Embaixada do Brasil nos EUA: o Comprova não encontrou nenhuma evidência que corroborasse com a corrente (SimonP/Wikimedia Commons/Reprodução)
Clara Cerioni
Publicado em 6 de agosto de 2019 às 10h31.
Última atualização em 6 de agosto de 2019 às 19h21.
São Paulo — É falso que a Embaixada do Brasil em Washington, nos Estados Unidos, seja um “reduto do PT'” (Partido dos Trabalhadores), que tenha batizado uma sala de reuniões com o nome de Marielle Franco e que tenha sido usada politicamente para apoiar a esquerda, como afirma uma corrente que circula no WhatsApp e nas redes sociais.
Segundo o texto, o presidente Jair Bolsonaro teria escolhido o filho Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PSL de São Paulo, para ser o novo embaixador em Washington para que ele ”faxinasse” o órgão. A corrente faz acusações sobre as quais não há evidências em outras fontes de informação.
O texto acusa a Embaixada de batizar uma sala de reuniões com o nome de Marielle Franco, vereadora carioca assassinada em 2018, e de exibir nas paredes a inscrição “Lula Livre”, em referência à prisão do ex-presidente.
A peça também acusa a Embaixada de ter patrocinado manifestantes que reivindicam a soltura de Lula e abrigado integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). A fonte dessas informações, segundo a corrente, seria um advogado brasileiro que vive em Washington e “muitas vezes precisa ir à Embaixada” para “resolver assuntos de outros brasileiros”.
Para fazer esta verificação, o Comprova entrou em contato com a Embaixada em Washington, com o Itamaraty e com o MST. Foram também consultadas jornalistas brasileiras que trabalham na capital americana e três outros brasileiros que residem na cidade e frequentam a Embaixada.
Além disso, buscamos informações sobre as despesas da Embaixada no Portal da Transparência do governo federal e levantamos fotos do local nas redes sociais e no Google Maps.
A Embaixada do Brasil em Washington afirmou ao Comprova por e-mail que as informações divulgadas na corrente “são patentemente falsas” e não têm “nenhum fundamento”.
Afirmou que é um órgão oficial do governo brasileiro, que não conta com inscrições de cunho político, não recebe ou apoia atos políticos de qualquer sorte nem “oferece espaço para a realização de reuniões que não sejam relacionadas diretamente às suas atividades oficiais”.
A Embaixada também ressalta que não tem setor consular, ou seja, não atende a brasileiros para resolver problemas pessoais – competência que hoje cabe a outro órgão, o Consulado-Geral do Brasil em Washington.
A informação contradiz o conteúdo do texto que viralizou, segundo o qual um advogado teria “descoberto” o viés de esquerda do órgão por causa de visitas feitas para resolver contratempos de clientes brasileiros. A Embaixada trata exclusivamente de assuntos de política externa, com o objetivo de “defender os interesses do Brasil nos EUA”, afirma o órgão.
A resposta da Embaixada foi corroborada por outros brasileiros consultados pelo Comprova.
As correspondentes em Washington Beatriz Bulla, do Estadão, e Marina Dias, da Folha de S. Paulo, afirmam que nunca viram escritos de “Lula Livre” nas paredes nem souberam de salas com o nome de Marielle Franco em nenhum dos prédios da Embaixada. “Posso dizer com segurança que isso é boato”, disse Marina, correspondente desde março.
André Borges, conselheiro da diretoria do Banco Interamericano de Desenvolvimento, disse ao Comprova poder “afirmar categoricamente que nunca viu ou ouviu menção a nenhum dos pontos mencionados no texto” que viralizou, incluindo as acusações relacionadas ao MST. Ele respondeu à reportagem enquanto estava a caminho de uma reunião na Embaixada.
O Comprova fez uma ronda nas principais redes sociais em busca de fotos internas da Embaixada e não encontrou nenhuma imagem ou relato de usuário que corrobore o conteúdo do texto.
É possível conferir fotos cuja localização é a Embaixada do Brasil em Washington no Instagram e no Facebook (é preciso clicar nas setas ao lado das fotos para ver as imagens seguintes). O Google Maps também disponibiliza fotos do local.
“Nunca ouvi dizer de [a Embaixada] dar contribuição financeira para protestos, nunca me foi oferecido e nunca chegou a mim notícia de alguém que tenha recebido”, também contou ao Comprova Livia Lopes, professora na George Washington University. Ela diz que tem contato frequente com órgão brasileiro para firmar parcerias em projetos acadêmicos.
“Nunca vi membros do MST por lá nem de nenhum movimento social. A Embaixada em geral recebe autoridades e ‘notáveis’ para eventos oficiais, mas que duram poucas horas”, disse.
“Diplomatas e funcionários têm linhas ideológicas e preferências distintas, mas noto que todos são respeitosos com a figura do presidente no poder”, continuou ela, que diz ter começado a frequentar a Embaixada durante o mandato de Dilma Rousseff (PT).
“Os diplomatas ali são profissionais com décadas de experiência, dedicados ao aprofundamento da relação entre Brasil e Estados Unidos”, acrescentou Roberta Braga, que é diretora associada no Atlantic Council, think tank que atua com assuntos internacionais.
A Embaixada afirmou ao Comprova que não publica agenda ou calendário de atividades oficiais, mas divulga as principais ações do órgão em um boletim mensal por email. De outubro de 2015 a junho de 2019, mês da edição mais recente do boletim, não foram divulgadas atividades relacionadas ao MST ou a outra organização de esquerda.
Alguns dos eventos em destaque nesse tempo foram a eleição de Bolsonaro, em outubro de 2018, reuniões de grupos multilaterais, visitas de autoridades brasileiras aos EUA, ciclos de palestras sobre temas do país e apresentações culturais, entre outros.
No último mês, a Embaixada divulgou chamadas para uma cerimônia sobre as vítimas do comunismopara o 30º aniversário da queda do Muro de Berlim, que marcou o início da derrocada da antiga União Soviética (1917-1991) e da polarização entre comunismo e capitalismo no mundo.
Ao Comprova, Gilmar Mauro, integrante da coordenação nacional do MST, afirmou que insinuar que a Embaixada tenha apoiado o movimento é “um absurdo”.
“Nenhum membro do MST ficou hospedado na Embaixada em Washington, e nunca tivemos nenhum financiamento de nenhuma Embaixada de nenhuma parte do mundo”, disse. Ele contou que a organização realizou manifestações nos EUA e que seus integrantes com frequência participam de debates no país, mas por meio de “apoio de amigos”, não de órgãos oficiais.
Ao lado de outros grupos, integrantes do MST, sob o movimento de nome Amigos do Brasil, realizaram um ato em frente à Embaixada em Washington em junho de 2017.
Eles protestavam na época contra atos de repressão no Brasil a manifestações que criticavam o governo do ex-presidente Michel Temer (MDB). Apesar de ter acontecido em frente ao órgão, o evento não teve apoio institucional da Embaixada, mas de movimentos sociais.
“Protestos [na Embaixada] em geral vejo organizados pela sociedade civil”, disse Livia Lopes ao Comprova. “Como ocorre com a sociedade americana e as questões que os afetam, também a comunidade brasileira protesta quando não está satisfeita.”
As despesas da Embaixada em Washington, de 2012 até julho de 2019, podem ser consultadas (veja como) no Portal da Transparência do governo federal. Para verificar se o órgão financiou algum protesto no Brasil em favor da liberdade do ex-presidente Lula, preso em abril de 2018, o Comprova consultou dados do portal desde aquele mês até o presente.
Não foram encontradas entre as despesas referências a alguma manifestação de esquerda no Brasil, mas a gastos com folha de pagamento, material e eventos no órgão.
Em março deste ano, Bolsonaro fez uma visita oficial aos EUA acompanhado de uma vasta comitiva: seu filho, Eduardo Bolsonaro, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara; os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Paulo Guedes (Economia), Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Tereza Cristina (Agricultura), Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia) e Ricardo Salles (Meio Ambiente); e Filipe Martins, assessor especial da Presidência para assuntos internacionais.
O primeiro compromisso da delegação, na noite do dia 17, foi um jantar com o então embaixador do Brasil nos EUA, Sérgio Amaral, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no governo de Fernando Henrique Cardoso e à frente da Embaixada desde 2016.
O evento contou ainda com a presença de Olavo de Carvalho, que mora em Richmond, estado da Virgínia. O presidente postou em suas redes sociais uma foto em que aparece com Filipe Martins, Carvalho, o chanceler Araújo e o filho Eduardo com a legenda “Jantar na embaixada do Brasil nos EUA”. Martins retuitou e comentou: “Grande dia!”.
Eduardo foi menos econômico e escreveu em sua página no Facebook: “Privilégio poder participar deste momento, na minha opinião histórico: encontro de Jair Messias Bolsonaro com Olavo de Carvalho. Foi um jantar agradável, um bate-papo à vontade propiciado pelo embaixador do Brasil nos EUA Sérgio Amaral. Grande noite!”. O chanceler Ernesto Araújo chegou a dar uma entrevista coletiva na Embaixada, além de ter postado foto no Twitter.
Nem Bolsonaro nem Eduardo, Araújo, Olavo de Carvalho ou algum outro ministro relatou ter visto o termo “Lula livre” nas paredes do local ou uma sala com o nome de Marielle Franco. Tampouco relataram ter encontrado na Embaixada um “reduto do PT”.
Por e-mail, o Comprova perguntou ao Itamaraty se o conteúdo da corrente que viralizou é verdadeiro, considerando que o ministro das Relações Exteriores e outros integrantes do órgão frequentaram a Embaixada em Washington.
Em resposta, o órgão afirmou que as “informações” do texto enviado pelo Comprova “não procedem”. A assessoria de Eduardo Bolsonaro também foi procurada, mas não enviou resposta até a publicação deste texto.
A corrente que viralizou foi divulgada pela página Notícias Servseg e por perfis pessoais no Facebook e no Twitter. A corrente também transitou em grupos de WhatsApp acompanhados pelo Monitor de WhatsApp da Universidade Federal de Minas Gerais, que mapeia conteúdo viral em grupos públicos do aplicativo. Além do Comprova, o Boatos.orgverificou o texto.
Deputado federal e presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, Eduardo Bolsonaro virou assunto no dia 11 de julho, quando o pai disse em entrevista a jornalistas que indicaria o “Zero Três” para o cargo de embaixador do Brasil nos Estados Unidos. O cargo está vago desde 10 de abril, quando o chanceler Ernesto Araújo demitiu o diplomata Sérgio Amaral, à frente da Embaixada desde 2016.
Historicamente, o cargo de embaixador é ocupado por diplomatas de carreira do Itamaraty, como mostra esta reportagem do portal Huffpost Brasil. Advogado e escrivão da Polícia Federal, o filho do presidente não tem formação internacional. Ao responder sobre suas qualificações, o deputado disse:
“Já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos EUA, no frio do Maine, estado que faz divisa com o Canadá. No frio do Colorado, numa montanha lá, aprimorei meu inglês. Vi como é o trato receptivo do norte-americano para com os brasileiros. Então acho que é um trabalho que pode ser desenvolvido. Certamente precisaria contar com a ajuda dos colegas do Itamaraty, dos diplomatas, porque vai ser um desafio grande. Mas tem tudo para dar certo”,
A indicação de Eduardo Bolsonaro para a Embaixada do Brasil em Washington ainda precisa passar pela aprovação do Senado.
A Embaixada do Brasil em Washington, principal representação diplomática nos EUA, dedica-se a defender os interesses brasileiros no país. É considerada fundamental para a execução da política externa brasileira – atraindo investimentos e promovendo o comércio exterior – e para integrar o Brasil a temas importantes da agenda internacional.
É também considerada uma das Embaixadas mais estratégicas para o Ministério das Relações Exteriores, devido à longa tradição na diplomacia entre Brasil e EUA, ao grande poder econômico e militar norte-americano e à influência do país nas Américas. Os Estados Unidos também são o país com a maior comunidade brasileira no exterior.
A Embaixada divide-se em dois prédios. A residência do Embaixador, um prédio clássico onde vive o chefe do órgão, nomeado pelo presidente da República, e a Chancelaria, edifício modernista onde fica o corpo de funcionários.
Ali trabalham diplomatas e integrantes do chamado Serviço Exterior Brasileiro, corpo de servidores federais que representam o Brasil nos Estados Unidos. Estão também na Embaixada representantes de outros órgãos da administração federal, como o Ministério da Defesa, a Polícia Federal e a Receita Federal.
*A checagem acima, investigada pela Piauí e o Nexo, foi publicada pelo Projeto Comprova, uma coalizão de 24 veículos de mídia, incluindo EXAME, formada com o objetivo de combater a desinformação sobre políticas públicas federais. Você pode sugerir checagens por meio do número de WhatsApp (11) 97795-0022.