Obras na Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco: TCU descobriu R$ 1,3 bilhão em sobrepreço em contratos da refinaria (Oscar Cabral/VEJA)
Da Redação
Publicado em 1 de outubro de 2014 às 16h24.
Rio de Janeiro - Os contratos da Petrobras que estão no centro da investigação criminal contra o ex-executivo Paulo Roberto Costa mostram que outro diretor da empresa negociou com empreiteras e recomendou à diretoria executiva a aprovação dos acordos supostamente superfaturados.
Renato Duque, ex-diretor de Engenharia e Serviços da petroleira estatal, carimbou e assinou pelo menos R$ 6,6 bilhões (US$ 2,7 bilhões) em contratos da refinaria Abreu e Lima, no nordeste do Brasil, segundo documentos internos da Petrobras obtidos pela Bloomberg.
Os investigadores identificaram evidência de fraude, superfaturamento e subornos nos mesmos contratos e os usaram para recomendar uma ação criminal contra Costa, o ex-diretor de refino da empresa.
Como chefe de Engenharia, era parte do encargo de Duque trabalhar com em proximidade com a unidade de Costa.
Em documentos judiciais que compilam os resultados de uma investigação policial, os investigadores disseram que outros funcionários da Petrobras além de Costa podem ser investigados em inquérito policial próprio, sem citar quem eles seriam.
Os documentos não mencionam uma acusação formal contra Duque, que deixou a conpanhia em 2012 e tem uma empresa de consultoria privada no centro do Rio de Janeiro.
Ele não foi acusado de nenhuma irregularidade. As tentativas de entrar em contato com Duque por telefone e por meio de uma mensagem por escrito entregue a um assistente não foram respondidas.
O departamento de imprensa da Petrobras não respondeu aos e-mails e telefonemas em busca de comentários sobre as acusações de superfaturamento em contratos da refinaria e sobre os diretores acusados de serem os responsáveis pela assinatura.
Costa concordou em colaborar com as investigações em troca de uma redução de sentença.
Costa concordou em devolver ao governo brasileiro US$ 25,8 milhões em contas na Suíça e nas Ilhas Cayman, um iate de R$ 1,1 milhão e um terreno de R$ 3,2 milhões, entre outros valores, assim como qualquer conta sua no exterior.
Costa reconheceu todos serem "integralmente produto de atividade criminosa", segundo os procuradores da operação Lava Jato no pedido de prisão domiciliar.
Costa e sua defesa não têm permissão para comentar as investigações, disse sua advogada, Beatriz Catta Preta, por telefone.
Prisão domiciliar
O juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal Federal do Paraná, ordenou ontem a libertação de Costa da prisão para aguardar o julgamento em prisão domiciliar.
O escândalo colocou a divisão de refino da Petrobras sob investigação e a presidente Dilma Rousseff na defensiva antes das eleições deste mês.
A unidade registrou mais de US$ 44 bilhões em prejuízos operacionais desde 2011 principalmente por causa de subsídios a combustíveis que transformaram a Petrobras na companhia de petróleo com pior desempenho, entre as grandes, no período.
Dilma foi presidente do Conselho de Administração da Petrobras de 2003 a 2010, quando deixou a função para concorrer à presidência. A Petrobras disse que os contratos foram aprovados pela diretoria executiva, não pelo conselho de administração.
O gabinete de Dilma e sua equipe de campanha preferiram não comentar.
A divisão de engenharia era corresponsável pelos contratos da Abreu e Lima, disse a presidente da Petrobras, Graça Foster, em audiência no Congresso, em junho, sem mencionar o nome de Duque.
Foster afastou Duque, Costa e dois outros diretores depois que foi promovida a presidente, em fevereiro de 2012, como parte de um amplo remanejamento administrativo.
Carreira na Petrobras
Duque iniciou sua carreira na Petrobras como engenheiro de petróleo em 1978 e foi promovido a gerente de recursos humanos da divisão de exploração e produção em 1995 antes de assumir o controle da divisão de engenharia e serviços, em 2003, pulando estágios de gerente geral e gerente executivo.
Um documento da Petrobras de 2009 afirma que a refinaria de Abreu e Lima não geraria suficiente fluxo de caixa para cobrir custos se o projeto de construção excedesse US$ 10,5 bilhões.
A Petrobras projeta investir pelo menos US$ 18,5 bilhões para concluir a planta. A empresa não respondeu a um e-mail em busca de comentário a respeito da lucratividade estimada para o projeto. A planta tem previsão de começar a operar em novembro.
A investigação criminal que tem Costa como foco levou a ataques contra Dilma por candidatos da oposição em debates televisionados durante a campanha eleitoral, o que inclui a especulação a respeito das responsabilidades de Duque.
‘Insônia severa’
“Se esse [ex-] diretor Paulo Roberto Costa já está deixando todo mundo sem dormir, quando chegarem próximo desse diretor conhecido como Duque acho que muita, mas muita gente, principalmente do PT, vai ter grave insônia”, afirmou o candidato à presidência Aécio Neves, no dia 20 de setembro, durante um evento de campanha.
Aécio está entre os candidatos que desafiam a tentativa de reeleição de Dilma, do PT. A legenda preferiu não responder aos comentários de Aécio em uma resposta a questões, enviada por e-mail.
Os investigadores mencionaram sete contratos suspeitos de fraude e superfaturamento em sua recomendação de ação criminal contra Costa, incluindo um para uma unidade de coqueamento retardado e tratamento cáustico de R$ 3,4 bilhões e outro para uma unidade de hidrotratamento e geração de hidrogênio de R$ 3,19 bilhões, equipamentos fundamentais para converter petróleo bruto em combustíveis.
Os documentos da Petrobras obtidos pela Bloomberg mostram que Duque carimbou, assinou e enviou os dois contratos para aprovação da diretoria executiva da Petrobras no final de 2009.
Evidência de superfaturamento
Os investigadores mencionam evidências de sobrepreço e superfaturamento de até R$ 446 milhões no contrato da unidade de coqueamento. Os dois contratos foram alvo do Tribunal de Contas da União em uma investigação de 2010.
O TCU descobriu R$ 1,3 bilhão em sobrepreço em contratos da refinaria Abreu e Lima, citam os procuradores.
Em 24 de setembro, o TCU divulgou um relatório separado mencionando evidência de sobrepreço na forma como os valores foram atualizados em alterações aos dois contratos.
Entre as companhias que ganharam os contratos estão a Odebrecht SA, a OAS SA e a Camargo Corrêa SA, três das maiores empresas de engenharia e construção do Brasil.
O consórcio liderado pela Camargo Corrêa negou a prática de sobrepreço em uma resposta a perguntas, enviada por e-mail, e disse que o incremento de 12 por cento no valor do contrato foi o resultado de ajustes do projeto, que está 90 por cento concluído.
O consórcio formado pela Odebrecht e pela OAS disse em uma resposta enviada por e-mail que não recebeu nenhuma comunicação do TCU e que os contratos incluem cláusulas que preveem ajustes.
A empresa disse que utiliza uma fórmula diferente da usada pelo TCU para calcular encargos trabalhistas. Ambos os consórcios disseram estar dispostos a colaborar com as autoridades.
Suposto esquema
Um suposto esquema liderado por Costa dentro da Petrobras enviou parte do dinheiro dos contratos de coqueamento e da unidade de hidrotratamento para o exterior por meio de empresas de fachada, segundo documentos judiciais que incluem a transcrição de gravações de escutas telefônicas, registros bancários e depósitos de empresas de construção e que foram tornados públicos por um tribunal federal de Curitiba, onde o caso está sendo analisado por um juiz.
“Não é devido comentar sobre conteúdos não oficiais publicados nos meios de comunicação. Também não cabe comentar sobre investigações em curso ou sobre declarações de pessoas ou empresas sendo investigadas pela Polícia Federal ou por qualquer outro organismo de controle”, disse a Petrobras, em um comunicado, no dia 8 de setembro.
Costa disse aos promotores e à Polícia Federal que o desvio de fundos também existiu em outras divisões, incluindo aquela comandada por Duque, reportou o jornal Folha de S. Paulo em 19 de setembro.
A Polícia Federal disse em um comunicado em seu site que estava investigando os vazamentos para a mídia local.
Deixou de sangrar
“Se houve alguma coisa, e tudo indica que houve, eu posso te garantir que todas, vamos dizer assim, as sangrias que eventualmente pudessem existir estão estancadas”, disse Dilma, em entrevista, em 8 de setembro, ao jornal O Estado de S. Paulo, quando questionada a respeito da suposta corrupção na Petrobras.
Membros de partidos de oposição na comissão que investiga a Petrobras planejam convocar Duque para depor no Congresso antes do segundo turno da eleição presidencial, previsto para 26 de outubro, se nenhum dos candidatos conseguir a maioria dos votos válidos no dia 5 de outubro, disse Rubens Bueno, líder do Partido Popular Socialista, o PPS, na Câmara dos Deputados.
O Partido do Movimento Democrático Brasileiro, ou PMDB, apoiaria a convocação de Duque para depor, segundo Eduardo Cunha, líder do partido na Câmara. O PMDB faz parte da base aliada do governo.
“A situação é urgente”, disse Bueno, por telefone, de Brasília. “Isso precisa ser investigado”.