Soldados do Exército em frente ao prédio do Ministério da Agricultura após protestos em Brasília, dia 24/05/2017 (Paulo Whitaker/Reuters)
Talita Abrantes
Publicado em 24 de maio de 2017 às 20h43.
Última atualização em 25 de maio de 2017 às 07h15.
São Paulo – O decreto do presidente Michel Temer, editado em meio aos confrontos entre policiais e manifestantes nesta quarta, que convoca as Forças Armadas para garantir a lei e a ordem no Distrito Federal é um ataque à Constituição, segundo o jurista Paulo Blair, professor de Direito Constitucional da Universidade de Brasília (UnB).
Previstas na Carga Magna de 1988 e regulamentadas por lei complementar em 1999, as missões de Garantia da Lei e da Ordem já foram adotadas pelo governo federal em outras ocasiões. Mas essa é a primeira vez que o recurso é utilizado para barrar atos de vandalismo, segundo informações do Ministério da Defesa para EXAME.com.
De acordo com Blair, também é a primeira vez que a medida é instaurada sem a petição de um governo estadual. E é aí que os problemas com o decreto de Temer começam.
Segundo o Ministério da Defesa, esse recurso é utilizado quando há um esgotamento das forças tradicionais de segurança pública. Em termos práticos, nessas ações, as Forças Armadas são liberadas a atuar com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade.
No caso desta quarta-feira, segundo a Defesa, os militares foram convocados para garantir a segurança de prédios públicos em Brasília. Durante a tarde de hoje, edifícios da região da Esplanada dos Ministérios foram depredados. O Ministério da Agricultura, o mais atingido de todos, chegou a ter um foco de incêndio.
Seguindo a lógica da repartição constitucional dos poderes e as competências dos estados, Blair lembra que a manutenção da segurança pública é uma responsabilidade dos estados. Portanto, de acordo com o jurista, o envio de reforço das Forças Armadas para conter os atos de vandalismo praticados hoje dependia de um pedido feito pelo governo do Distrito Federal. Informação não confirmada até esse momento.
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, afirmou, durante pronunciamento, que o pedido de reforço das "tropas nacionais" teria sido feito pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). O deputado nega e afirma que pediu o uso das Forças Nacionais e não do Exército.
De acordo com Blair, caso Maia tivesse pedido o apoio do Exército, a medida só seria válida para o prédio do Congresso - e não para todo Distrito Federal, como afirma o texto do decreto.
"Segurança pública é assunto estadual", afirma Blair. "Só deixa de ser em três hipóteses: diante de uma intervenção federal no estado ou se for decretado estado de defesa ou estado de sítio".
Mesmo nesses cenários, diz o jurista, a decisão do governo federal deveria ser submetida a um rito específico, como a aprovação do Congresso. "A reação do governo foi exagerada e perigosa", afirma Blair.
Em entrevista à rádio Estadão, o ministro da Defesa negou que o decreto seja inconstitucional. Segundo ele, cerca de 1.400 militares farão a segurança em torno dos prédios dos ministérios, Planalto, Congresso e Supremo Tribunal Federal. A missão deve durar por até 48 horas.
O que é uma ação de Garantia da Lei e da Ordem?
A princípio, esse recurso é utilizado quando há um esgotamento das forças tradicionais de segurança pública. Em termos práticos, nessas ações, as Forças Armadas são liberadas a atuar com poder de polícia até o restabelecimento da normalidade.
Assim, por um tempo limitado e em uma área restrita, os militares devem agir para “preservar a ordem pública, a integridade da população e garantir o funcionamento regular das instituições”, afirma texto do site do Ministério da Defesa.
Quais as leis que embasam a missão da Garantia da Lei e da Ordem?
As missões da Garantia da Lei e da Ordem (GLO) são previstas no artigo 142 da Constituição Federal, mas só foram reguladas com a Lei Complementar 97, de 1999, e pelo Decreto 3897, de 2001.
Quem pode convocar as Forças Armadas para missões desse tipo?
Segundo o Ministério da Defesa, a decisão sobre o emprego das tropas é feita pela Presidência da República, "por motivação ou não dos governadores ou dos presidentes dos demais Poderes constitucionais".
Quando a Garantia da Lei da Ordem já foi usada no Brasil?
Na maioria das vezes em que o presidente recorreu a esse recurso, a motivação estava atrelada à segurança de autoridades, como durante a Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável do Rio de Janeiro (Rio + 20), em 2012, e na visita do Papa Francisco durante a Jornada Mundial da Juventude, em 2013.
Mais recentemente, durante a crise de segurança pública no início do ano, a mesma medida foi adotada nos estados do Rio Grande do Norte e do Espírito Santo.