Michel Temer: presidente de um partido que não prioriza ter o Planalto, emedebista não muda os planos da legenda (Andre Coelho/Bloomberg)
Carolina Unzelte
Publicado em 14 de maio de 2018 às 14h30.
Última atualização em 16 de maio de 2018 às 17h53.
São Paulo — "Não havia um projeto de poder, mas sim uma urgência”. É o que afirma o cientista político Bolívar Lamounier, sócio-diretor da Augurium Consultoria, sobre o momento em que Michel Temer (MDB) assumiu o poder em maio de 2016 após o afastamento de Dilma Rousseff durante o processo de impeachment. Hoje, a situação é diferente. O emedebista quer defender seu legado. "Seria covardia não ser candidato", disse o presidente à revista IstoÉ em março.
Seu partido, apesar de aparentemente relutante em apostar na reeleição sem a garantia de que Temer chegará ao segundo turno, parece, pelo menos, compartilhar o desejo de ter um representante próprio na corrida pelo Planalto. Isso também sinaliza certa novidade: desde o fim da ditadura, a única vez em que o PMDB (como se chamava o MDB até dezembro de 2017) lançou um cabeça de chapa para a Presidência foi com Orestes Quércia, em 1994. Desde a redemocratização, foram apenas três presidentes emedebistas: José Sarney, Itamar Franco e o próprio Temer — nenhum deles chegou ao Palácio do Planalto liderando uma chapa presidencial, mas sim pela linha sucessória.
"Nunca houve uma estratégia unificada do partido, nem em 2016 nem agora", explica Silvio Cascione, analista sênior da consultoria de análise política Eurasia para o Brasil. Isso não significa que a fragmentação interna enfraqueça a sigla, pelo contrário. "Como o MDB não tem identidade ideológica definida, se torna o grande partido de centro, com grande capacidade de coligação", afirma Rafael Mucinhato, pesquisador de ciências políticas da Universidade de São Paulo (USP) e especialista na história da legenda.
De acordo com o especialista, o MDB sempre teve como meta "se manter no plano de fundo” apostando mais em “candidaturas de deputados, vereadores e em se fortalecer no poder local”. Com 7 governadores, 50 deputados federais (a terceira maior bancada da Casa), 18 senadores (do total de 81), 145 deputados estaduais e 963 prefeitos, além de 7.935 vereadores, é quase impossível governar sem o apoio do partido.
“Todo o período da Nova República contou com a participação fundamental do MDB como o fiel da balança de todos os governos”, diz Marcelo Issa, da consultoria Pulso Público. Na eleição de 2010, o partido voltou a compor uma chapa presidencial. Mas a aliança durou até novembro de 2015, quando Michel Temer expôs seu descontentamento com o governo Dilma em uma carta. Em março do ano seguinte, veio o desembarque da base aliada. Dois meses depois, o emedebista assumiria a Presidência interinamente com a promessa de retomada econômica em meio a um quadro de recessão e inflação alta.
Até certo ponto, a promessa foi cumprida. No entanto, apesar dos avanços do início do mandato (com a aprovação da reforma trabalhista, por exemplo), "o projeto inicial do governo Temer ficou pelo caminho”, diz Issa, da Pulso Público. E a reforma da Previdência é o maior exemplo desse fracasso. Depois da implicação de Temer em uma série de escândalos de corrupção, o governo perdeu a capacidade de aprovar até coisas simples no Congresso.
Em maio de 2017, vieram à tona as delações dos executivos do grupo J&F com graves acusações contra Temer. O caso rendeu duas denúncias contra o presidente: a primeira por corrupção passiva sob a suspeita de ter recebido 500 mil reais em propina e outra por obstrução da Justiça e organização criminosa. Segundo a Procuradoria-Geral da República, o emedebista teria atuado para comprar o silêncio do doleiro Lúcio Funaro e do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, além de ter se beneficiado de mais de 3 milhões de reais em um esquema de corrupção do MDB.
As duas denúncias foram rejeitadas na Câmara dos Deputados, mas Temer pagou um alto preço pelos casos. "Ele foi obrigado a gastar boa parte do seu capital político na defesa e nas tratativas para impedir sua própria cassação", explica Issa. Em tempo: o presidente ainda é suspeito de ter beneficiado a empresa Rodrimar, atuante no Porto de Santos.
No momento, segundo o cientista político, o presidente encarna o que a literatura política norte-americana chama de "pato manco": apesar de estar no poder, tem pouca margem para concretização de políticas públicas. É essa perda de apoio da base aliada que limita a consolidação da retomada econômica prometida.
Apesar de alguns sucessos, como "a ação consistente do Ministério da Fazenda e do Banco Central para reverter a inflação, reduzir a taxa de juros e enfrentar recessão e desemprego", como lembra Lamounier, o legado econômico do governo não é sensível para a população. Cascione, da Eurasia, diz que isso se deve, em parte, “ao tamanho do tombo”. “Não é crescimento de 2% que vai recuperar recessão de 10%”, afirma.
Engavetada, a reforma da Previdência, uma das maiores derrotas de Temer, já era rejeitada por 71% dos brasileiros, conforme pesquisa do Datafolha de abril de 2017. A impopularidade da medida só não era maior que a do próprio presidente: segundo pesquisa realizada pelo mesmo instituto em janeiro deste ano, a aprovação de Temer ficava em 6%. Mesmo após a intervenção federal na área de segurança pública no Rio de Janeiro, vista como uma mudança de foco para tema que cada vez mais importa ao eleitor, o índice se manteve.
Com o cenário pouco favorável, a possibilidade de reeleição é remota. Mesmo a alternativa do partido para a presidência — o recém-filiado e ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles — não é a mais atraente: ele também pontua baixo nas pesquisas de intenção de voto. "Nenhum dos dois deve alcançar dianteira em relação ao outro e esse quadro não deve se alterar significativamente até o registro de candidaturas", pontua Issa.
Na pior (ou melhor) e mais provável das hipóteses, o MDB pode retornar à estratégia antiga, sem cabeça de chapa para o Planalto e com foco no poder regional. “Nossa opinião é de que legenda não vai lançar candidato próprio”, afirma Cascione. O presidente nacional da legenda, Romero Jucá, admitiu a possibilidade de partido não lançar candidatura e reforçou que prioridade é continuar elegendo grandes bancadas.
Nesse sentido, a capacidade de coligação se mantém bastante forte. "Em função especialmente do tempo de rádio e TV para campanha eleitoral e dos recursos do fundo partidário e eleitoral, que são calculados pela presença do parlamento", diz Marcelo Issa. O MDB, com 50 deputados e 18 senadores, tem elevada atratividade nesse sentido.