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Da Redação
Publicado em 11 de setembro de 2014 às 12h53.
Brasília - A questão da distribuição de terras no Brasil permanece sem solução e é mais complexa do que a registrada há algumas décadas, de acordo com movimentos sociais e especialistas ouvidos pela Agência Brasil. Dados do Censo Agropecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2006 mostram o alto grau de concentração da estrutura fundiária do país. À época, havia 15.012 estabelecimentos com mais de 2,5 mil hectares que aglomeravam 98.480 milhões de hectares de terras.
Além de um desafio, a reforma agrária é uma obrigação constitucional que deve ser efetivada por todos os governos, assim como políticas de saúde e educação, destaca o professor da Universidade de São Paulo (USP) Ariovaldo Umbelino. Segundo ele, “a reforma agrária é instrumento de política pública para que a terra cumpra sua função social e a renda seja melhor distribuída na sociedade brasileira”.
Para ele, a distribuição de terras também é fundamental para acabar com conflitos. “A barbárie vivida no campo brasileiro é a melhor evidência da necessidade urgente de o país fazer, de fato, a reforma agrária”, diz Umbelino. Nos últimos 15 anos, segundo o especialista, 524 pessoas foram assassinadas no campo e foram registrados 19.548 conflitos envolvendo 10,5 milhões de habitantes.
Além dos desafios históricos, novos componentes se somaram a essa questão com o desenvolvimento do agronegócio, que modificou a organização do setor agrícola. “Ele [o agronegócio] é totalmente dependente das grandes extensões de terra. Então, a manutenção do latifúndio e o avanço para cima das áreas quilombolas, indígenas e da Amazônia, áreas de proteção e unidades de conservação, por exemplo, é parte da lógica do agronegócio, que precisa dessas terras para aumentar sua produção e seus lucros”, explica Diego Moreira, integrante da coordenação nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
O movimento estima que mais de 200 mil pessoas vivam hoje em acampamentos, sofrendo com a falta de assistência e com a lona preta como teto. Apesar disso, segundo Moreira, “a reforma agrária clássica está superada”, diz. “A lógica do mercado e da apropriação da terra tomou conta do campo brasileiro”, o que, na avaliação dele, formou um bloqueio econômico e político que impede reformas.
O MST defende o que chama de reforma agrária popular, formada por três elementos básicos: a desapropriação da terra; a preservação do meio ambiente e a produção de alimentos saudáveis e de qualidade. Segundo Moreira, há mais de 5 milhões de camponeses na cidade que querem produzir alimentos e viver da agricultura. Isso poderia diversificar a produção, garantir alimentação saudável e, ainda, fixar as famílias na zona rural.
Para manter as famílias no campo, o sociólogo e professor da Universidade de Brasília (UnB) Sérgio Sauer, que nos últimos quatro anos atuou como relator dos Direitos Humanos à Terra, Alimentação e Território da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (Plataforma DhESCA), aponta que é preciso garantir a universalização do acesso aos programas de crédito. Hoje, segundo o especialista, mais de dois terços dos agricultores familiares não são atendidos pelas linhas de crédito.
“O desafio de um novo governo seria como, ao mesmo tempo, gerar dividendos que não sejam baseados só na produção e exportação de produtos primários, diminuir preços da terra e promover políticas mais estruturantes para o meio rural”, resume, acrescentando que essas políticas devem contemplar ações que melhorem as condições gerais de vida nesses territórios, como acesso à educação, eletricidade e internet.
Do ponto de vista ambiental, ele defende a conciliação entre o conservacionismo e a vivência de populações que há anos ocupam determinados territórios. “Algumas populações estão sendo ameaçadas de deslocamento, justamente por causa da criação de unidades de proteção integral”, exemplifica o professor. Por outro lado, permanece a necessidade de garantir fiscalização para que territórios tradicionais e unidades de conservação sejam protegidos.
Já as empresas do setor querem mais áreas para expansão de atividades. A Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) aponta, amparada em números da Organização das Nações Unidas Para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que o país terá de ampliar em 40% a oferta de alimentos até meados deste século. Para tanto, defende que seria necessário ampliar o espaço para a agricultura e regulamentar as propriedades rurais, sobretudo na Região Norte.
A Abag afirma ainda que a qualificação da mão de obra e o planejamento são outras duas questões importantes para o setor. “Precisamos usar os instrumentos modernos de satélites e informática para dar mais previsibilidade ao crescimento da agropecuária: como e onde vamos crescer”, diz nota enviada à Agência Brasil.
Além da propriedade da terra, a produção de alimentos saudáveis também deve ser encarada como um desafio para resolução da questão agrária, na avaliação da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). Para a entidade, essa produção traz benefícios não só para a mesa dos cidadãos como para a soberania do país, uma vez que boa parte das sementes usadas hoje na agricultura são produzidas por empresas multinacionais, que as modificam geneticamente. Assim, sementes naturais – as chamadas crioulas – têm cada vez menos espaço e dificuldade de “vingar”, já que convivem em um cenário marcado por produtos químicos.
“A produção está concentrada em poucas commodities [gêneros agrícolas comercializados no mercado internacional] e a produção de diversos alimentos vem diminuindo no país”, diz o secretário executivo da articulação, Dênis Monteiro.
De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), o Brasil importa alimentos básicos, como trigo e arroz, ao passo que é o maior exportador de soja do planeta. Ao todo, o complexo de soja representa 41% do total das exportações do agronegócio, segundo dados oficiais. Em segundo lugar na pauta de exportação estão as carnes, especialmente as de frango, seguidas por açúcar e álcool.
Monteiro aponta que, além de os grãos não serem suficientes para que a população tenha uma alimentação diversificada, a utilização em larga escala de agrotóxicos na cadeira produtiva é outro problema. Nos últimos cinco anos, o Brasil tem ocupado o primeiro lugar no ranking de uso de agrotóxicos, segundo a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, composta por diversos pesquisadores e organizações da sociedade civil. Por isso, os movimentos defendem a ampliação do Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos, cuja criação foi aprovada, em agosto, pela Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica.
Perguntada sobre as críticas feitas pelos movimentos sociais, a Abag argumenta que o desenvolvimento do agronegócio seguiu “parâmetros ditados pela ciência e pela pesquisa”. “O Brasil tropical possui calor e umidade, o ambiente propício para disseminação de microrganismos e dos patógenos. Controlar pragas e doenças é crucial para produzirmos com competitividade, de tal forma que assim como aos humanos, os remédios para plantas são fundamentais”, diz a nota.
Em relação à concentração de sementes por empresas multinacionais, a associação avalia que o Brasil “deve continuar a atrair grandes empresas globais para participar do seu crescimento e desenvolvimento, e contar também com a expansão da oferta de produtos pelos seus pequenos e médios produtores, essenciais em várias atividades agrícolas”.
Para os movimentos sociais, a lógica de produção baseada em grandes empresas não é a mais sustentável nem a única possível. “A agricultura familiar e as populações tradicionais têm condições de dar respostas a esse desafio da produção de alimentos saudáveis”, defende o secretário da ANA. Para tanto, de acordo com ele, são necessários investimentos em políticas robustas com essa finalidade. “Não é o que ocorre. O Estado brasileiro é muito eficiente para apoiar o grande agronegócio para exportação, mas é muito lento para apoiar a agricultura familiar”, avalia Dênis Monteiro.
Ele lembra que o desafio de democratizar o acesso à terra no Brasil não é novo. O resgate poderia chegar à Lei de Terras, de 1850, que minou a possibilidade de acesso a este bem aos imigrantes e ex-escravos, ou à colonização do país, baseada na distribuição de grandes latifúndios de terras.