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Ditadura deixou ao menos 200 mortos e desaparecidos no campo

A estimativa é da Comissão da Verdade do Rio, que ouviu hoje depoimentos de pessoas que sofreram perseguição e repressão no campo


	Protesto contra crimes na ditadura
 (Nelson Antoine/Fotoarena/VEJA)

Protesto contra crimes na ditadura (Nelson Antoine/Fotoarena/VEJA)

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Da Redação

Publicado em 19 de maio de 2015 às 21h56.

Rio de Janeiro - As violações de direitos humanos cometidos pela ditadura militar deixaram pelo menos 200 camponeses mortos ou desaparecidos no estado do Rio de Janeiro.

A estimativa é da Comissão da Verdade do Rio (CEV-Rio), que ouviu hoje (19) o depoimento de pessoas que sofreram perseguição e repressão no campo.

Nadine Borges, que faz parte da CEV-Rio, criticou o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), finalizado em dezembro. Segundo ela, o documento não foi profundo na abordagem das violações na área rural.

“No Rio de Janeiro, que não é um estado reconhecido por violações na área agrária, a CNV avaliou algumas situações em Cachoeiras de Macacu. Mas, com essa pesquisa, a gente já identificou várias outras cidades, na região do sul fluminense, Angra dos Reis, Paraty, Magé e Baixada Fluminense. A repressão no campo, principalmente em 1964, no início da ditadura, foi muito forte. Centenas de famílias foram despejadas, removidas das suas terras”.

O levantamento dos 200 nomes foi feito por uma pesquisa da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), que venceu edital da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) para subsidiar os trabalhos da CEV-Rio.

De acordo com Nadine, estão sendo desenvolvidas sete pesquisas, por seis universidades, que integrarão o relatório final da comissão, a ser apresentado em outubro.

Nadine Borges disse ainda que a comissão está iniciando a redação do relatório final e que as pesquisas relacionadas ao trabalho devem continuar após a entrega do documento.

Ela informou que, com a saída de Wadih Damous da CEV-Rio, para assumir o mandato de deputado federal, a advogada Rosa Cardoso, que foi participou da CNV, aceitou o convite para integrar a equipe do Rio e vai assumir a presidência da comissão até o fim dos trabalhos.

A coordenadora do projeto da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro  (Faperj), Leonildes Medeiros, ao falar  sobre o tema, destacou que os camponeses sofreram a repressão tanto do Estado quanto do setor privado.

“A repressão no campo assume duas faces. Primeiro é a violência da ditadura militar: as casas invadidas, pessoas retiradas de suas casas, lideranças presas e torturadas. Mas, também, uma repressão que normalmente não é contabilizada, que se dá pelo poder privado: as grandes empresas que chegam com os tais grandes projetos de desenvolvimento, que removem as pessoas, que queimam casas, que jogam gado nas lavouras”.

Para o membro da Comissão Camponesa da Verdade, Gilney Viana, o campo pode ter sido o setor que mais sofreu repressão e perseguição durante a ditadura militar.

“Quando se deu o golpe, a maioria da classe trabalhadora era camponesa, a maioria da população brasileira estava no campo. Isso só é revertido com o processo de urbanização que é acelerado também pela ditadura. Não se sabe até hoje a proporção, mas é possível que a maioria dos atingidos tenham sido os camponeses e os povos indígenas, que foram igualmente sacrificados”.

De acordo com ele, a estimativa é que 8.500 indígenas tenham sido assassinados no período.

Nos depoimentos de hoje, Jair da Anunciação relatou sua luta contra grandes empreendimentos imobiliários em Trindade, vila de pescadores perto de Paraty.

“Na década de 1970 chegou em Paraty uma companhia multinacional para fazer um condomínio grande de luxo. Começaram a executar a obra na Praia de Laranjeira e falavam que Trindade fazia parte. Começaram a queimar as casas, trouxeram 70 jagunços. Foram anos de horror. Quem tinha lavoura abandonou a lavoura, a pesca ficou difícil. A gente não tinha como trabalhar, precisava de doação para sobreviver. A comunidade estava vivendo em cavernas, montamos barracas no meio do mato”, disse.

A lavradora Roseli Borges relatou que a família foi expulsa da fazenda na região de Campos dos Goytacazes.

“Vivíamos num paraíso. Minha mãe, meu avó, minha avô, todo mundo trabalhava na fazenda. Até que um dia apareceu um grileiro dizendo que aquilo era dele. Meu avô tinha a escritura de usucapião, mas pegaram o documento dele, prenderam ele, torturaram. Chegavam de cavalo e davam chicotada nas costas dele. Os outros moradores da região não aguentaram e foram saindo, mas meu avô ficou. Eles colocaram gado para comer a nossa roça, cortaram as fruteiras, colocaram fogo na casa, então ficamos morando no mato”.

Também prestaram depoimento hoje Ney Fernandes, que integrava a União Operária da cidade de Valença; Laerte Bastos, liderança nos anos 1950 e 1960 em conflitos de terra em Duque de Caxias; e Jorge Francisco de Brito, morador de Lagoinhas, Cachoeira de Macacu, preso pela ditadura, acusado de participar de uma emboscada que matou um militar que grilava terras na região.

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