Greve dos caminhoneiros na Rodovia Régis-Bittencourt em São Paulo (Leonardo Benassatto/Reuters)
Valéria Bretas
Publicado em 29 de maio de 2018 às 16h38.
O governo brasileiro declarou o fim de uma devastadora greve de caminhoneiros em várias ocasiões ao longo da última semana. E mesmo assim, os protestos continuaram pelo nono dia consecutivo e grande parte da maior economia da América Latina continuou paralisada.
A breve explicação para o caos prolongado é: o Brasil está sofrendo com um governo fraco e impopular em um ano eleitoral. O que começou como um movimento genuíno de trabalhadores acostumados a passar muitos dias fora de casa acabou sendo apropriado por forças políticas de esquerda e de direita.
A greve continua por causa do interesse de “pessoas que estão tentando derrubar o governo”, disse José da Fonseca Lopes, presidente da Abcam, o maior sindicato de caminhoneiros.
À esquerda, a Federação Única dos Petroleiros (FUP), apoiada pelo Partido dos Trabalhadores do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que está preso, aproveitou a greve dos caminhoneiros para anunciar sua própria paralisação a partir de quarta-feira. Ciro Gomes tem dito que a greve mostra a necessidade de uma mão mais pesada do governo na economia.
Enquanto isso, eleitores e caminhoneiros de extrema-direta, alguns dos quais simpatizam com o ex-capitão do Exército e pré-candidato à presidência Jair Bolsonaro, têm manifestado mais abertamente o pedido de intervenção militar, mostrando cartazes, postando mensagens no WhatsApp ou organizando protestos separados. Na noite da segunda-feira, centenas deles se manifestaram na frente do Congresso. Um dos cartazes dizia: “Generais do Exército, queremos vocês no poder”.
A natureza caótica do protesto contra a política pró-mercado de preços do combustível abalou as chances dos candidatos reformistas centristas, afirma o cientista político Carlos Melo.
“A radicalização tende a fortalecer os candidatos mais extremistas e eloquentes”, disse Melo, professor da Faculdade de Administração do Insper. “Candidaturas à direita e à esquerda mais anti establishment, anti governo, acabam sendo favorecidas pelo desgaste.”
Bolsonaro, que diz que o regime militar de 1964-1985 no Brasil não foi uma ditadura, mas que vem moderando seu discurso, mostrava-se ansioso por se distanciar da greve, particularmente dos elementos mais radicais.
Um fato que alimenta a greve é que os múltiplos líderes desse movimento diversificado, animados pelo próprio sucesso e por um governo pego de surpresa, continuam lançando novas exigências na mesa de negociação.
Enquanto isso, os consumidores conseguem pequenas melhoras no abastecimento de alimentos e combustível. Em Brasília, um cliente comemorou quando finalmente conseguiu comprar ovos em um mercado agrícola. Um homem que estava abastecendo o carro em um posto sorria, dizendo que ele tinha esperado só duas horas, em comparação com quatro no sábado.
Se tudo sair como planejado, a volta à normalidade poderia levar entre sete e 10 dias, disse o almirante Ademir Sobrinho, chefe do Estado-Maior do Conjunto das Forças Armadas.
A estimativa não leva em conta o enorme impacto nos cofres públicos, as projeções de desaceleração do crescimento econômico e o risco de um efeito dominó com outros sindicatos que buscam compensar anos de recessão e austeridade.
*Reportagem de Raymond Colitt e Mario Sergio Lima