José Serra: Serra apresentou as novas diretrizes da política externa do governo Temer, que privilegiará parceiros tradicionais do Brasil, como os Estados Unidos (.)
Da Redação
Publicado em 18 de maio de 2016 às 18h59.
Chega de ideologia, vamos fazer negócios: foi assim que o novo ministro das Relações Exteriores, José Serra, apresentou a nova política externa brasileira, com a promessa de deixar para trás o que chamou de "desacertos" da esquerda no passado.
"A diplomacia voltará a refletir de modo transparente e intransigente os legítimos valores da sociedade brasileira e os interesses de sua economia, a serviço do Brasil como um todo e não mais das conveniências e preferências ideológicas de um partido político e de seus aliados no exterior", disse o ministro recém-empossado.
Senador e ex-candidato à Presidência pelo PSDB, derrotado por Lula e Dilma, Serra apresentou nesta quarta-feira as novas diretrizes da política externa do governo Temer, que privilegiará parceiros tradicionais do Brasil, como os Estados Unidos, a Europa e a Argentina, sem descartar a China, principal sócio comercial do país.
O novo chanceler foi nomeado quase uma semana depois de Dilma ter sido afastada da Presidência para enfrentar um julgamento de impeachment, acusada de manipulação de contas públicas, e Temer assumir interinamente até o fim do processo, que pode durar seis meses.
Se o Senado considerar Dilma culpada e destituí-la definitivamente do cargo, Temer completará o mandato até 2018.
A opção por um político, e não por um diplomata de carreira, dá ao ministério das Relações Exteriores a força e o protagonismo que teve poucas vezes nos cinco anos do governo de Dilma Rousseff, afirmam analistas.
"Tenho e terei, como sempre em minha vida pública, os olhos voltados para o futuro e não para os desacertos do passado", disparou Serra, personalidade de destaque do novo gabinete.
Primeiros dardos
O primeiro teste veio com a reação dos governos de Venezuela, Cuba, Bolívia, Equador e Nicarágua, que consideraram o processo de impeachment contra Dilma um "golpe de Estado". Serra não hesitou em desqualificar suas "falsidades". Fez o mesmo ao repudiar as declarações do secretário-geral da Unasul, Ernesto Samper.
"Estaremos atentos à defesa da democracia, das liberdades e dos direitos humanos em qualquer país, em qualquer regime político", afirmou.
Uma fonte próxima ao gabinete do ministro disse à AFP que a tensão com este bloco conhecido como "bolivariano" começou a diminuir e que as relações tendem a se normalizar.
El Salvador, por exemplo, que chegou inclusive a afirmar que não reconheceria o novo governo, posteriormente voltou atrás em sua decisão quando Serra lembrou os acordos comerciais que estavam em risco.
O secretário-geral da OEA, Luis Almagro, anunciou que consultaria a Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a legalidade do impeachment.
Em nota oficial publicada nesta quarta-feira, a entidade, com sede em Washington, expressou sua "profunda preocupação" com as medidas anunciadas pelo governo, as quais considerou "um retrocesso" em matéria de defesa e promoção de direitos fundamentais.
Serra não reagiu, mas em seu discurso reforçou a todo momento que o impeachment cumpriu com as normas legais.
O Itamaraty também trabalha para explicar a legitimidade do processo de impeachment no exterior, depois que na sequência do afastamento de Dilma foram enviados documentos a delegações diplomáticas denunciando "o golpe".
Bilateralismo
A guinada será dada no protagonismo que as Relações Exteriores terão na administração Temer, que pode inclusive aumentar o orçamento da pasta, que não estava entre as prioridades de Dilma.
Um diplomata de carreira que pediu para ter a identidade preservada explicou à AFP que "a direita se instalou ao fim do governo Lula". "Depois do ministro Celso Amorim houve um processo progressivo de conservadorismo que agora celebra" o afastamento de Dilma, criticou.
O foco da política externa será o mundo desenvolvido, sobretudo porque Serra terá agora o controle da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), que até então dependia do ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior.
O governo Temer buscará selar acordos comerciais sem restrições e apostará na bilateralidade onde o multilateralismo não frutifique.
"O multilateralismo que não aconteceu prejudicou o bilateralismo que aconteceu em todo o mundo. Quase todo mundo investiu nessa multiplicação, menos nós. Precisamos e vamos vencer esse atraso e recuperar oportunidades perdidas", disse Serra.
O novo chanceler ressaltou a importância da relação com a vizinha Argentina, "com a qual passamos a compartilhar referências semelhantes para a reorganização da política e da economia".
A Argentina teve uma mudança de tom político no ano passado com a chegada à Presidência de Maurício Macri, de orientação liberal, em substituição a Cristina Kirchner, defensora de uma economia com forte presença estatal.
Serra, que falou em "corrigir" o Mercosul, tem previsto viajar na segunda-feira para Buenos Aires para se reunir com a contraparte Susana Malcorra.