Urna eletrônica (Marcelo Camargo/Agência Brasil/Agência Brasil)
Luiza Calegari
Publicado em 5 de julho de 2017 às 05h55.
Última atualização em 5 de julho de 2017 às 05h55.
São Paulo – O financiamento público de campanha eleitoral pareceu ter surgido como uma panaceia para os males da corrupção brasileira: proibindo a doação de empresas, a medida coibiria as transações e transferências bilionárias descobertas nos desdobramentos da Operação Lava Jato.
Com menos dinheiro do que gostariam para fazer campanhas, os partidos políticos já começaram a articular uma verba de R$ 3,5 bilhões para o fundo partidário, a conta conjunta que agora financia o processo eleitoral – com dinheiro público.
A questão que fica é: foi mesmo melhor proibir a doação de empresas para as campanhas eleitorais, deixando o encargo para as pessoas físicas e o governo?
Especialistas ouvidos por EXAME.com acreditam que apenas proibir o dinheiro empresarial nas campanhas não é suficiente para resolver os problemas eleitorais brasileiros. Veja as opiniões a seguir.
Para Daniel Falcão, advogado e professor de Direito da USP de Ribeirão Preto, o argumento do STF de que o financiamento privado facilita a corrupção é falacioso, já que a questão independe da fonte de financiamento.
“No Brasil, a legislação foca na arrecadação, mas não nos gastos. Os escândalos mostram que a arrecadação foi muitas vezes feita de forma legal, está lá declarado que o dinheiro saiu da conta da empresa e entrou na da campanha", diz. "Mas esse dinheiro foi gasto no que?"
O raciocínio encontra eco no estudo de Pedro Fernando Nery e Fernando B. Meneguin para o Senado, publicado em 2015, no qual os pesquisadores usam a teoria dos jogos, da economia, para mostrar que o financiamento público, por si só, não seria o suficiente para acabar com a corrupção.
Pelos cálculos mostrados no estudo, as empresas vão continuar dispostas a fazer doações ilegais se as vantagens em contratos futuros e licitações continuarem sendo maiores do que a possibilidade de ser pego e punido pela ilegalidade.
Do lado do candidato, a imposição de um limite nos gastos de campanha também funciona como incentivo para o recebimento de doações ilegais de empresas. Segundo a teoria, é preciso fazer com que a percepção da perda supere a percepção de ganhos, aumentando a fiscalização e criando um movimento de boicote entre eleitores.
O pesquisador da FGV e professor de Direito do Mackenzie Diogo Rais afirma que o financiamento público é um gasto desnecessário e que não garante mais democracia.
“O dinheiro sai de uma estrutura orçamentária deficiente e entra numa estrutura sobre a qual não temos controle, que é o partido político. Se eu coloco o dinheiro na mão do partido e ele tem carta branca para usá-lo como quiser, não quer dizer que a democracia está sendo garantida”, explica.
Ele acrescenta que o modelo pode deixar as candidaturas menos consolidadas dentro dos partidos ainda mais frágeis. “Quem já não tiver prestígio dentro do partido vai ter pouca chance de se viabilizar.”
Mas uma mudança nessa dinâmica teria de implicar uma legislação sobre as estruturas partidárias, que é um ponto que divide a classe jurídica, de acordo com Rais. Além disso, o financiamento público também tem potencial para tornar a competição entre os partidos mais injusta: quem já tem representatividade vai garantir mais; quem tem pouca, tende a sumir.
Isso porque, atualmente, 5% do dinheiro do fundo partidário é distribuído de forma igualitária a todos os partidos brasileiros; os outros 95% são distribuídos na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.
Na proposta de criação de um fundo de R$ 3,5 bilhões, metade do dinheiro iria para todos os partidos igualmente, e a outra metade seria distribuída por representatividade.
Pela nova proposta, partidos que hoje apoiam o governo Temer garantiriam 60% do dinheiro.
Mesmo quem defende o financiamento público, como é o caso do especialista em direito eleitoral Guilherme Pessoa Franco de Camargo, cita a necessidade de mudanças no modelo atual. Camargo é favorável ao financiamento público de campanha, afirmando que quando os recursos veem de um único fundo, é mais fácil de fiscalizar a destinação.
Em uma próxima etapa, no entanto, Camargo defende uma reforma que mude o sistema eleitoral brasileiro para cortar os custos de campanha, como a adoção da lista fechada ou do voto distrital, por exemplo. Por um lado, a lista fechada poderia tornar os gastos dos partidos mais direcionados, mas traria problemas, como um ciclo vicioso cada vez menos arejado na política brasileira.
O voto distrital, por sua vez, poderia aproximar os candidatos de seus eleitores, enquanto cortaria gastos de campanha, como exemplifica Daniel Falcão: "é diferente o candidato se deslocar em seu distrito de ter de percorrer todo o estado durante uma campanha".