 14h54.
O presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, figura na capa da edição desta semana da revista britânica The Economist. A publicação faz duras críticas à postura do chefe do Executivo brasileiro em relação à legitimidade das urnas eletrônicas e das pesquisas eleitorais e alerta para a possibilidade de que ele não aceite perder as eleições de outubro.
Segundo a revista, Bolsonaro é uma “ameaça para a democracia brasileira”, vencendo ou não o pleito. Se perder, porém, o presidente sinaliza que pode “incitar uma rebelião, talvez como a que a América sofreu quando uma multidão de apoiadores de Donald Trump invadiu o Capitólio em 6 de janeiro de 2021 – ou talvez até pior”.
A The Economist diz que, provavelmente, não acontecerá um verdadeiro golpe de Estado no Brasil, mas considera que “algum tipo de insurreição” pode vir à tona se Bolsonaro perder o pleito. A revista lembra que o presidente “incita rotineiramente a violência” e cita falas como “vamos fuzilar a petralhada”, proferidas por ele em 2018.
“O país está fervilhando de conversas sobre um possível golpe”, diz o artigo. A preocupação de que o presidente brasileiro possa “pegar emprestado uma página da cartilha sem princípios de Trump”, na opinião da revista, é justificada pelo histórico de Bolsonaro. “Seus instintos são tão autoritários quanto os de Trump”, diz.
Se, em outubro, o Tribunal Superior Eleitoral (STE) anunciar que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) venceu as eleições, “bolsonaristas armados podem atacar o tribunal”, acredita a revista. A dúvida é sobre como o Exército atuaria nessa situação, ou “de que lado as forças policiais militares, com quase 400 mil homens ao todo, que deveriam manter a ordem, ficariam”.
A preocupação da The Economist é que o sistema que impede Bolsonaro de tomar atitudes antidemocráticas “seja menos robusto do que aquele que limitou Trump”. Nos Estados Unidos, é “inconcebível” que os militares promovam um golpe. Mas, no Brasil, o último regime militar só terminou em 1985, lembra o artigo.
A revista destaca falas de Bolsonaro que colocam dúvidas quanto às urnas eletrônicas, em especial quando o presidente diz que respeitará o resultado, desde que as eleições sejam “limpas e transparentes”, como afirmou em debate com candidatos à Presidência, na Rede Globo, em 22 de agosto.
A revista britânica deixa claro que as eleições serão, sim, limpas e transparentes, já que o sistema de votação eletrônica no Brasil é “bem administrado e difícil de ser fraudado”. O problema é que Bolsonaro segue dizendo que as pesquisas eleitorais, que mostram que ele perderá para Lula, estão erradas.
“Ele continua insinuando também que a eleição pode, de alguma forma, ser manipulada contra ele. Ele não oferece nenhuma evidência confiável, mas muitos de seus apoiadores acreditam nele”, pontua a revista. A percepção do artigo é que Bolsonaro está trabalhando para denunciar uma “fraude eleitoral” sem provas e “negar o veredicto dos eleitores”.
Uma das evidências apontadas pela The Economist para mostrar a tendência “trumpista” de Bolsonaro é o fato de que ele foi um dos últimos líderes mundiais a aceitar que Joe Biden venceu as últimas eleições presidenciais nos Estados Unidos.
A The Economist ressalta que Bolsonaro descarta as críticas que recebe, classificando todas como “fake news” e se mostra “nostálgico” em relação à época da ditadura militar no Brasil. O comportamento do presidente, segundo a reportagem, estimula a divisão, “colocando o outro lado não apenas como errado, mas como mau”.
A revista lembra que Bolsonaro foi eleito em 2018 em meio a uma “fúria anti-establishment” -- cenário similar ao que levou à vitória de Trump nos EUA, em 2016. “Para realizar essa façanha improvável, ele aprendeu truques com outro forasteiro desbocado e amplamente subestimado”, diz a publicação.
O truque mais importante aprendido com o ex-presidente dos EUA teria sido “o uso habilidoso e mentiroso das mídias sociais”. Na visão da revista, Bolsonaro continua sendo “o mestre incontestável do Brasil nisso” e foi assim que convenceu os apoiadores de duas teorias: se ele perder, a eleição foi injusta; e, se Lula vencer, o país será entregue “ao diabo”.
Para a The Economist, essas duas possibilidades não fazem sentido, porque Lula é considerado um “esquerdista pragmático” e foi um “presidente bastante bem-sucedido entre 2003 e 2010”. A revista lembra que o petista, impulsionado pelo boom das commodities, possibilitou o aumento da renda da população e a expansão do estado de bem-estar social.
“O boom entrou em colapso depois que ele deixou o cargo, e sua sucessora e protegida, Dilma Rousseff, sofreu impeachment em meio a um vasto escândalo de corrupção que remonta há anos”, pontua a revista, que não ignora o fato de que o ex-presidente foi considerado culpado de aceitar propinas, embora as condenações tenham sido derrubadas e ele negue irregularidades.
Ainda assim, em relação a Lula, a revista diz que, embora ele esteja “longe de ser o candidato ideal”, pelo menos “está dentro do normal – e é um defensor da democracia”. O mesmo não pode ser dito de Bolsonaro. “Ele pode operar dentro de um sistema democrático, mas está constantemente procurando maneiras de escapar de suas restrições”, afirma.
“Na realidade paralela que Bolsonaro construiu, um presidente Lula fecharia igrejas brasileiras, transformaria o país em um narcoestado e incentivaria meninos a usar vestidos”, diz a revista. Uma das primeiras fake news da campanha eleitoral deste ano foi que o candidato do PT estaria disposto a fechar igrejas.
O artigo sustenta que Bolsonaro está preparando uma “Grande Mentira”, nos moldes do que foi feito por Trump ao perder as eleições e que pode “fazer de Bolsonaro o político de oposição mais influente do Brasil”. A tendência é que o Brasil fique “cada vez mais dividido”.
A base fiel do atual presidente, formada por evangélicos, proprietários de armas e agronegócio, pode ficar do lado dele mesmo em caso de derrota, “convencida de que ele é o legítimo presidente do Brasil”. Além disso, os apoiadores de Bolsonaro no Congresso e nos estados podem prejudicar a capacidade de Lula de governar, diz a revista.
O artigo observa que, quando candidatos “normais” perdem as eleições, os partidos tendem a substituí-los por nomes novos. Mas, quando Trump perdeu, ele alegou que a eleição foi roubada e “transformou essa Grande Mentira em um grito de guerra”, o que pode ser copiado por Bolsonaro.
Por isso, a tendência é que, “aconteça o que acontecer, ele [Bolsonaro] e seu movimento não vão desaparecer. Ele aprendeu com Trump como tirar influência e poder das garras da derrota”, considera a The Economist.
O melhor resultado para as eleições, na visão da revista, é Bolsonaro perder por uma margem de votos tão ampla que ele não poderia alegar, de forma plausível, que venceu -- seja no primeiro turno, em 2 de outubro ou no segundo turno, em 30 de outubro. “Serão algumas semanas tensas e perigosas”, considera o artigo.
A revista faz um apelo para que outros países apoiem publicamente a democracia brasileira e deixem claro para os militares que “qualquer coisa parecida com um golpe faria do Brasil um pária”. A recomendação aos eleitores brasileiros é que resistam “à atração de um populista sem vergonha”.
A The Economist ressalta que o Exército brasileiro está “profundamente enraizado no governo” e que, inclusive, questiona o sistema de votação adotado no país. O artigo afirma que os militares brasileiros simpatizam com Bolsonaro, que propôs uma lei “que beneficia policiais que matam suspeitos”.
Em 2019, o presidente enviou à Câmara um projeto de lei que amplia as possibilidades em que o policial pode ficar sem punição caso mate alguém durante uma operação. “Alguns [militares] podem se mostrar mais leais a ele do que à Constituição brasileira. Se houver caos nas ruas, Bolsonaro pode invocar poderes de emergência para adiar a entrega do poder”, acredita a revista.
Além disso, os apoiadores de Bolsonaro “estão mais bem armados do que nunca”, já que o presidente facilitou a compra de armas no país -- “o número de armas em mãos privadas dobrou para 2 milhões”, afirma a The Economist. A revista também aponta o aumento da violência política no Brasil como um sintoma preocupante: mais de 45 políticos brasileiros foram assassinados nos primeiros seis meses de 2022.